Entre os dias 27 de novembro e 01 de dezembro deste ano de 2006, aconteceu em Vitória-ES, o “1º Seminário Internacional: Metapolarização e Novas Territorialidades”. Uma semana inteira de palestras e oficinas onde o assunto central é a cidade como parte de um vasto território urbano, com todas suas problemáticas de infra-estrutura e como estas se relacionam com as cidades constituintes deste território, que aqui no caso, tomando-se como estudo de caso a Região Metropolitana de Vitória, formada pelas cidades de Vitória, Vila-Velha, Cariacica, Serra, Fundão e Guarapari. O tema foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), o Conexão.Vix, composto principalmente por professores-arquitetos do Departamento de Arquitetura e Urbanismo.
O Seminário pretendeu analisar a pesquisa que este grupo desenvolve desde o ano de 2004, tendo como base, o desenvolvimento da macroestrutura existente e seus reflexos urbanos ao longo do eixo entre as cidades de Belo-Horizonte-MG e Vitória-ES; e, além disso, como que estas territorialidades, novas ou não se inserem e são influenciadas pelo atual estágio da globalização.
O Seminário, dividido em duas partes, teve na parte da tarde o desenvolvimento de oficinas práticas, onde os participantes arquitetos, geógrafos, economistas, engenheiros e estudantes foram instigados a pensar a cidade inserida neste contexto do território e suas metapolarizações, ou seja, foi colocado em discussão como que todos os interesses que geram a vida da cidade, sejam eles econômicos, sociais, políticos, culturais e outros que extrapolam o próprio território da cidade, enclausurados em um limite físico que agora alcançam outras escalas pouco mensuráveis ainda para o cotidiano dos arquitetos-urbanistas. Os participantes se dividiram em duas oficinas, coordenadas pelos arquitetos visitantes Jorge Godoy, chileno, com base em Londres e participante do Grupo CHORA, e o arquiteto argentino Willy Muller (1), com base em Barcelona e membro do Grupo Metápolis e diretor do Instituto de Arquitectura Avanzada de Cataluña (IAAC). Pelo curto espaço de tempo para as oficinas, ambos os arquitetos tomaram como campo de atuação central a cidade de Vitória-ES, sem esquecer suas relações com suas cidades vizinhas. Métodos diferenciados foram apresentados a cada grupo das oficinas: enquanto Jorge Godoy buscava apreender a cidade a partir da percepção ambiental da mesma, Willy Muller tinha na água o elemento referencial (e projetual) do trabalho, já que a cidade de Vitória é uma ilha rodeada por água, além de sua parte continental ao norte.
A água como material constitutivo de um projeto urbano
Relataremos aqui sobre nossa participação na oficina coordenada pelo Arquiteto Willy Muller e o resultado do trabalho de nossa equipe em particular (2).
O primeiro passo foi tentar entender esta relação da cidade de Vitória com a água que a rodeia. Se esta relação simbólica e física existe, se permanece no inconsciente imaginário ou praticamente é nula, em uma cidade-capital-porto, onde a exemplo de outras cidades de mesmas características, se encontra hoje, voltada de costas para o mar. Por este motivo, ou motivos, o arquiteto Willy Muller em uma tour pela Ilha nos propôs buscar as potencialidades inerentes entre a relação da cidade com esta água abundante, o que poderia ser proposto, caso fosse, para que esta relação realmente se concretizasse, como um meio de se pensar a cidade de Vitória em um futuro possível, tomando sua expansão territorial e suas necessidades estruturais como primazia.
Vitória, por conta de suas necessidades de expansão territorial, foi sendo acrescida em área através de sucessivos aterros sobre o mar durante o séc. XX (3). Agora, em pleno séc. XXI, inserida neste vasto contexto globalizado, a cidade vislumbra possibilidades de novas expansões. Se nas décadas de sessenta e setenta, Vitória sofreu um grande crescimento urbano pela vinda de grandes indústrias para o território capixaba (Vale do Rio Doce, Aracruz Celulose, Samarco e outras), neste começo de século, o descobrimento de petróleo nas costas capixabas impulsiona a cidade a um novo crescimento, já muito visível, por exemplo, no setor da construção civil da Capital. Deste modo, já se faz urgente uma rediscussão em torno dos impactos urbanos que grandes investimentos têm sobre a cidade.
