Aracaju completou mais um ano oficial de vida em 17 de março. Uma cidade de contrastes desde a sua fundação, onde temos: de um lado prédios altos e verticalidade, do outro a horizontalidade; de um lado barracos, do outro a estrutura sólida; de um lado avenidas cruzam e ligam ao restante da cidade, do outro as ruas são esburacadas e de barro, quem dirá ter avenidas ligando à cidade...
Num resgate histórico, é possível observar que a paisagem urbana da cidade já se configurava com muitos contrastes desde a sua fundação, em 1855. A passagem de tantos anos apenas reforçou os contrastes e distanciou mais a realidade de quem vive na cidade e de quem vive na periferia.
Foi Inácio Joaquim Barbosa quem escolheu o então Povoado de Santo Antônio do Aracaju para ser a nova sede da Província de Sergipe del´Rey, vindo a substituir São Cristóvão. A transferência da capital produzia condições mais favoráveis para o funcionamento de um bom porto e assim tornar fácil o escoamento dos produtos. As águas do Rio Sergipe, mais profundas e de longo estuário, tornavam a navegação mais fácil e segura, pois a região do Cotinguiba, amplo recôncavo produtor de cana-de-açúcar, necessitava de um bom porto.
A capital foi transferida em 1855. Os motivos que levaram à escolha de Aracaju como nova sede foram encabeçados por diversos fatores, mas o preponderante foi sua situação geográfica, próxima à foz do rio Vaza-Barris, enquanto São Cristóvão possuía difícil acesso até para as embarcações de pequeno porte.
Para a fundação da nova cidade, Inácio Barbosa encarregou o Eng. Sebastião José Basílio Pirro de planejá-la de forma a representar o “espírito progressista da época”. O “Plano de Pirro”, como ficou conhecido o projeto urbanístico de Aracaju, resumia-se a um traçado em xadrez, extremamente geometrizado, o que facilitaria a demarcação das ruas, atitude justificada pela pressa em se tornar Aracaju uma realidade, pois existia ainda o perigo de a mudança de capital não ser aprovada pela Corte.
Mesmo existindo o quadrado de Pirro (32 quadras de 110mx110m cada uma), ocorreu outra expansão paralela, originada pela falta de recursos da população pobre para atender às exigências do Código de Posturas Municipal, o qual determinava: o alinhamento dado pelos Fiscais da Câmara estabelecia o pé-direito mínimo, dimensões para esquadrias, mandava caiar as frentes das casas duas vezes por ano e vedava a cobertura de palha. Fazia-se apenas questão das fachadas. Logo, a população pobre começou a construir casebres no lado norte da cidade.
A partir de 1862, com a criação da Praça da Matriz e o lançamento da pedra fundamental da Igreja Nossa Senhora da Conceição (atual Catedral Metropolitana de Aracaju), a cidade começou a crescer rumo ao oeste. Logo o entorno da igreja foi demarcado por construções de edifícios públicos e residenciais.
Nascendo a cidade não de forma espontânea, mas de uma vontade política, competia ao Governo Provincial criar condições para sua existência. Por isso, durante os primeiros vinte anos o poder público teve uma atuação decisiva no desenvolvimento da cidade. Preocupava-se com a abertura de ruas, problemas de aterros, incentivava e financiava construções de casas sem exigir dos proprietários, no primeiro ano de fundação da cidade, o cumprimento das leis do código de posturas.
Após 1870, o crescimento da cidade é quase paralisado porque ficou à mercê da iniciativa privada. E é fora do Plano de Pirro que a cidade continua a crescer intensamente, abrigando os negros recém-libertos e outros grupos de baixa renda. Aglomerações caracterizadas como verdadeiras “cidades livres”, onde a população não era absorvida pelo mercado de trabalho da cidade, fulminando nos primeiros problemas urbanos. Enquanto isso, no centro comercial da cidade está localizada a nova burguesia. Tal confronto evidencia que nessa época já se constituía uma estrutura espacial estratificada em termos de classe social e segregação urbana.
A partir de 1910, com a Lei nº 168 de 2 de julho de 1914 para embelezamento das praças, começou a se investir mais em arborização, calçamento, etc. Então surge o jardim Olympio Campos. Dá-se o primeiro embelezamento de espaço público, com uso de vegetação na composição urbana da cidade. Porém o mais marcante é a instalação de um coreto de ferro, o primeiro existente num espaço público da cidade, representando a projeção da cidade européia da segunda metade do século XIX. E, a exemplo da maior parte das capitais brasileiras, Aracaju importou o coreto europeu.
Para acompanhar as tendências urbanísticas da época, o jardim é contornado por um gradil de ferro, com acesso controlado por um jardineiro que ficava com as chaves dos portões. Ao público era determinado um horário de acesso e, através do regulamento nº 12 de 10 de outubro de 1911, ficou determinado que o ingresso somente fosse permitido para aquele decentemente vestido. O contraponto do Jardim é a Praça da Matriz, que tem toda a área livre e aberta às manifestações populares. A praça é palco dos folguedos populares nas tradicionais festas de Natal que acontecem ali desde épocas remotas, possivelmente quando implantam o carrossel em 1900. O local começa a ser ocupado por uma classe mais abastada da sociedade e bancos privados também se instalam ali.
