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my city ISSN 1982-9922

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AMORIM, Luiz Manuel do Eirado. Diretrizes para uma possível intervenção do Edifício Luciano Costa em Recife. Minha Cidade, São Paulo, ano 01, n. 003.02, Vitruvius, out. 2000 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/01.003/2102>.


O Recife Novo visto da Praça Rio Branco. O edifício eclético original é o segundo à direita [Departamento de Iconografia da Fundação Joaquim Nabuco]


A fotografia atual procura o mesmo ângulo da figura de cima, com o edifício reformado ao fundo

Edifício Luciano Costa atualmente. Ângulo da Rua Dona Maria César (esquerda) e Rua do Bom Jesus (direita)

O edifício eclético antes da reforma: detalhe da esquina da Rua Dona Maria César e Avenida Rio Branco [Arquivo do arquiteto Delfim Amorim]

 

No inicio da década de 60 o Bairro do Recife viu nascer uma das mais controvertidas obras da arquitetura moderna pernambucana. Projeto do arquiteto Delfim Amorim, o Edifício Luciano Costa atende à solicitação de reforma e modernização de um imóvel eclético. O autor propõe a construção de uma membrana de elementos vazados cerâmicos envolvendo a edificação eclética, com o objetivo de preservar parcialmente o edifício original. Desde a sua construção, o edifício vem sendo alvo de intensas polêmicas, envolvendo arquitetos, especialistas do campo da restauração e leigos que costumam trafegar pelas ruas do Recife. Conhecido por uns como ‘véu de noiva’ e por outros como ‘camisa de vênus’ (talvez pudéssemos chamá-lo de camisa de Vitrúvio - um preservativo arquitetônico), o edifício criou em torno de si admiradores e depreciadores fervorosos. Uns admiram o gesto revolucionário do arquiteto ao adotar soluções incomuns a um arquiteto racionalista moderno, como a valorização de um imóvel eclético e a utilização de uma fachada falsa; outros consideram a intervenção descaracterizadora e sem valor significativo.

Frente às pressões de seus proprietários atuais para a restauração do edifício eclético original, coloca-se a questão sobre qual seria a atitude mais adequada: restaurar a edificação eclética ou a manutenção da intervenção moderna, baseado nas suas características peculiares. As recentes ações dos governos Estadual e Municipal no sentido de revitalizar o Bairro do Recife, aceleraram na coletividade uma pergunta contida no próprio sentido da intervenção arquitetônica proposta: chegou a hora de retirar o ‘véu de noiva’ e restaurar o edifício eclético?

Diretrizes para uma possível intervenção

Porém, essa discussão sobre os fundamentos da intervenção proposta por Amorim passam ao largo das preocupações daqueles que tem no edifício Luciano Costa uma fonte de recursos para a sua sustentação. Os atuais proprietários, herdeiros do empreendedor Luciano Costa Júnior, têm em mãos um edifício de difícil manutenção e, por esse motivo, desejam restaurar a parte eclética do edifício. Acham-se ainda mais compelidos por restaurar a parte eclética pela oportunidade ímpar de inserir o imóvel no processo de restauração e revitalização do Bairro do Recife, desenvolvido pela Prefeitura da Cidade do Recife, através do Escritório Técnico do Bairro do Recife. Como o edifício está incluído entre os imóveis de destaque incluídos no perímetro de preservação rigorosa do Bairro do Recife definido pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), nenhuma ação descaracterizadora poderá ser feita, mesmo porque, o que justificou a sua inclusão como imóvel de destaque, foi a intervenção moderna de Amorim: "a intervenção salvadora já se integrou à arquitetura do Recife e deve ser preservada" (Urb-Recife/IPHAN, 1998).

Estado de conservação

O edifício, de fato, apresenta sérios problemas de conservação. A sua rede de infra-estrutura, já superada depois de 50 anos de uso, precisa ser modernizada. As constantes adaptações do edifício para atender às demandas dos seus condôminos são também causas da degradação física do imóvel.

Outros problemas devem-se ao próprio encamisamento do edifício eclético. Como o véu de elementos vazados representa a própria imagem do edifício, a fachada eclética ‘protegida’ não recebeu nenhuma manutenção. Ela encontra-se em estado deplorável, com uma perda considerável dos adornos originais em estuque. Além disso, o véu constitui-se em um habitat perfeito para os pombos, que tornam o locus da ruptura impossível de ser usufruído. A sujeira e o mau cheiro, praticamente impossibilitam qualquer aproximação das janelas.

Para concluir, o suporte da película de elementos vazados, constituído de vigas em concreto armado engastadas na alvenaria do edifício, apresenta a ferragem oxidada em vários ponto, e a trepidação, causada pelo tráfego pesado de ônibus e caminhões nas artérias circundantes, tem gerado a desagregação de muitos elementos vazados, substituídos, paulatinamente, pelos atuais proprietários, sem seguir, com fidelidade, as características originais da intervenção do arquiteto.

Diretrizes

Essa vem a ser uma das justificativas pela solicitação formal de remoção dos véu de cobogós por parte dos proprietários do imóvel. Ela vem colocar de forma objetiva aquela questão que anunciamos no início do texto: retirar ou não retirar o painel de elementos vazados? Restaurar ou não restaurar o edifício eclético?

A população em geral, usuários do edifício e freqüentadores do bairro são, na sua maioria, pela recuperação das características ecléticas do imóvel, principalmente pelo sequioso culto ao velho. Esse sentimento é mais forte hoje, após todo o investimento na reabilitação do Bairro do Recife, particularmente do Projeto Cores da Cidade, da Fundação Roberto Marinho, responsável pela recuperação e pintura dos edifícios ecléticos do Recife Novo. Retirar o véu da noiva significaria revelar para a cidade, a beleza oculta durante esses quarenta anos de reclusão.

Entre os arquitetos, e particularmente aqueles que trabalham na área de preservação, a postura predominante é a de manter o edifício moderno (ou melhor, a sua parte moderna embricada), retirando alguns dos fechamentos de elementos vazados para possibilitar uma melhor visão do edifício eclético (ou melhor, a sua parte eclética embricada). Nesse processo, restaria o trabalho de selecionar os melhores ângulos de visualização do edifício.

Apesar de sua lógica, fundada na valorização do aspecto preservacionista da intervenção, esta parece não ser a conduta mais adequada. Primeiro, porque a intenção do arquiteto ao criar a malha de concreto foi ser, além de elemento de composição, suporte estrutural da retícula de elementos vazados cerâmicos. O arquiteto procurou reproduzir um plano de fechamento de uma área interna útil, ou seja, as alturas das aberturas nos elementos vazado fazem crer a presença de um homem, configurando uma escala de referência para a fachada. A abertura de um plano completo conferiria à malha uma importância exagerada, e desvirtuaria aquela proporção definida pelo arquiteto.

Segundo, porque o elemento vazado escolhido, e presente desde o estudo preliminar, sugere uma sutileza no olhar do transeunte. Como nos muxarabis e nas rótulas, o interior não é visto, mas é sugerido; não está aparente, mas é descoberto (por um olhar atento). A simples retirada de planos de elementos vazados romperia o véu da noiva de forma deselegante.

Por fim, esta atitude pouco acrescentaria ao hibridismo próprio do edifício. O espaço limítrofe é o espaço que deveria ser valorizado, e não os elementos componentes dele. Qualquer intervenção que venha a ser feita deveria ter como objetivo primordial o de preservar as características deste lugar, valorizando-o. O que significa dizer, corrigir os efeitos da própria inserção da película de elementos vazados, como a interiorização do uso do edifício, gerada principalmente pela supressão de alguns balcões originais, pela vedação das janelas para a instalação de aparelhos de ar condicionado e a falta de conservação das fachadas.

A observação desses aspectos sugere que uma intervenção no conjunto edificado deveria manter e valorizar algumas de suas características mais próprias. A primeira delas seria permitir uma maior acessibilidade ao chamado espaço ou locus da ruptura, através da recriação de alguns dos balcões originais e da abertura das janelas das salas. A segunda, sugeriria a recuperação da fachada eclética, valorizando-a como delimitação daquele espaço, recebendo a pintura adequada, luminosa e em tonalidade contrastante com os elementos vazados. Com essa solução a fachada eclética se revelaria para um olhar mais atento. A terceira, e última, imaginaria a substituição de alguns planos de elementos vazados, por outros modelos de cobogós e brises, como imaginado pelo arquiteto em seus estudos iniciais. Seria a oportunidade de aumentar a transparência da membrana moderna, sem desvirtuá-la.

Essas três diretrizes básicas pressupõem uma ação menos radical e mais econômica. Outras ações mais complexas, e consequentemente mais caras, poderiam constituir em uma oportunidade de colocar o edifício como objeto de investimento de capital privado, interessado em investir na área. Essas intervenções teriam início pela recriação parcial do pátio interno, e conseqüente relocação das circulações verticais (que poderão estar perfeitamente integradas ao pátio) e dos sanitários. Como conseqüência, teríamos uma significativa redução da área útil dos pisos, que poderia ser compensada com a inserção de mezaninos nos pavimentos superiores.

Outra ação oportuna seria a reconstrução da antiga torre, seguindo um desenho de características contemporâneas, como afirmação do desejo de restauração do imóvel original. Paralelo a isso, seria fundamental a abertura do antigo acesso na esquina da Av. Rio Branco e Rua do Bom Jesus, sob a torre, para afirmar os eixos de acesso e simetria dos edifícios eclético e moderno.

É evidente que um estudo mais detalhado, inclusive de prospecção, iria levantar outras hipóteses e confirmar algumas interpretações apresentadas nesse estudo. Estas ações somadas seriam suficientes para ressaltar as características fundamentais do imóvel, que não se constitui de um edifício deturpado por uma reforma, nem uma reforma que lamenta o suporte que tem. Na realidade, o edifício constitui-se de um híbrido, cujas características e contribuições para a arquitetura são bem mais importantes do que aquelas do edifício original, que sem desmerecê-lo, era mais um edifício eclético do Bairro e, salvo engano, permanece sendo. Finalmente, o que deve ser ressaltado aqui, é que dentre as edificações existentes no bairro do Recife, o edifício Luciano Costa é único, e como tal deveria ser mantido dentro das características essenciais apresentadas aqui.

[esse texto é parte da apresentação realizada III Seminário DOCOMOMO Brasil. A permanência do moderno, que aconteceu durante a 4ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, dezembro de1999. Ele é complementado pelo texto especial 018 Edifício Luciano Costa: Um enfoque apositivo, que pode ser acessado no Portal Vitruvius]

bibliografia

Prefeitura da Cidade do Recife (1981), Preservação dos Sítios Históricos: Recife: Prefeitura da Cidade do Recife.

Urb-Recife/IPHAN (1998). Revitalização do Bairro do Recife - Proposta de Tombamento a Nível Federal. Recife: Urb-Recife.

sobre o autor

Luiz Manuel do Eirado Amorim é Arquiteto pela UFPE, em 1982, e PhD em Arquitetura pela University College London, em 1999. É professor adjunto da UFPE, lecionando no Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo e no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano e Regional.

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