O processo da conquista de novas áreas sobre o mar ganha escalas assustadoras neste começo do séc. XXI nos países asiáticos (4). Japão, China e Coréia do Sul, com suas enormes massas populacionais e exíguos espaços urbanos vem sucessivamente ocupando enormes áreas do mar para aumentar sua área territorial, com investimentos pesados em infra-estrutura de transporte (trens bala, megapontes, megatúneis), de saneamento, moradias, negócios e espaços públicos. A cidade de Dubai nos Emirados Árabes, no Oriente Médio, é um dos exemplos de uma cidade que praticamente se resumia a um deserto de areia há trinta anos atrás. Hoje, com a força dos petrodólares dos seus Xeiques é uma cidade que sobrepujou as diversidades do deserto e conquistou sua costa, com novos aterros para a implantação de hotéis e condomínios residenciais. Ademais das conseqüências ambientais que estes operações urbanas possam trazer não se pode negar seu potencial de transformação, principalmente quanto a sua rapidez na construção de novos espaços urbanos, ou mesmo de novas cidades. São escalas não tão comuns aos arquitetos e ainda de difícil apreensão. Estas novas ocupações que extrapolam os limites físicos da cidade são os símbolos de um período de fartura de capital e da visão dos governantes como empreendedores urbanos. Em muitos casos fica clara a mistura entre governantes e empresariado, onde o fim é a cidade como palco de geração de novas riquezas (nem sempre democraticamente distribuídas).
Vitória ainda não compactua desta megaescala urbana, mas seus limites geográficos e sua situação econômico-política no território a impele a pensar em um futuro onde seus limites físicos sejam extrapolados como meio de crescimento de seu tecido urbano, ou mesmo, como meio de transformações urbanas sobre o seu tradicional tecido. A partir deste mote, partimos para um ensaio projetual sobre a região da Orla de Camburi da cidade de Vitória, área previamente escolhida por nossa equipe. Além da Orla, outras duas áreas de “água” faziam parte das propostas de intervenção do Arq. Willy Muller: uma seria o canal de Vitória, onde se localiza o seu porto com toda sua área de manobras e por último, a região do manguezal a noroeste da cidade, área de belezas cênicas e naturais, que foram trabalhadas pelas outras equipes.
Nossa atenção se voltou para a área da Orla de Camburi que acabou por passar pelo processo de um novo estudo de urbanização por parte da Prefeitura Municipal de Vitória, sendo amplamente discutida com a população usuária. Desta forma, a proposta de nossa equipe vê a região com uma real potencialidade de expansão da cidade, principalmente se levando em consideração o entorno que forma esta região continental de Vitória. A região norte é hoje um dos maiores canteiros de obras do Espírito Santo, com uma grande expansão imobiliária puxada pelas últimas descobertas petrolíferas nas costas capixabas e toda a sorte de investimentos que estas descobertas estão trazendo. Sua grande extensão de praias, mesmo que não totalmente aptas ao banho, são o divertimento mais democrático da cidade. Encravados como verdadeiros enclaves urbanos encontram-se o Aeroporto de Vitória localizado no centro da região, em uma extensa área de 5,2 milhões de metros quadrados (5), e a leste a planta de pelotização do minério de ferro da Companhia Vale do Rio Doce com seu complexo portuário. Inicialmente, buscamos apreender a área e tentar entender suas potencialidades. Como a área turística de Vitória, a Orla de Camburi é deficiente em estruturas de restaurantes e afins, estruturas estas, que foram sendo reduzidas à medida que a expansão imobiliária foi avançando sobre os lotes altamente valorizados. Na nova urbanização a ser efetuada pela municipalidade, foram alocados dois restaurantes a beira-mar, numa tentativa de se recuperar esta característica que tanto marcava este lugar. Os restaurantes se completam com uma série de módulos/quiosques de apoio “gastronômico”. Tentando inverter esta lógica, propomos ao invés da implantação destes restaurantes na faixa da areia, voltar sua implantação do outro lado da avenida (av. Dante Michelini), em uma nova área ampliada de calçadões a frente dos prédios da orla. Esta nova faixa, como um grande passeio poderia dispor destes serviços, ou mesmo incentivar a volta deste tipo serviço a esta parte de Vitória. Desta forma, garantiríamos a faixa da praia, também ampliada, a localização de quiosques e toda a prática de esportes já tão comuns nesta área, bem como a perpetuação dos eventos culturais e artísticos que comumente acontecem nesta área. No final da Orla, em direção do bairro de Jardim Camburi, está se propondo a construção de um parque náutico pela existência de águas calmas no local, acompanhado de uma área de preservação na área que já possui uma fonte de água natural. Esta parte da praia é pouco utilizada e os banhistas não se aventuram por lá por se caracterizar como um lugar ermo, de pouca segurança, mesmo possuindo umas das maiores faixas de areia de toda a extensão da orla. O alargamento do Canal de Camburi (que divide a ilha de sua parte continental) também foi aventado, de forma a melhorar o trânsito marítimo na área, já que hoje está limitado pelo assoreamento do mesmo, possibilitando ainda fazer uma ligação pela água com os municípios vizinhos, sem necessariamente ter que circundar a ilha.
