Jaime Solares: Recentemente saiu uma pesquisa do CAU que indica que 85% das casas ou reformas feitas no Brasil não são executadas com o auxílio de um profissional habilitado – arquiteto ou engenheiro. A autoconstrução - que vai das casas na favela até os sobrados no subúrbio – constitui a face mais comum das cidades brasileiras. Por que isso ainda acontece?
Héctor Vigliecca: A arquitetura foi sempre assim. No Renascimento, o arquiteto trabalhava nos palácios, nas igrejas, mas não fazia cidade. As casas eram feitas por construtores. São raras as cidades em que todas as edificações foram construídas por arquitetos, e que bom que foi assim, senão seria um tédio!
JS: Na Europa, especialmente em países como a Holanda, a participação do arquiteto é expressiva na construção da cidade, em oposição ao o que acontece no Brasil, onde o arquiteto ainda á muito pouco acessível à maioria da população...
HV: Realmente é difícil pagar um arquiteto para quem tem poucos recursos. Na Holanda 90% do construído são coisas repetitivas, como na França, principalmente no interior. Agora dentro das cidades, como Roterdã, os centros são muitos novos, a participação dos arquitetos é muito grande.
Contudo, a participação do arquiteto no Brasil, se comparada com vinte anos atrás, está muito maior. Primeiro porque a qualidade do arquiteto tem melhorado. Há também a maior participação das prefeituras, como na gestão Paulo Conde no Rio de Janeiro, que demonstrou que nossa participação pode melhorar a cidade e fazer boa arquitetura. Aqui também, com o Renova São Paulo, entre outros concursos que tem ocorrido.
Até os anos 1980 os arquitetos não entravam na prefeitura para fazer Habitação de Interesse Social, era a COHAB que fornecia os cadernos – os mesmos que você comprava na banca, “como fazer a sua casa”. Te dava toda a ferragem, os caixilhos, etc. Era ruim, e isso mudou totalmente, para melhor. Eu sou otimista.
Se você olhar para trás, quantas vezes se fez um concurso para habitação na cidade de São Paulo? Isso só foi acontecer nos últimos dez anos. Me lembro que estava em São Paulo na época de Celso Pitta, e diziam que “amanhã é lançado o novo plano diretor de São Paulo”. Foi um momento histórico.
JS: O senhor acha que essa aproximação com o Estado tem a ver com o Estatuto da Cidade, com o Plano diretor da cidade?
HV: O plano diretor que fora feito era mais para cumprir obrigação, e o arquiteto era mal remunerado pelo governo. Hoje a situação se inverteu: quem paga bem é o poder público e não o privado. Isso mudou completamente o panorama da atuação dos arquitetos e urbanistas no Brasil. O único grande desastre foi o Minha Casa Minha Vida, quando os arquitetos foram banidos do processo. Foram construídas quase 3 milhões de casa, 10 milhões de habitantes! É quatro vezes a população do Uruguai. É um desastre, dificilmente os arquitetos atuavam.
Me lembro quando apareceu o plano chamamos várias construtoras nos colocando à disposição, e eles diziam que não precisavam de arquitetos, já tinham as plantas da CDHU. Os arquitetos não participaram, e os que participaram fizeram papel de desenhista apenas. Então não falta trabalho no Brasil, falta atitude política tanto do governo quanto dos profissionais.