Originalmente, a Vila Olímpia e o Itaim faziam parte da propriedade do General Leopoldo Couto Magalhães, desmembrada por seus herdeiros em lotes, pequenas chácaras de um hectare, vendidos a pequenos agricultores e comerciantes.
Na década de 70, encontrava-se consolidada como um bairro de classe média e ocupação mista. Na parte alta, estabeleceram-se casas térreas ou assobradadas geminadas e edifícios residenciais de pequeno porte. Indústrias e depósitos fabris dominavam a parte baixa, propensa a inundações dos Córregos Uberaba e Uberabinha. Duas de suas extremidades eram delimitadas pelas favelas Coliseo e Juscelino Kubitschek.
Considerada uma região formada por terrenos insalubres, de fundo de vale e de baixo valor comercial, a Vila Olímpia manteve esse padrão estabilizado até a década de 90.
Em 1986, a iniciativa privada apresentou à Prefeitura, sob administração de Jânio Quadros, um projeto do arquiteto Julio Neves, intitulado Bulevar Zona Sul, como solução viária para desafogar o trânsito do setor sudoeste da cidade. Porém o próprio autor nunca escondeu o seu propósito real do projeto: a valorização imobiliária.
Através da remoção e da reurbanização de quadras inteiras de Pinheiros, Itaim, Vila Funchal e Vila Olímpia, o novo bulevar seria construído, interligando as Av. Brig. Faria Lima e Av. Eng. Luis Carlos Berrini – a porção paulistana que mais se aproxima da imagem ideológica de ilha globalizada.
O projeto não foi levado adiante e a polêmica causada por ele só voltaria à cena no ano de 1993, quando o prefeito Paulo Maluf anunciou o prolongamento da Av. Brig. Faria Lima, como obra emblemática de sua administração. Seria viabilizado pela venda de potencial adicional construtivo através da Operação Urbana Faria Lima.
A Câmara demorou dois anos para aprovar a Operação. A Prefeitura, temendo não haver tempo para concluir a intervenção até o final do mandato, iniciou as obras antes da venda de potencial construtivo, com recursos que previa recuperar posteriormente, já que se tratava de uma região de grande interesse do mercado imobiliário.
Os efeitos da Operação Urbana Faria Lima e das obras viárias realizadas nas proximidades do bairro deflagaram a voracidade do mercado imobiliário.
Logo após a inauguração dos últimos trechos da nova Av. Brig. Faria Lima, em 1997, artigos de jornais chamavam a atenção para o aumento na procura por imóveis para abrigar casas de espetáculos, bares, restaurantes e danceterias.
O sucesso, alcançado pelos primeiros empreendimentos dessa natureza, impulsionou uma verdadeira ebulição na Vila Olímpia, que atualmente ocupa o status de point da noite paulistana. Há mais de setenta bares e restaurantes em funcionamento e mais dezenas sendo inaugurados, segundo reportagem da revista Veja São Paulo, de 01 de maio de 2002.
A atratividade do bairro como pólo de entretenimento noturno acabou conferindo-lhe o apelido de Brejo Alegre.
A fase seguinte é caracterizada pela intensa verticalização, valorização fundiária e adensamento. Dezenas de edifícios comerciais foram erguidas. Aproveitando o momento favorável, edificações antigas passaram por retrofits. Terrenos que, em 1990, valiam cerca de U$ 50,00/m2, são, hoje, comercializados a U$ 2.000,00/m2 (1).
Torres comerciais envidraçadas foram substituindo antigos sobrados e galpões da Vila Olímpia, repetindo o conceito responsável pela ocupação rápida e economicamente bem sucedida dos edifícios da construtora Bratke & Collet, na região da Av. Eng. Luis Carlos Berrini: suprir a escassez de espaços destinados a pequenas empresas e profissionais liberais que não têm interesse ou condições de pagar os altos preços cobrados na região da Avenida Paulista.
Atraídas pelas soluções tecnológicas e especificações técnicas de última geração, além de flexibilidade espacial dos novos edifícios, as empresas pontocom e as agências de publicidade vieram se estabelecer no bairro, que passou a ser chamado por um novo apelido: Vila do Silício.
Outro setor em ascensão é o de hotelaria. Muitos flats e hotéis voltados a acomodar executivos em trânsito pela cidade espalharam-se pelo bairro. Há inclusive uma proposta em negociação que pretende trazer a rede de hotéis Kimpinski para a Vila Olímpia. Seria a primeiro hotel seis estrelas do Brasil, instalado no complexo International Plaza, projeto do arquiteto Julio Neves (2).
A sofisticação torna-se cada vez mais presente nos empreendimentos. O edifício E-Tower, projetado pelo escritório Aflalo & Gasperini Arquitetos, é o primeiro a enquadrar-se na classificação Triple A, que segundo as empresas de consultoria imobiliária, define um espaço comercial que agrega o que há de melhor em especificações construtivas e de mais moderno em inovações tecnológicas e conforto. O top de linha.
O luxuoso E-Tower está sendo construído ao lado do que restou da favela Coliseo, na esquina da Rua Funchal com a Rua Coliseo.
