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my city ISSN 1982-9922

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LOPES, Myriam Bahia. Incêndio em Ouro Preto. O presente se consome como a chama. Minha Cidade, São Paulo, ano 03, n. 034.01, Vitruvius, maio 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/03.034/2042>.


Ouro Preto, 14 de abril de 2003, cerca de 19:40 horas da noite
Foto Jamil Pereira de Jesus


Ouro Preto, 14 de abril de 2003, cerca de 19:40 horas da noite
Foto Jamil Pereira de Jesus

Ouro Preto, 14 de abril de 2003, cerca de 19:40 horas da noite
Foto Jamil Pereira de Jesus

Ouro Preto, 19 de abril de 2003, cerca de 8 horas da manhã
Foto Jamil Pereira de Jesus

Ouro Preto, 19 de abril de 2003, cerca de 8 horas da manhã
Foto Jamil Pereira de Jesus

Ouro Preto, 19 de abril de 2003, cerca de 8 horas da manhã
Foto Jamil Pereira de Jesus

 

A primeira impressão que tive quando me mudei para Ouro Preto, após ter ingressado na Universidade Federal de Ouro Preto foi impactante. Vi a Igreja do Carmo de Mariana, que havia permanecido fechada por mais de uma década em trabalho de restauração, arder em chamas. Era o verão de 1999 e a dor me instigou a trabalhar com os alunos as diferentes possibilidades de escrita da história a partir do incêndio. Passados quatro anos a ferida se abre no presente com o incêndio na Praça Tiradentes.

Ouro Preto, patrimônio cultural da humanidade, e Mariana acumulam um triste histórico de perdas geradas pela sua incapacidade em formular uma cultura da prevenção. Por um lado, o incêndio e a tragédia atendem ao perfil da matéria de primeira página na imprensa, ou seja, o acontecimento deve ser consumido pelo leitor no mesmo ritmo que o cigarro vira cinza no seu café matinal, ou do jantar durante o jornal na TV.

Por outro, cabe a nós cidadãos refletir sobre a nossa funesta relação com o tempo que faz parte da cultura brasileira. O que é necessário para se prevenir que a marca dos séculos materializada na edificação e no que a faz viva se transformem em silêncio, em desolação e em cinzas? Basta admitir a singela projeção de que o pior vai acontecer. Se há material inflamável em profusão porque não decretar que o fogo acontecerá?

Esse limite é fundamental para assumirmos a nossa dimensão humana; na cidade é crime achar que o anjo da guarda nos protegerá ou que as tragédias acontecerão como castigo divino e enquanto fruto do destino não podem ser evitadas. A política é feita com leis humanas aplicáveis às ações humanas. E a prevenção só é exeqüível quando assumimos com todas as suas implicações o imensurável valor da vida. A prevenção e o combate ao incêndio devem ser faces de uma mesma política aplicável nas cidades.

Quatro anos se passaram da tragédia da Igreja do Carmo em Mariana; conseguiu-se mobilizar a comoção nacional e recursos para a sua recomposição, sim pois parte dela se transformou em pó, e jamais poderá ser novamente apreciada, e então é como se uma grande amnésia tivesse se apoderado da memória coletiva mineira e o sentido da história desse incêndio tivesse sido definitivamente fixado como uma fatalidade, uma ação sem sujeito e portanto sem responsáveis.

E as empresas que atuavam no templo por ocasião da tragédia continuam vencendo as licitações para executar obras em edificações tombadas. Tempo e valor. O bom preço no mercado implica em restaurações que se sucedem a pequenos intervalos. Mas afinal na época de orçamento participativo quem define o valor a ser agregado a cidade? Não há consciência do patrimônio nem cidadania se a sociedade permanece alheia a compreensão da história do valor. A prevenção pressupõe um cálculo: a de que os investimentos feitos no presente impedirão que perdas maiores aconteçam no futuro.

Como quantificar e qualificar a destruição de um casarão do século XVIII no coração de Ouro Preto? O passado nos transmite um valor como herança que se materializa nas edificações, na memória em ação, na história que se escreve com gestos e povoa com sons, cores e todos os sentidos o espaço mantendo viva as cidades históricas. Não aceitamos a fala de autoridades ouropretanas que dizem que o moderno corpo de bombeiro ainda não havia sido gestado uma vez que a demanda fora formulada recentemente ou que a solução estaria parada na máquina burocrática. A vida não espera e o tempo não para.

O fogo é implacável e com certeza ele continuará reduzindo a cinza o tesouro do qual deveríamos ser zelosos guardiões. É esse o futuro que desejamos para as nossas cidades? O obscurantismo e a inércia apostam no destino. Quantos incêndios ainda serão necessários para que autoridades e a população acordem desse fatalismo que atravessa séculos?

Funestos exemplos chegam quase a compor uma marca na nossa história; para citarmos alguns exemplos, o incêndio de Lisboa no século XVIII, o incêndio provocado no Morro da Queimada em 1722, em Ouro Preto, a Igreja Queimada em Antônio Pereira, distrito que no século XIX teve o seu rico acervo em prata saqueado e a igreja incendiada, o Fórum de Ouro Preto na década de 1950, o bairro do Chiado em Lisboa em 1988, a Igreja do Carmo de Mariana em 1999 e a edificação que abrigava o Hotel Pilão em 2003 cuja temperatura das chamas deixou comprometida a estrutura de vários outros casarões vizinhos.

Feridas que se abrem no presente no fogo que consome presente, passado e futuro. O futuro do passado jamais será. A memória do trauma é condição para a mudança para pensarmos a urgência de uma cultura da prevenção como condição digna de existência coletiva.

sobre o autor

Myriam Bahia Lopes é doutora pela Universidade Paris 7, professora-adjunta do Setor de Teoria e Metodologia do Depto de História da UFOP e coordenadora do Centro de Estudos do Ciclo do Ouro, Casa dos Contos, Ouro Preto, MG.

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