“É a partir do território existente e de sua topografia que se desenha ou constrói a cidade, e começaria no chão que se pisa a identificação dos elementos morfológicos do espaço urbano. Esses elementos são a própria topografia e modelação do terreno, mas são também os revestimentos e pavimentos, os degraus e passeios empedrados, as faixas asfaltadas e tantos outros aspectos.” (1)
Alguns bairros da cidade do Rio de Janeiro exemplificam claramente a observação de Lamas, já que suas paisagens são compostas por alguns elementos morfológicos tão marcantes que fica impossível, até mesmo para turistas de fora do país, não identificá-los. O caso mais famoso da cidade é, sem dúvida, o do bairro de Copacabana e de seu calçadão de pedra portuguesa.
Mas é preciso dizer que, na maioria dos casos, pouco valor se é dado à organização do espaço urbano e principalmente a criação de uma identidade visual que possa nos remeter imediatamente ao lugar que a origina, se tornando um ponto de referência e criando em seus moradores a sensação de pertencimento a seu bairro.
Exemplos desse descaso podem ser verificados em quase todos os bairros do subúrbio. Isso, mesmo nos dias de hoje, onde se observa cada vez mais um movimento de suburbanização da população, e não só da população com um menor poder aquisitivo, mais daquela que em busca de uma melhor qualidade de vida, começa a migrar para o subúrbio atrás da tranqüilidade perdida nas áreas mais valorizadas da cidade.
A região administrativa do Méier
A área da região administrativa é bastante grande e apresenta todos os problemas e características típicas dos subúrbios do Rio, principalmente no que diz respeito à organização da malha urbana, já que esses subúrbios surgiram em sua maioria, apartir da "febre viária" (2) dos anos cinqüenta e se formaram desordenadamente ao longo da linha férrea, sempre com o centro nas estações ferroviárias.
Ao caminhar pela região é possível observar áreas com grande potencial urbano, mas que atualmente se encontram abandonadas, ruas sem arborização adequada, falta de sinalização, falta de um padrão construtivo, enfim, falta de uma identidade que mostre que aquela região é o Méier.
Dentre todas essas áreas observadas, existe uma no Engenho de Dentro, que por sua localização na região administrativa e por sua proximidade com grandes equipamentos urbanos existentes no local, tem seu potencial urbano multiplicado.
Essa área se estende ao longo da Av. Dom Helder Câmara (antiga Suburbana), indo mais ou menos do Norte Shopping até o viaduto de acesso para Inhaúma, com foco principalmente no trecho que reúne um antigo galpão da SMTU, o terreno baldio atrás dele, o prédio da antiga discoteca Blue Garden e o largo em frente ao acesso de chegada da Linha Amarela.
Será que as autoridades locais não notaram que a revitalização da área da Av. Dom Helder Câmara e de seu entorno imediato, principalmente apartir da recuperação do terreno da SMTU, atualmente abandonado, estabeleceria não só melhorias urbanísticas para o bairro, mas também fortaleceria a imagem local e as relações existentes, principalmente as do comércio.
O bairro do Engenho de Dentro, é um dos maiores bairros da região administrativa, com 44.757 pessoas residentes, 11,5% do total da região, perdendo apenas para o Méier e o Engenho Novo. Ainda, pelos dados do Anuário Estatístico do Rio de Janeiro (1998), podemos ver que do total de 44.757 pessoas que vivem no Engenho de Dentro, 9.109 estão na faixa de 0 a 14 anos; 20.845 de 15 a 44 anos; 7.441 de 45 a 59 anos; 7.221 com 60 ou mais e 141 ignorados. Ou seja, o bairro apresenta uma faixa de população relativamente jovem, que tem grandes chances de também se estabelecer no bairro caso esse apresente condições.
Essa possibilidade de permanência é observada claramente pelo tempo de moradia médio da população nos bairros dessa região administrativa, que segundo o levantamento realizado para elaboração do PEU do Méier em outubro de 1996, é de 40,6% com mais de 20 anos, seguido por 30,5% com 11 a 20 anos, 12% com 6 a 10 anos e 16,9% com até 5 anos.
Os grandes equipamentos comerciais como o Norte Shopping, Wall Mart e o Leoroy Merlin já iniciaram um tratamento urbanístico particular na área, modificando a paisagem fora dos limites da Av. Dom Helder Câmara com a reserva de grandes áreas livres para futuras expansões. Trouxeram também, um inicio de melhorias públicas com a reestruturação das vias de acesso, principalmente de veículos.
Mas apesar dessas intervenções que já foram feitas serem um avanço, é necessário observar que deve haver uma maior preocupação por parte do poder público em organizar o espaço urbano de forma conveniente e agradável para a população que vai usufruir dele e não apenas para satisfazer interesses comerciais.
Pensado nisso, uma boa intervenção para o local, seriam melhorias de infra-estrutura urbana, como o alargamento das calçadas na área de maior fluxo de pedestres, o que elevaria e fortaleceria a vida social no bairro, e também a complementação do corredor de grandes equipamentos através do investimento na criação de um projeto cultural-esportivo, que não coincidisse com os horários do shopping, evitando assim gerar mais trânsito para área.
Promover ainda a criação de uma identidade local da área, principalmente através da arborização dos espaços, já que as áreas verdes, parques, jardins e arborização de ruas são indispensáveis para um ambiente urbano minimamente sadio. Essa identidade tem que garantir que o espaço vai ser tratado como uma unidade de conservação aberta a um uso regulado e disciplinado pela população, livrando-o da ocupação irregular (mendigos) ou transformação em depósito de lixo e entulho.
“Do canteiro a arvore, ao jardim de bairro ou ao grande parque urbano, as estruturas verdes constituem também elementos identificáveis na estrutura urbana. Caracterizam a imagem da cidade, tem individualidade própria, desempenham funções precisas: são elementos de composição e do desenho urbano, servem para organizar, definir e conter espaços” (3).
Enfim, é preciso apenas que o poder público enxergue que a solução para manter a população nos subúrbios é simples: criar condições para que elas tenham qualidade de vida em seus próprios bairros.
notas
1
LAMAS, José M. R. G.
2
ABREU, Maurício de A.
3
LAMAS, José M. R. G.
sobre o autor
Roberta Nascimento Saint Clair dos Santos, Arquiteta e Urbanista - Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ.