Encerrou-se há pouco o concurso internacional de idéias para o arranjo da Praça Rabin (ou Rabin Peace Forum) em Tel Aviv. O concurso atraiu grande número de participantes – dentre eles também algumas equipes de arquitetos do Brasil.
Ao escrever estas linhas, não tenho ainda conhecimento dos resultados, que deverão ser divulgados muito em breve. Mas creio poder afirmar que – sejam eles quais forem – não estarão em grau de trazer grande satisfação aos autores dos projetos premiados, nem de abrir uma perspectiva próxima de execução para as idéias expostas: isto por causa das condições bastante anormais em que o concurso foi lançado, e de acontecimentos políticos internacionais a partir de outubro, que impediram a concentração dos juízes nas datas previstas (o que levou a mudanças improvisadas e a medidas incomuns no processo de julgamento).
Forçoso é revelar, de início, que o edital do concurso foi anunciado em conseqüência de irregularidades administrativas na Prefeitura de Tel Aviv: esta havia encarregado unilateralmente uma equipe de arquitetos de sua escolha, de projetar a reurbanização da praça, numa insensibilidade quanto à grande carga de interesse público que o local desperta.
A coisa se fez sabida e foi denunciada pela Associação de Arquitetos de Israel, que decidiu (ela também de forma unilateral) lançar o concurso em oposição aos trâmites da prefeitura, sem os necessários passos formais que pudessem garantir um desenvolvimento regular e unânime do processo.
Ao lado disto, é preciso lembrar que a praça em questão é um dos poucos grandes espaços públicos da cidade, o que a transformou no local espontâneo de realização de toda sorte de eventos – sejam eles políticos, artísticos, culturais, ou simplesmente de concentração popular (feiras, festivais etc.) Depois do trágico assassinato do primeiro ministro Rabin ao encerrar-se a grande manifestação em prol da Paz que lá se realizou, a praça assumiu também um natural caráter de memorial, e do simbolismo de uma solidariedade de que a maioria dos cidadãos sente forte necessidade, na conturbada realidade israelense dos últimos anos.
A intenção da prefeitura de levar a cabo radicais mudanças na praça sem prévia consulta da opinião dos interessados levantou então uma onda de protestos, que se colocou em paralelo com o anúncio do concurso.
Para complicar o quadro, toda esta situação se formou sobre o fundo de uma dissidência que se deu anos atrás no seio da associação local de arquitetos: dissidência esta que culminou na fundação de um Instituto de Arquitetos separado, que pleiteia para si a legítima representação da classe. Esta divisão se manifesta também entre o atual “City Engineer” (Chefe da seção de planejamento e projetos da prefeitura, e membro do instituto revoltoso) e o presidente da associação “oficial” de arquitetos – que por acaso também ocupou em passado o mesmo cargo de “city engineer”, mas teve que se demitir por motivo de suas opiniões pouco ortodoxas e de sua natureza pouco conciliatória perante interesses de grupos de pressão desta ou daquela espécie.
Tudo quanto descrito não depõe em favor da idoneidade das entidades envolvidas, nem deixa crer que o muito divulgado concurso internacional seja o ultimo episódio na seqüência de passos relacionados com a praça. No entanto, apesar destes tropeços, a atual administração municipal de Tel Aviv tem de um modo geral atuado de forma razoavelmente satisfatória no que toca aos interesses da população, levando adiante alguns projetos que há tempo se fazem necessários no contexto da passagem da cidade de uma estrutura restrita para a de grande metrópole em que vem se transformando, e demonstrando estar atenta aos desejos dos cidadãos. Isto, ao lado do debate que entrementes se entendeu também ao parlamento (no intuito de transformar a praça em logradouro de caráter nacional), não fecha a porta para futuras medidas que visem uma honesta resposta às questões suscitadas.
Os trabalhos apresentados ao concurso foram expostos antes do julgamento perante o público, que também foi solicitado a expressar suas preferências.
Se me é permitida uma opinião pessoal, gostaria de dizer quanto segue:
1. O programa de projeto, assim como as normas de apresentação, foi elaborado de forma nebulosa e inconsistente, mesmo na constatação de que se trata de concurso de idéias, destinado a estabelecer diretrizes gerais a serem desenvolvidas posteriormente, e não a fixar uma linha executiva.
2. Dentre os 194 painéis, a grande maioria revela uma preocupante inclinação para formalismos de moda e uma parca sensibilidade perante fatores de opinião pública ou considerações de ética frente a realidades existentes no espaço da praça. Nota-se outrossim uma acentuada tendência para formulações de duvidoso simbolismo, baseadas em conceitos de uma cultura de superfície e inspiradas na facilidade gráfica com que o computador permite hoje revestir qualquer coisa com uma apresentação de enganoso profissionalismo.
3. Em contraste com esta característica de maioria, acentuam-se alguns trabalhos (dentre eles pelo menos um que por intuição atribuo a colegas brasileiros) que demonstram uma justa compreensão do valor intrínseco da praça no seu estado atual, apenas pondo-o em foco através de poucos expedientes de simples e despretensioso paisagismo.
Este é na verdade o ponto central da polêmica a meu ver: a coragem de não ceder a tentações megalomaníacas de políticos ou tecnocratas, e de manter o ambiente urbano na justa medida de equilíbrio entre as necessidades funcionais, as aspirações do espírito, as solicitações sócio-culturais, as memórias históricas que são tão importantes na fixação de uma “alma” para a cidade. E num respeito não demagógico e não interesseiro das vontades do cidadão.
sobre o autor
Vittorio Corinaldi é arquiteto formado na FAU USP e correspondente Vitruvius em Israel.