Orgulhava-se o Governo por ter obtido a beleza tão almejada para os espaços públicos e ainda ter conseguido servir a cidade de estrutura urbana, registrando ainda a passagem do famoso Eng. Saturnino de Brito: “todas as ruas são corretamente calçadas a paralelepípedos e fartamente iluminadas, sendo algumas já arborizadas. Possui lindas avenidas e atraentes jardins e parques, onde dizem os visitantes ser a arborização mais bem cuidada do Brasil! Existem para quase todos os bairros bondes elétricos, lotações e ônibus. As construções obedecem as mais belas e harmoniosas linhas da engenharia contemporânea. É regular sua rede de telefones, possuindo água encanada limpa e esgotos que foram reconstruídos pelo Eng. Saturnino de Brito” (Cadastro de Sergipe, nº 4, ano 1953).
No entanto, as melhorias obtidas pela gestão municipal e estadual não chegavam às zonas mais periféricas da cidade. Lá faltava todo tipo de infra-estrutura básica. Isso se devia ao fato de que ao redor da área ocupada pelo Plano de Pirro havia vários sítios e chácaras dos burgueses que residiam na cidade e, apenas após esse vazio urbano, estava a periferia, o que dificultava e encarecia a chegada de serviços como iluminação e saneamento.
Como maior centro urbano do Estado, Aracaju será portadora dos grandes males encontrados nas cidades industrializadas do século XIX, em conseqüência do rápido crescimento populacional imprimido pela Revolução Industrial. Determinados tipos de problemas urbanos, como ruas estreitas para circulação e falta de espaço para lazer, não aconteceram dentro do Plano de Pirro, mas sim fora de seu limite.
Na década de 1970, inicia-se o processo de metropolização de Aracaju impulsionado por políticas públicas. O período foi marcado pela presença de migrantes motivados pelo início da exploração de recursos minerais sergipanos, pela transferência da sede da Região Nordeste de Maceió para Aracaju, pela criação da Universidade Federal de Sergipe, pela implantação do Distrito Industrial de Aracaju e pela política habitacional desenvolvida pela COHAB – Companhia de Habitação Popular em Sergipe.
Foi a COHAB-SE que em trinta anos financiou mais de 15.000 unidades habitacionais para as classes menos favorecidas. Na década de 1980 foram construídas 62,65% dessas unidades, fase em que se construíam conjuntos com mais de 1.000 unidades. Já o INOCOOP – Instituto Nacional de Cooperativas Habitacionais construiu cerca de 6.000 unidades habitacionais destinadas à população de classe média.
Como a COHAB construiu seus conjuntos habitacionais distantes da malha urbana consolidada, tal procedimento exigia uma ampliação dos serviços de infra-estrutura, valorizando ainda mais os espaços vazios localizados entre a malha e as novas áreas ocupadas. Com o solo valorizado, a especulação imobiliária se fortalece e, na década de 1970, surgem várias empresas imobiliárias e construtoras.
Por conta de sua própria política habitacional, valorizou-se o solo urbano e atiçou-se o interesse dos grandes empreendedores da construção civil e do mercado imobiliário, que logo adquiriram os terrenos remanescentes. E, assim, a cidade começa a ser empurrada para áreas mais distantes, em terrenos nos municípios limítrofes, onde ficou estabelecido pela COHAB que a administração municipal seria a responsável pela manutenção dos mesmos, porém ocorria que somente após os planejamentos o Prefeito era convidado a assinar um termo de compromisso para a sua manutenção.
Em 1980 o processo de metropolização avança seus limites, invadindo os municípios limítrofes. Na década de 1980, Nossa Senhora do Socorro apresentou um crescimento em torno de 35%, São Cristóvão de 95% e Barra dos Coqueiros cresceu 60%. Semelhante ao processo de ocupação de outras capitais brasileiras, o aglomerado de Aracaju passou a possuir mais da metade da população urbana do Estado, com mais de 50% do total em 1991.
A partir da metade da década de 1970, Aracaju inicia um processo de verticalização que irá definir uma nova paisagem urbana. Esse processo começa na parte central da cidade, direcionando-se para o sul e ocupando as áreas dos antigos casarões. O processo de verticalização foi desenvolvido inicialmente através de empresas imobiliárias.
Essa verticalização que tende a se acentuar de forma concentrada em áreas da cidade vem causando problemas, uma vez que há descompasso entre o adensamento e o serviço de infra-estrutura disponível. Outro efeito é o comércio que começa a se desenvolver junto a esses aglomerados humanos, que dinamiza essas áreas e diminui suas relações de dependência com o centro comercial da cidade. Eis o “Jardins”, bairro mais recente e mais “nobre” da cidade, como exemplo.
sobre o autor
Maíra Campos é Arquiteta e Urbanista, pós-graduanda em Reabilitação Ambiental Arquitetônica e Urbanística pela Universidade de Brasília – UNB e em Artes Visuais pela Universidade Federal de Sergipe – UFS.