A proposta mais radical, no nosso entendimento, fica por conta da transferência do atual aeroporto para uma nova área a ser construída através de aterros a frente da Orla de Camburi, conectada a esta através de um acesso à Av. Dante Michelini (podendo ser por uma ponte ou não), e, conectada à Companhia Vale do Rio Doce através de uma linha férrea, como meio possível de escoamento de cargas para a Companhia. Desta forma, estaríamos retirando todos os inconvenientes das decolagens e pousos dos aviões de uma área densamente povoada, com são os bairros vizinhos ao aeroporto. Para a área onde se situa hoje aeroporto, estamos propondo então, a criação de um novo bairro, podendo ser este voltado exclusivamente a negócios, como complemento ao novo aeroporto e a uma ênfase no turismo do local, ou ainda de uso misto, onde misturaríamos residências, comércio e serviços nestes 5,2 milhões de metros quadrados de área, mantendo-se uma área de preservação já existente a frente deste novo bairro como um respiro conectado com a nova faixa de calçadão.
O que percebemos ao longo desta semana e dos exercícios projetuais que desenvolvemos é que com todas as potencialidades desta área, poderíamos surgir com milhares de idéias que as mesmas caberiam neste lugar acompanhadas de vários discursos possíveis. A escolha desta proposta em particular, se deve a própria discussão muito atual (e não muito estranha a cidade de Vitória) da conquista de novas áreas urbanas através dos aterros sobre o mar que vêm acontecendo em grandes cidades mundiais. Logicamente, ainda não chegamos a esta escala de necessidades que, por exemplo, vivem as grandes cidades asiáticas neste momento, mas como exercício, podemos projetar uma Vitória para o futuro e vislumbrar que mesmo sendo uma ilha com limites geográficos, esta consegue respirar para além de suas fronteiras terrestres.
Mantendo-se no âmbito do ensaio projetual, esta proposta não se aprofundou em maiores questões teóricas e técnicas, não havendo neste momento e por conta mesmo do seu aspecto de ensaio, considerações quanto os impactos futuros (econômicos, sociais, urbanos e ambientais) que um empreendimento deste porte possa causar na cidade de Vitória. Fica então registrada a análise a partir de uma idealização do lugar; uma análise das potencialidades enxergadas a partir de uma alternativa urbana para este lugar em questão. Os impactos seriam então, um próximo passo a ser analisado, quem sabe, em um futuro seminário internacional.
notas1
O arquiteto Willy Muller é um dos colaboradores desta pesquisa em conjunto com o Grupo Conexão.Vix. Ver em especial sua entrevista cedida ao site do Vitruvius <www.vitruvius.com.br/entrevista/muller/muller.asp>.
2
A equipe foi composta pelos arquitetos Fabiano Dias, Aline Mello, pelo Engenheiro Frederico Moncovo e pela estudante de arquitetura da U.F.E.S. Agnes Thompson.
3
Sobre os aterros de Vitória, ver de forma mais completa o website da Universidade Federal do Espírito Santo <www.car.ufes.br/aterros_vitoria>.
4
Ver em especial: DIAS, Fabiano. "O desafio do espaço público nas cidades do século XXI". Arquitextos, Texto Especial nº 312. São Paulo, Portal Vitruvius, jun. 2005 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp312.asp>.
5
Fonte: Site da INFRAERO.
sobre o autor
Fabiano Vieira Dias é arquiteto urbanista, formado pela UFES em 1997, atuante em projetos arquitetônicos e urbanísticos em geral e autor de artigos publicados em revistas, jornais e websites.