As discussões acerca do que se tornou a cidade e de como o fenômeno Arte invadiu os espaços urbanos são volumosas. No entanto, o que chamou atenção foi uma frase que ouvi repetidas vezes, em diferentes contextos, de alguns arquitetos: devemos nos preocupar com a foto, “as pessoas gostam de fotos”.
Viajando por aí... confesso que fico um tanto encabulada em colocar máquina fotográfica em punho e tirar fotos de todos os lugares. Parece-me que a foto, que deixa para posteridade o fato de você ter estado ali, se torna mais importante do que o fato presente de você estar ali. Talvez eu não goste de parecer turista, talvez.
Nada contra as fotografias, nem contra turistas, nem contra blogs, photologs e companhia... Mas contra a onda fotográfica marketista/imediatista na produção do projeto arquitetônico/urbanístico. A captura da imagem, seu registro e divulgação se tornam de maior validade do que a experiência vivida naquele momento. E do que adiantam experiências vividas sem que todo mundo o saiba? Publicar se torna a intenção final.
Até aceito que a virtualidade da fotografia seja mais importante do que o momento real aproveitado, isso é de certa forma, um problema restrito apenas àquele que o fizer – talvez o seja mesmo... O problema precisa ser discutido quando o arquiteto decide se preocupar com esse “tornar imagem” da realidade na hora de projetar. Projetar o ângulo que melhor caiba numa fotografia é simplesmente esquecer da realidade que cerca essa fotografia. O enquadramento fotográfico não impede que o problema que circunda a fotografia deixe de existir, que o entorno simplesmente se cale ou empalideça no momento fotográfico.
É interessante que enquanto muitos artistas plásticos expandem e estrapolam o espaço e tempo dos museus na criação de suas obras, os arquitetos se preocupem em museisificar o espaço urbano, se fechando no enquadramento da fotografia.
A cidade espetáculo – peço licença ao Guy Debord (1) –, o fenômeno de blogzação – licença à língua portuguesa – da realidade e da cidade é um fenômeno que contamina o processo de criação em todos os seus meios. Mídia imediata, real projetado com origem e intenção em sua possível representação virtual. A arquitetura, a cidade são assim projetadas na busca de signos e imagens reproduzidas como elementos que direcionam os olhos e pedem por um flash.
O perigo é a velocidade que suprime o tempo da reflexão, o tempo do blog é o tempo do imediato, da comunicação, imagem imediata produzida pela foto digital. Fotografar, levar ao computador e publicar. O tempo da reflexão não é o meio tempo do cafezinho, não deve ser.
Movimento autônomo do não vivo, como coloca Guy Debord, tautologia da arquitetura? Não, não se trata de arquitetar por arquitetar. Tautologia da mídia? Tautologia do blog ou blogcidade – na discussão que decorremos.
Iluminação do urbano, iluminação como coloca Jean Baudrillard quando diz que o mundo passa a ser o próprio reflexo, a própria sombra, a imagem total de si. E ele mesmo diz que criar uma imagem consiste em ir retirando do objeto todas as suas dimensões, uma a uma: o peso, o relevo, o perfume, a profundidade, o tempo, a continuidade e, é claro, o sentido. Baudrillard é antropólogo e fotógrafo.
Para Baudrillard a cópia passou a ser o original. Como uma arquitetura de blog, feita para mídia, para um clique fotográfico. O Real desapareceu. É como se o mundo contado no blog fosse um mundo paralelo que acontece para estar contado ali mesmo.
É assim que algumas cidades foram construídas, o marco é o Guggeheim de Bilbao, Bilbao era uma cidade, hoje é um museu, poucos se lembram disso. Berlim é outro exemplo, depois da sua história carregada, projetou uma cidade para foto, tem seus méritos, mas se perde no Potsdamer Platz... fotografia que se reflete nos seus espelhos...
Em Vitória-ES, na Enseada do Suá, os espelhos refletem nada mais que o vazio. Multiplicam o vazio de significados daquele lugar que alguém já chamou de não-lugar, até o Shopping Vitória, pra combinar com o resto, sofreu uma recauchutagem e começou a refletir. Espelharam a fachada, à sua frente a Assembléia legistativa, entre eles um completo vazio de significado que se multiplica pelos espelhos reflexivos. Reclamaram dos ambulantes que ficam ali na frente que com os espelhos se tornararm muitos mais.
No Centro da Cidade de Vitória, poucos são os vazios, sua revitalização me parece passar por melhores caminhos, se comparado à Enseada. O Teatro Glória, esse espero que matenha sua opacidade. O Tancredão, no vazio da história, está em processo de concurso (2). Espero não seja pra foto. Não o deve ser. A população, a Rodoviária a Ponte Seca, o galpão da Vila Rubim que o cerca, são opacos demais, guardam uma imagem de derrota, mas não aquela derrota brilhante das dos Edifícios da Enseada do Suá. Essa imagem de derrota deve ser guardada para posteridade, como devia ter sido a do Postdamer Platz, sem ignorar o que estava ao seu redor, memória espacial e histórica.
Aquele que não tem sombra é apenas a sombra de si mesmo (3), diz Braudrillard. Não se trata de uma apologia à identidade pela identidade, isso é apenas discurso.
A história nazista de Berlim nunca poderia ter sido reforçada, o futuro prometeu melhores dias para os alemães. Bilbao precisava de uma reconstrução, existia ali qualquer necessidade de preservação?
O que incomoda é a construção de uma falsa sociabilidade, de uma falsa arquitetura de blog. Projetar fotos nunca foi qualificação de arquitetos e parece que a preocupação com flashes, com o olhar imediato, com a publicação, enche os olhos vaidosos, vende, toma conta de profissionais que esquecem que o intervalo da reflexão vai mais além que o clique “publicar” do blog.
notas1
Sociedade do Espetáculo é um termo criado por Guy Debord, membro da Internacional Situacionista.
2
Esse artigo foi escrito quando o Concurso para o Parque Tancredo Neves ainda estava em processo <www.iab-es.org.br/concursotancredao>.
3
BAUDRILLARD, Jean. A transparência do mal, ensaio sobre fenômenos extremos. São Paulo, Papirus, 1996.
sobre o autor Ellen Assad é arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo.