Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

my city ISSN 1982-9922

abstracts

how to quote

BARRETO, Frederico Flósculo Pinheiro. Audiência pública para projetos de arquitetura? Minha Cidade, São Paulo, ano 02, n. 022.02, Vitruvius, maio 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/02.022/2061>.



Vista interna do minhocão – um pequeno e vitorioso degrau que divide longitudinalmente um prédio de 700 metros de extensão

Pátio interno da Faculdade de Direito. Um pátio inacessível, feito para ser visto e não para ser usado

Rampa do minhocão – contínua, curta, curva e com declividade acentuada, sem patamar intermediário (e, originalmente, sem os precários guarda-corpos da atualidade)

Portões do minhocão – abrem contra o fluxo de entrada dos vestibulandos, bem diante de escadas: uma armadilha

 

 

Nos dias 9 e 10 de abril de 2002 o Programa de Apoio às Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais, da Universidade de Brasília, realizou seu primeiro Seminário universitário sobre os temas da “Acessibilidade e inclusão”. Vários grupos de pesquisadores, variadas ações incidentes sobre essa (também ampla) gama de problemas vinham operando sem coordenação ou comunicação entre si, e resolveu-se proceder a uma “prestação de contas” entre os próprios universitários – algo como: “antes de prescrevermos receitas para os outros, vamos examinar nossos próprios agravos”. Desse primeiro seminário participaram representantes da comunidade de pessoas portadoras de necessidades especiais (que inclui, em especial, as pessoas portadoras de deficiências físicas, embora o eufemismo das “necessidades especiais”  possa ser empregado para incluir as demandas de determinadas minorias), e estudiosos das áreas do projeto arquitetônico, de ergonomia, psicologia ambiental, engenharia mecânica, educação “especial” e serviço social.

Pelo menos uma de suas principais deliberações (algumas delas ainda por serem oficialmente formalizadas como deliberações produzidas no âmbito do seminário, que tinha esse caráter propositivo para a administração da UnB) merece um rápido exame, pois certamente reflete questões comuns a muitas outras universidades brasileiras – e de interesse geral.

Resolução: serão realizadas audiências públicas referentes aos novos projetos de arquitetura, urbanismo e paisagismo no campus da UNB. Consistiria em termos os projetos em desenvolvimento apresentados à comunidade universitária, que seria convidada a participar abertamente de sua discussão, a levantar questões sobre seu programa de necessidades, sua implantação, suas características de uso, seu conforto, sua aparência, entre outros aspectos. Claro, o arquiteto ou equipe encarregada poderia acolher ou não as sugestões e críticas, mas a comunidade ou grupos “de pressão” específicos (como os portadores de necessidades especiais) poderiam empreender ou não ações de salvaguarda no sentido de assegurar determinadas qualidades para os novos espaços, que conheceriam antecipadamente. E, nesse sentido, há vários instrumentos formais de pressão à disposição da comunidade, escassamente utilizados.

O volume de problemas relacionados a barreiras arquitetônicas e a inadequações de edificações antigas e novas – algumas recém-inauguradas, em nosso campus – é, para dizer o mínimo, intrigante, e a participação da comunidade na avaliação dos projetos pode contribuir para que as futuras edificações e espaços urbanizados tenham um melhor desempenho. Ou, pelo menos, que alguns erros crassos sejam evitados, pois são gerados pela ignorância por parte dos projetistas de conhecimentos detidos pelos não-arquitetos, a quem deveriam atender.