Esta é a imagem que melhor sintetiza a atual paisagem da Vila Olímpia: a cacofonia. Quem circula pela região enxerga uma pretensa ilha globalizada de país emergente, que mistura o melhor, o mais caro e o mais moderno, com os eternos problemas paulistanos.
Reflexo disso são as calçadas mal conservadas e exíguas, “adaptadas” a comportar pontos de ônibus e orelhões, pontuadas por carrinhos de lanche, vendedores ambulantes, caçambas de entulho e muitos sacos lixo.
A Operação Urbana Faria Lima promoveu um adensamento que o bairro não tem condições de comportar. Há insuficiência de transporte coletivo, estacionamentos e serviços direcionados aos novos usuários.
Os congestionamentos são diários, em especial no final da tarde, quando muitos estão deixando os escritórios, após o horário comercial e outros estão chegando, trazendo jovens endinheirados para o happy hour. Demora-se mais de dez minutos tentando sair com o carro do estacionamento, mais de meia hora para cruzar duas vias. Não é raro que esse encontro se repita no inicio da manhã seguinte. É comum estar chegando para trabalhar quando os últimos freqüentadores das danceterias estão saindo.
O boom de edifícios de escritórios na Vila Olímpia pode ser explicado pelo oportunismo do mercado imobiliário e pela forma de atuação da Prefeitura frente a essa intervenção, marcada por imediatismo, falta de planejamento, de visão global e de interesse em controlar os novos empreendimentos que surgiram no bairro.
Como conseqüência do adensamento acelerado e sem planejamento, o bairro passa a apresentar problemas de saturação viária e de infra-estrutura. As opções de transporte coletivo e o número de vagas de estacionamentos mostraram-se insuficientes, gerando deseconomias de localização que acabam implicando na redução de novos investimentos imobiliários.
A diminuição do número de novos empreendimentos contratados e dos pedidos de aprovação para obras dá origem a iniciativas reparadoras tanto por parte da Prefeitura como da comunidade empresarial do bairro.
A Prefeitura outorgou a um Grupo de Trabalho a elaboração de propostas de maneira a assegurar a liquidez da Operação e a continuidade das obras pendentes.
Paralelamente, empresários e proprietários de imóveis fundaram o Movimento Colméia, com o propósito de elencar diretrizes capazes de legitimar a excelência de qualidade de vida e de reverter a estagnação dos negócios.
O caderno de conclusões do Grupo de Trabalho traz uma síntese sobre os erros de planejamento e gerenciamento da Operação Urbana e propõe novidades como o incentivo a construções de interesse social e edificações residenciais.
O Movimento Colméia representa uma inovação em termos de ação comunitária. Como a maioria das empresas que o compõe são grandes construtoras, investidores e imobiliárias, possuem acentuado poder de negociação junto ao poder público, exposição favorável na mídia e por isso suas reivindicações têm grande chance de sair do papel.
A prefeita Marta Suplicy assinou em 15 de março de 2002 um protocolo de intenções com a associação visando o prolongamento da Avenida Hélio Pelegrino, alargamento da Rua Funchal, investimentos para melhoria do trânsito, bem como a implantação do Plano Piloto proposto pelo movimento.
O Plano Piloto contém a síntese das propostas do Colméia, que serão testadas em seis quadras (ver figura).
São prioritárias a ampliação e a qualificação de passeios, das áreas verdes e das opções para estacionamento, através da implantação de garagens subterrâneas.
No quesito segurança, o movimento propõe a criação de uma empresa privada que se encarregará vigiar todas as propriedades da região, por sistemas de rádio, câmeras de vídeo e ronda ininterrupta de agentes em veículos motorizados. Os custos desse sistema de segurança privada serão cobertos de forma compartilhada pela comunidade do bairro. A meta desse projeto é atingir o nível de criminalidade zero, em 5 anos.
Requalificações de áreas urbanas degradadas através de parcerias, entre a iniciativa privada e o poder público, são comuns em muitas cidades americanas e européias. Nesse sentido, o Movimento Colméia tenta reproduzir em São Paulo o que já ocorre em países desenvolvidos.
Seus integrantes representam a parcela que tem condições econômicas, financeiras e culturais para cobrar melhorias da Prefeitura. Porém, só levam em consideração os seus interesses, ou seja, o reaquecimento do mercado. O que já vem ocorrendo. Novos empreendimentos estão sendo lançados, graças às constantes reportagens sobre a nova Vila Olímpia.
Nesse sentido, as propostas de melhorias significam a repetição dos mesmos erros já produzidos: crescimento e adensamento controlados e determinado pelas exigências do mercado, do capital financeiro, e do urbanismo.
Não há preocupação com a exaustão ou a degradação urbana por parte desse setor da sociedade.
notas
1
Nobre, 2000
2
Hotéis de luxo São Paulo, São Paulo, Edição 1642, 29 de março 2000, p. 28
[artigo baseado na dissertação de mestrado “nome da tese”, orientada por nome do orientador, Universidade Presbeteriana Mackenzie, São Paulo, ano da defesa]
sobre o autor
Viviane Paes de Barros Castanho Sávio é arquiteta e mestre em arquitetura e urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.