Enquanto estruturador do desenvolvimento democrático de uma sociedade, o debate público, sobre as diversas ações do poder público municipal, frente aos problemas da nossa cidade de Ribeirão Preto, se torna imprescindível.
Nesse sentido, enquanto cidadãos Ribeirãopretanos, é que manifestamos através desse documento nossa preocupação em relação a inexistência desse debate com a sociedade, em relação aos caminhos estabelecidos por uma política urbana municipal. Política urbana que acreditamos existir em nossa cidade desde 01 de janeiro de 2001: primeiro por sermos eleitores – e por isso estamos aqui cobrando – de um partido com uma ação social efetiva e segundo por sermos profissionais Arquitetos Urbanistas, e portanto preocupados com os rumos do planejamento urbano municipal.
A cada dia que passa acompanhamos os problemas resultantes de ações de um poder público executivo federal centrado exclusivamente numa política monetária de manutenção da estabilidade da moeda. De uma política monetária inserida numa Globalização perversa e excludente. Coisa que não queremos ver em nossa cidade. De uma política que não devemos seguir para a prática de uma gestão urbana municipal, e que teremos a oportunidade de mudar com as eleições de 2002.
Várias foram as conquistas que a sociedade brasileira vem vivenciando desde os anos de 1980. Ao contrário do que se prega até hoje – sobretudo pelos “eu-conomistas” como diria Paul Singer – os anos 80 não devem ser encarados como a “década perdida”. É nesse momento que surgem no país, após anos de regime militar, ações sociais estruturadas na base da sociedade brasileira.
Manifestações que iniciaram uma luta pela Reforma Urbana, e que teria um resultado fundamental na elaboração da Constituição Federal de 1988 com a inserção – pela primeira vez na história – de um capítulo sobre Políticas Urbanas.
Hoje o Estatuto da Cidade, aprovado em instância Federal, apesar de todos os devidos aprimoramentos necessários para sua aplicabilidade, se constituí como documento ímpar para uma gestão urbana das cidades brasileiras. Uma gestão democrática, com objetivos e instrumentos urbanísticos centrados na lógica da inclusão sócio-espacial de todo cidadão. Na lógica de construção de um ambiente urbano possível, com uma distribuição dos serviços urbanos, habitação, entre outras, para toda a cidade. Isso infelizmente ainda não acontece.
As cidades brasileiras estão inseridas sim, numa lógica exclusiva do mercado. Do valor especulativo do solo urbano imposto por grandes construtoras e empreendedoras imobiliárias e que Ribeirão Preto, objeto de nosso estudo, não foge à esse perfil.
Inseridos nesse mercado, grandes escritórios de Arquitetura que ora se perpetuam como autores dos edifícios de um urbanismo verticalizador, ora se manifesta na sua mais nova faceta: a construção de verdadeiros palacetes encantados e seus condomínios fechados, que mais aparentam cemitérios em meio à malha urbana. Condomínios que se justificam pela tentativa, falsa ao nosso entender, de recriar em seus interiores, uma vida urbana. Que “cidades” são essas que estão sendo construídas em nossa cidade?
Acreditamos que a atual administração Municipal – que ajudamos a eleger, e assumimos nossa responsabilidade social por tal opção política – caminha, ou deveria caminhar, na busca por aquela cidade possível. Caminha quando coloca em prática o exercício do Orçamento Participativo, fundamental na gestão urbana – como é o caso da cidade de Porto Alegre. Caminha quando promove eventos como essa 1ª Feira Nacional do Livro. Caminha quando promove o “Cinema no Bairro”, quando possibilita o “Orquestra no Bairro”. Isso para ficarmos no âmbito da Secretaria Municipal de Cultura, que vem desenvolvendo um trabalho primoroso, tanto na discussão quanto elaboração de uma política cultural séria e bem definida, tendo na pessoa do Senhor Galeno Amorin, Secretário da Cultura, três elementos fundamentais para o trabalho público: Responsabilidade, Ação e Ética.