Isso, em teoria. A questão da participação do usuário no projeto de arquitetura apresenta enormes dificuldades políticas – e coloca, essencialmente, uma questão política para a prática da arquitetura, que convulsiona o próprio modo como concebemos, por exemplo “o campus como uma obra de arte”, para usar a frase de um empedernido esteta de nossa comunidade. A infalibilidade inerente às práticas modernistas totalizantes da arquitetura ainda está em plena vigência, em determinadas instâncias, que incluem o ensino. Uma frase de Oscar Niemeyer veiculada no começo de abril (a partir de uma entrevista que o Arquiteto concedeu à Newsweek) quando disse “não se importar com os interesses do usuário”, foi amplamente, reiteradamente discutida, por ir ao centro dessa questão que envolve a participação das pessoas “atingidas” por nossos projetos (seria essa apenas mais uma traquinagem do grande arquiteto?).

Ao que tudo indica, os tempos do “construa certo, contrate um arquiteto” não são os atuais, pelo menos no que dizia respeito à nossa convicção da inerente qualidade de tudo o que um arquiteto produzia. A infalibilidade do arquiteto foi duramente atingida, no caso brasileiro, pela Constituição Federal de 1988, em seu Art. 227 (o único ponto em toda a Constituição que se refere diretamente à arquitetura, e quando se refere, é para ordenar “a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos”). Todas as discussões que freqüentemente mantemos sobre o tema da (des)valorização profissional deveriam iniciar-se pela leitura e reflexão desse artigo de nossa Constituição, a bem da verdade. “Porque não nos valorizam como merecemos?” perguntam alguns magoados arquitetos. “Porque vocês pensam que acertam sempre, e nem sempre acertam, seus erros são muito incômodos, e podem chegar a impedir que as pessoas usem os novos espaços da cidade”, diriam os não-arquitetos (ou “usuários”, se preferirmos). Infelizmente, não temos teorizado sobre isso de forma relevante para o ensino de arquitetura, que ainda é dominado pelas ideologias de uma prática “infalível”  do arquiteto.

Se há dificuldades políticas por parte do próprio modelo profissional, também há outras dificuldades por parte da própria comunidade – e, no caso de nossa discussão, dificuldades que envolvem uma bem informada comunidade universitária. Essas dificuldades envolvem: a habilidade para uma nova forma de diálogo entre arquitetos e sua clientela comunitária, o desenvolvimento de um novo conhecimento acerca do ambiente, além do exercício de direitos da cidadania que devemos incorporar à prática da arquitetura e do urbanismo. Neste momento ainda é notavelmente precária a “educação ambiental” tanto de projetistas quanto da própria comunidade, mas é provável que, se dialogarem respeitosamente, aprendam rapidamente. Em especial, quanto a esses últimos direitos de cidadania, é estarrecedor constatar a distância que mantemos entre alguns discursos libertários (no caso da nossa comunidade universitária) e o entranhado autoritarismo da gestão universitária, em sua prática. Como dizem, a universidade é um idealizado micro-cosmos de uma sociedade muito bem educada (mas o que exatamente ocorre nesse paraíso de pessoas bem-educadas? O que nele pratica que pretensamente pode ser ensinado para a sociedade real, à volta?).

Para finalizar aqui esta notícia, essa resolução de um singelo seminário universitário enfrentará enormes dificuldades para ser implementada, pois ainda há a formidável (e inconfessada) resistência da administração de nossas universidades públicas, gratuitas, laicas e de qualidade, em permitir que a “transitória” maioria da comunidade universitária opine sobre os “assuntos universitários”. A simples idéia de que “pessoas de fora” do grupo no poder poderiam “dizer aos tomadores de decisão” o que decidir é repulsiva aos nossos dirigentes universitários. A democracia universitária, como a democracia brasileira em geral, é exercida nos períodos eleitorais, mas dificilmente poderíamos definir os “interstícios eleitorais” como gestões habilmente democráticas, pois não há a necessária variabilidade nas representações, nem amplitude nas poucas e muito bem definidas instâncias representativas. Alguns acreditam que essa não é uma questão que deva preocupar os arquitetos, mas que está presente como um pressuposto fundamental para as nossas práticas profissionais. Afinal, para quem projetamos?

sobre o autor

Frederico Flósculo Pinheiro Barreto é arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.

comments

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided