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my city ISSN 1982-9922

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SEGRE, Roberto. Ameaçado um ícone do modernismo uruguaio. A hospedaria e restaurante Solana del Mar em Punta del Este. Minha Cidade, São Paulo, ano 06, n. 068.01, Vitruvius, mar. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/06.068/1953>.


Hospedaria e restaurante Solana del Mar, vista externa
Foto Pedro Strukelj [Fernando Álvarez e Jordi Roig (Edit). Antoni Bonet Castellana (1913-1989)]


É inacreditável que já na primeira década do século XXI, olhando na distância, os prédios paradigmáticos do Movimento Moderno na América Latina não sejam assumidos como “história antiga” e respeitados e conservados, como os dos séculos precedentes. Desafortunadamente isto não acontece e no ano 2004 se perdeu, por um incêndio intencional promovido pela especulação edilícia, a casa da ponte em Mar del Plata, desenhada por Amancio Williams (1943), única casa argentina de renome internacional, que tinha sido declarada patrimônio cultural nacional. Agora pode acontecer uma perda semelhante no Uruguai. A poética obra do arquiteto catalão Antonio Bonet (1913-1986) – quem morou várias décadas na Argentina –, a hospedaria e restaurante Solana del Mar em Portezuelo, Punta Ballena, perto do exclusivo balneário de Punta del Este, pode ser derrubada pela irresponsável iniciativa individual do novo dono deste terreno, para construir nele a sua residência privada. Significaria derrubar uma obra do mestre Bonet que simboliza a assimilação das idéias dos pioneiros do Movimento Moderno – Le Corbusier, Wright e Mies van der Rohe – no Cone Sul e a sua adaptação às condições locais, tanto do sítio como dos recursos técnicos e materiais.

Antonio Bonet foi um dos principais impulsionadores do desenvolvimento da vanguarda arquitetônica na Argentina. Formado na Escola de Arquitetura de Barcelona, tinha participado como estudante no CIAM IV (1933) que se desenvolveu no navio Patris II, entrando em contato com Le Corbusier, Alvar Aalto, Giuseppe Terragni e Cornelius Van Eesteren. Uma vez formado, colaborou com José Luis Sert no Pavilhão da Espanha na Exposição Universal de Paris de 1937 (que expunha o quadro Guernica de Picasso), e participou de alguns projetos no escritório de Le Corbusier. Ali conheceu os profissionais argentinos Juan Kurchan e Jorge Ferrari Hardoy, que, ao desencadear-se a Guerra Civil Espanhola, foi convidado a emigrar na Argentina. Em Buenos Aires participou do movimento “revolucionário” Austral, em procura de uma articulação entre os avanços técnicos e estéticos do modernismo e as necessidades preteridas de operários e camponeses argentinos, privilegiando o tema da habitação social. Os inovadores ateliês na Rua Suipacha (1939) estão entre as primeiras obras construídas por Bonet; e em colaboração com Kurchan e Ferrary Hardoy desenharam a bem sucedida poltrona BKF, interpretação livre da cadeira de lona e madeira chamada “tripolina” e utilizada pelo exército italiano na guerra de Abissínia. A empresa norte-americana Knoll vendeu mais de um milhão de exemplares no mundo inteiro, objeto considerado um ícone do desenho “informal” contemporâneo, que também foi copiado popularmente.

Antonio Lussich, um catalão residente no Uruguai, proprietário de uma extensa área de terreno na praia de Punta Ballena, caracterizado pelas áridas dunas de areia, a transformou em um bucólico bosque de eucaliptos. Com a finalização da Segunda Guerra Mundial, e a opulência dos países do Cone Sur – que tenham vendido carne e grãos as nações beligerantes –, começou a incrementar-se a dinâmica turística na Argentina e no Uruguai. Surgiram os dois principais pólos turísticos da região: o mais popular e massivo em Mar del Plata e o sofisticado ocupado pela elite portenha, em Punta del Este. Daí a idéia de criar um refúgio paradisíaco para os turistas com recursos econômicos em esta área chamada Portezuelo, com um projeto de desenvolvimento urbanístico elaborado por Bonet em 1945, em colaboração com Juan Gabriel Ferreres.

O que nunca foi observado nas histórias da arquitetura moderna na América Latina – sempre limitadas a visões nacionais, sem abrir-se ás necessárias articulações continentais – é que na década dos anos quarenta existiram três iniciativas de urbanizações periféricas para assentar as burguesias ricas, que alem do benefício econômico que deviam ter estas propostas, os empresários desejavam manter um alto nível estético no traçado do sistema viário; na conservação da paisagem natural; nos prédios do equipamento social e se for possível na arquitetura das casas individuais. A primeira foi o desenvolvimento urbanístico na lagoa de Pampulha (1942), apoiada por Juscelino Kubitschek, prefeito de Belo Horizonte, a segunda o projeto de Bonet para Punta Ballena (1945-1948); a terceira, o desenho de Luis Barragán para o Pedregal de San Angel (1945), no subúrbio de México DF.

Naqueles anos, as elites assumiam a sua responsabilidade, não só ao tentar de manter o conservador poder político nos países da América Latina, mas também de identificar-se com a vanguarda cultural, cujos modelos serviriam para os avanços culturais da sociedade no seu conjunto. Princípios que hoje foram totalmente abandonados, quando as elites se retiraram totalmente do mundo da cultura renovadora e apóiam as expressões kitsch mais retrógradas que se constroem nas cidades e nos condomínios fechados: o paradigma deste suicídio cultural da elite paulista é o shopping Daslu, uma vergonha nacional.

Bonet elaborou um projeto “regionalista”, completamente alheio aos esquemas do racionalismo cartesiano que seguiria mantendo nas suas proposta metropolitanas, como aconteceu no projeto do Bairro Sul em Buenos Aires nos anos cinqüenta. Aqui, o traçado irregular das vias definia terrenos de grande porte – entre 2 e 3 mil metros quadros –, respeitando as árvores do bosque e criando um sistema de pontes de madeira para pedestres que evitavam o cruzamento com os carros. Para dirigir as obras, Bonet construiu uma pequena casa pessoal que preanuncia a sua leitura das obras “rústicas” de Le Corbusier: na residência “La Gallarda”, os volumes articulados e o teto de telhas “borboleta” são uma referência á mansão chilena Errázuriz, projetada pelo Mestre em 1929. Linguagem que posteriormente supera as citações diretas, em um conjunto de casas paradigmáticas situadas nesta urbanização e construídas nos anos 1947 e 1948: a Berlingieri; a Cuatrecasas; a Booth e La Rinconada.

Mas sem dúvida, a obra mais poética e mais elaborada foi a hospedaria e o restaurante Solana del Mar (1946-1947), situado entre o bosque de eucaliptos e a praia, prédio adaptado as suaves curvas do terreno coberto de grama, herdadas das dunas pré-existentes. Como explica o crítico argentino Francisco Liernur, a obra integra elementos da linguagem de Le Corbusier – o concreto visto da laje e os muros de pedra – e a estrita modulação estrutura de Mies van de Rohe. Eu adicionaria também a referência a Richard Neutra, na articulação dos volumes na planta em T. A laje se inicia quase no nível superior da duna, o que permite o acesso direto ao teto, utilizado como um bar ao ar livre, e se desenvolve cobrindo o volume retangular dos quartos da hospedaria até a dupla altura do espaço do restaurante, com altas fachadas de vidro que permitem a vista da praia. A leveza da estrutura de concreto fica quase imperceptível na extensa fachada de vidro, o que na vista desde a praia, a laje parece posada levemente sobre o terreno, quase suspensa no ar. Neste sentido, não tem a densidade de um prédio, mas é um episódio “artificial” na continuidade horizontal da larga praia que o contém. Bonet soube aproveitar a qualidade estética da paisagem bucólica e conseguiu inserir nele sem contradições, todas as casas que conformam este conjunto, que considero um dos monumentos mais importantes do Movimento Moderno latino-americano.

Por isso, é indispensável uma ação de apoio á salvaguarda de Solana del Mar, tanto das instituições dedicadas a proteger o patrimônio arquitetônico do século XX – como o Docomomo –, assim como também das escolas de arquitetura e dos profissionais de nosso continente, conscientes da necessidade de conservar a nossa herança cultural. Tomara que as autoridades municipais e nacionais uruguaias não cometam o mesmo erro que aconteceu em Mar del Plata, e declarem monumento nacional o conjunto urbano de Punta Ballena. Desejo finalizar com uma história pessoal. Na década dos anos quarenta, meus pais passavam os meses de verão no Uruguai, entre o povoado de Atlântida e o centro turístico de Punta del Este. Ficou gravada na minha memória, quando era ainda adolescente – e sem intuir que o meu destino seria ser historiador da arquitetura –, a experiência estética de Solana del Mar, quando levaram-me a visitar a praia de Punta Ballena. Nunca esqueci o impacto perceptivo daquela laje entre a grama e a praia, marcando aquela linha horizontal contínua, destacada sobre o bosque de eucaliptos.

sobre o autor

Roberto Segre, arquiteto e crítico de arquitetura, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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