Nesse momento chegamos ao objetivo desse documento. Demonstrar – no nosso entender – quando a Administração do Prefeito Antônio Palocci não caminha no sentido daquela cidade possível, produzida pelo debate público de suas ações.
Nossos objetos de crítica são alguns projetos que repentinamente surgem, ou publicados ou expostos, como é o caso do Edifício da Biblioteca Altino Arantes, apresentado ao público em painéis no espaço da Prefeitura na Feira Nacional do Livro. Não estamos aqui – mas acreditamos também fazer parte do debate – para elaborar uma crítica ao projeto de arquitetura apresentado. Mas sim para exigir que ações como essa se iniciem por um debate público, tanto com a sociedade em geral quanto com entidades como IAB-RP (Instituto de Arquitetos do Brasil – seção Ribeirão Preto) – instituto esse que não se posiciona perante tais fatos, ou melhor, não tem nenhuma representatividade em nossa cidade.
Seria importante, a fim de promover um debate arquitetônico, oferecer a possibilidade de, através de concurso público aberto, outros profissionais apresentarem seus projetos. Nesse sentido, surge uma questão inicial: Como é que se dá atualmente a escolha do profissional? A prefeitura não deve ser entendida como uma empresa privada, que compra através da escolha do seu dono, o serviço que será elaborado por um determinado profissional.
Outros exemplos justificam nossa crítica: é o caso do terminal urbano, apresentado em recente exposição O Arquiteto e a Cidade, ou o projeto de restauro do Hotel Palace, apresentado pelo Senhor Prefeito na abertura da Feira Nacional do Livro, no Theatro Pedro II.
No caso do terminal urbano, não somente o fato da falta do debate em torno do projeto arquitetônico e suas implicações urbanísticas, mas também o equívoco em se restabelecer um edifício que gera todos os demais problemas urbanos, como por exemplo, o viário. Um projeto viário não passa pela construção de um terminal urbano, sem o estabelecimento de um plano viário geral em toda a cidade.
Mais uma vez deixamos claro que nossa crítica não se refere aos projetos em si, nem ao profissionais autores de determinado edifício ou plano urbano. Exigimos sim uma postura mais democrática e transparente por parte do poder público municipal, na sua esfera executiva de poder.
É necessário que a Arquitetura e o Urbanismo retomem seu papel social em relação ao ambiente urbano, deixando sua atual postura de mera ferramenta da reprodutibilidade do capital imobiliário especulativo e excludente. Acreditando na real possibilidade de construção da cidadania e da urbanidade, através de um espaço urbano democrático, vivo em sua máxima sociabilidade, é que manifestamos nossa reação contrária aos caminhos adotados para se buscar a finalidade que é uma cidade possível a todos.
A cidade de Ribeirão Preto e sua sociedade não podem mais ficar alheias ao poder de interferência do capital privado especulativo, na busca de seus interesses. O capital privado deve ser transformado em capital social, possibilitando a todos o acesso à cidade legal, provida de todos os serviços constitucionalmente garantidos ao cidadão. As lógicas das “Idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias”, devem ser excluídos de uma gestão urbana democrática e cidadã.
Para finalizar é necessário que se coloque uma reflexão: Qual cidade queremos construir e habitar?
sobre os autores
Kelly Magalhães, Arquiteto-Urbanista, Mestranda em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos / Ufscar , com pesquisa sobre História da Urbanização de Ribeirão Preto, Professora de Planejamento Urbano e Regional do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Uberaba e Paisagismo do Centro Universitário Moura Lacerda – Ribeirão Preto.
Rodrigo Faria, Arquiteto-Urbanista, Mestrando em História Social do Trabalho pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas / Unicamp, com pesquisa sobre História Urbana de Ribeirão Preto, Professor Licenciado de Planejamento Urbano do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Uberaba.