Anti-globalização ou a uma outra forma de globalização? O contato entre os povos e suas interinfluências sempre aconteceram e acontecerão por intermédio da cultura e relações comerciais, em que uma possa servir de canal para a disseminação da outra. A questão deve ser necessariamente discutida – sem que se fuja de um caminho natural de evolução da humanidade - dentro de um entendimento de como e em que direção este movimento de troca deve acontecer.
É clara a dependência cada vez maior que as economias mais sólidas e dominadoras têm dos recursos naturais de que invariavelmente encontram-se em territórios historicamente subjugados. O petróleo dos países árabes e os minérios sob o solo africano, são exemplos desta constatação e de como as superpotências “abrem e fecham os seus olhos” para os regimes autocráticos e teocráticos autoritários, dentro de suas conveniências políticas e interesses puramente econômicos. Ao depender do “pensamento único” o movimento de troca será vertical e, inelutavelmente, de cima para baixo.
Dentro deste chamado mundo globalizado onde o conceito de exportação estende-se à transferência das empresas, os locais são mensurados apenas por valores de mercado em uma nova divisão mundial da produção, que por sua vez torna-se um campo de batalha fiscal. Empresas de décadas de atuação em um determinado território mudam-se para outro, da noite para o dia, dentro das tendências e interesses momentâneos deste mercado altamente protecionista e que exclui a grande maioria da população mundial da riqueza e conhecimento gerados.
Vivemos um período de transição - talvez longo - e caracterizado por tantas crises e entre elas, declaro como uma das mais especiais a ausência de um pensamento dialético, muito mais caro que uma utopia. É chegado o momento da revisão da ética e uma nova mensuração de forças conflitantes cujo o vetor resultante, certamente, nos orientaria para uma totalidade no sentido de uma evolução contrária à fragmentação do pensamento onde o que é público vira sinônimo de decadência e inoperância. O erotismo, como propala Richard Sennet em sua obra “ O Declínio do Homem Público”, dá lugar à sexualidade exacerbada, acomodando um comportamento narcisista e conivente com a tendência bastante atual do “anti-público”. Vivemos a era da mídia e do marketing: a subjugação do conteúdo pela imagem. Onde está a discussão?
Sob a égide do pensamento deconstrutivista o arquiteto Peter Eisenman em projeto para um edifício comercial em Tóquio, de nome Kiozumi – executado no começo da década de 90 -, “desconstrói” a forma em seus últimos pavimentos sobre o restante do volume que apresenta “vestígios modernistas”: pele de vidro, pilares aparentes, uma estrutura modulada, e o uso de pilotis Não há mais uma dialética cartesiana onde se pode percorrer o eixo X ou Y, dentro de uma perspectiva, necessariamente, temporal. O que se tem agora é a “antinomia”: “A” e “B” até então contraditórios são agora sinônimos (desconstrução/construção). A possibilidade de qualificação de veraz tanto para “A” como para “B” – lembrando que os seus conceitos, mais do que se oporem, sustentam o sentido dos seus respectivos significados – remonta as referências culturais em movimento pendular. A freqüência contudo, pode vir a ser regida por interesses subjugadores e negadores da contextualidade. Materializa-se uma estética que acaba por simbolizar os tempos de “pensamento único”: valores estranhos redimensionam a estrutura de um pensamento sedimentado e fundamental da sociedade. A leitura do mecanismo é clara: uma cultura sobrepondo-se a outra tornando-a vulnerável às influências que são um meio e não um fim. Com a cultura local em cheque, questionada e minada em seu cerne, nada mais restará de sólido e verdadeiro. Tudo poderá ser imposto: como pensar; como viver; e o que consumir.
Globalização sim, mas de forma horizontal – conforme os ensinamentos de Milton santos - fortalecendo as referências regionais que por sua vez, deveriam interagir de forma solidária e fomentar uma humanidade cada vez mais justa e sem dominações. A arte brasileira ao longo da sua história demonstra como fazê-lo. Desde as obras indianistas de nossa literatura, passando pela semana de 22, até o tropicalismo, procuramos entender nossa sociedade e sua formação. Aceitamos o que vem de fora, as influências, e como elas podem agir dentro de um papel de fortalecimento de nossa identidade: fundamental para a construção de uma sociedade estruturada e por princípios e, por conseguinte mais ética, fraterna e universal. Como diz o neo-antropfágico compositor e cantor Lenine: O “lobby mau”, não, mas “I lobby you”, sim!
bibliografia
SANTOS, Milton, O país distorcido – o Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo, Publifolha, 2002 (organização, apresentação e notas Wagner Costa Ribeiro / Ensaio de Carlos Walter Porto Gonçalves).
JAMESON, Fredric. The seeds of time. Nova York, Columbia University Press, 1994.
SENNET, Robert, O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo, 1988 ( tradução Lygia Araújo Watanabe).
sobre o autor
Francisco Lauande é arquiteto. Tem curso de pós-graduação em Sistemas de Construção pela Universidade Metropolitana de Tóquio (1990-1991). Foi membro do Conselho Fiscal do IAB-DF (1996-1997) e diretor cultural do IAB-DF (2000-2001).