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PAVIANI, Aldo. Cidades aniversariam? Brasília faz 46 anos. Minha Cidade, São Paulo, ano 06, n. 069.02, Vitruvius, abr. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/06.069/1949>.
Ao contrário das demais cidades brasileiras, que têm datas comemorativas de fundação ligadas a povoamento historicamente demarcado, Brasília foi inaugurada com data e festividades política e administrativa estabelecidas desde fins dos anos 50 do século 20. Estabeleceu-se que seria inaugurada em 21 de abril de 1960 e ninguém contestou outra data, pois Juscelino Kubitschek em seu Plano de Metas incluiu a “Meta Síntese” configurada na construção da nova Capital. Poderiam alguns imaginar que a cidade teria outra data inaugural, como a construção do Catetinho, em outubro de 1956. Se assim fosse, Brasília se aproximaria de seu meio centenário de existência. Mas, esse seria um preciosismo histórico, nada acrescentando à expansão e povoamento do território do Distrito Federal e Entorno, a partir do início das obras. Em Brasília, não há propriamente um aniversário. Há uma data comemorativa de sua implantação e em torno dela se organizam eventos que demarcam os grandes feitos e se enaltecem obras com inúmeras festividades.
As comemorações poderiam salientar como diria Milton Santos, “os fluxos e os fixos” que resultaram na metrópole de 2,3 milhões de habitantes da Brasília de 2006. Esses fixos e fluxos agigantaram-se ao ser comparada a cidade de hoje com a imaginada pelos construtores, sobretudo por Lúcio Costa. O plano piloto do grande urbanista projetava um centro urbano com 500 mil habitantes, estipulado pelo governo JK.
Brasília é exemplo de crescimento vertiginoso e, como as demais metrópoles, abriu espaços para núcleos urbanos periféricos demograficamente importantes, mas esparsos no território do DF. O dinamismo demográfico exigiu a solução de povoamento polinucleado, sem o padrão do que se convencionou denominar de “planejamento urbano”. A rigor, o planejamento urbano faria a cidade coincidir com o Plano Piloto; ao contrário, o afluxo populacional e a falta de previsão obrigaram os governantes a criarem núcleos distantes do centro, como Taguatinga, em 1958. Sucessivamente, projetaram-se outros núcleos, eufemisticamente denominados cidades-satélites. E o processo de povoamento pontual, esparso no território deve continuar, com futuros bairros como “Setor Noroeste”, “Catetinho”, “Setor Oeste” e outros.
Qual a previsão para o futuro? A depender da dinâmica demográfica, econômica e da existência ou não de projetos regionais (nacionais), aventamos dois cenários: um pessimista, com o continuado povoamento esparso, inclusive nos anéis externos ao DF, criando-se uma metrópole que engolfaria o Plano Piloto – tal como ocorreu com Belo Horizonte. Nesse espaço haveria caos urbano, com desemprego maior do que o atual; falta de habitações condignas e favelas ocupando as várzeas, matas ciliares e nascentes. Faltariam espaços de reserva para usos futuros – federais e do GDF, inclusive para a implantação de novas atividades produtivas e de serviços. Os transportes urbanos seriam insuficientes e precários, reflexos da demanda periferia-centro, acarretando congestionamentos no Plano Piloto. Haveria carência de escolas e professores para a rede de ensino comprometendo a educação de crianças e jovens. Os hospitais públicos e privados não teriam leitos suficientes para a população do DF e Entorno. O território do Entorno receberia, como atualmente, o excedente populacional do DF, dando sinais visíveis de inchaço e violência urbana, reproduzindo a favelização de Brasília. Entorno e Brasília seriam uma cidade só, conurbada.
No cenário otimista, o Plano Piloto estenderia os benefícios da urbanização a todo o território. Haveria exemplar rede escolar de ensino fundamental e médio a ponto de não haver crianças e jovens fora da escola. As universidades abririam faculdades em diversos pontos do DF e Entorno para que os universitários não necessitassem deslocar-se até o centro. Os hospitais, bem distribuídos no território e bem equipados, não submeteriam a população a filas de espera nos corredores e macas hospitalares. Planos de habitações populares acabariam com o déficit de moradias. As atividades econômicas possibilitariam a abertura de novas vagas, com a disseminação no DF de novas lojas, indústrias e serviços, a ponto de absorver grande parte da população economicamente ativa (PEA) das localidades, extinguindo o “comércio ambulante”. O trem metropolitano atenderia a maior parte do DF, suplementado por empresas de ônibus que cobririam toda malha urbana, agora dotada de pistas cimentadas e de maior durabilidade. A rede de transporte público reduziria a circulação de automóveis, dado que o petróleo, escasseando, poria um freio ao uso individual de veículos.
A partir dos 46 anos de Brasília, pelo labutar de sua população e governos, esperamos que a segunda hipótese possa ser vislumbrada no ano de 2050, com motivos palpáveis para comemorar.[artigo publicado originalmente no Correio Braziliense. Brasília, 19 abr. 2006, Caderno Opinião, p. 19]
sobre o autor
Aldo Paviani é pesquisador associado da Universidade de Brasília – UnB.