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my city ISSN 1982-9922

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CODDOU, Flávio. Os Jogos Olímpicos de Pequim. Os Projetos estrangeiros na China. Minha Cidade, São Paulo, ano 08, n. 091.03, Vitruvius, fev. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.091/1902>.


Aeroporto de Pequim. Norman Foster


Vias elevadas - Xangai

Vias elevadas - Xangai

Torre CCTV. OMA/ Rem Koolhaas

Torre CCTV. OMA/ Rem Koolhaas

Torre CCTV. OMA/ Rem Koolhaas

Ópera de Pequim. Paul Andreu

Ópera de Pequim. Paul Andreu

Ópera de Pequim. Paul Andreu

Ópera de Pequim. Paul Andreu

Ópera de Pequim. Paul Andreu

Ópera de Guangzhou - Cantao. Zaha Hadid

Ópera de Guangzhou - Cantao. Zaha Hadid

Lilong - Xangai

Estádio Nacional de Pequim. Herzog & De Meuron

Centro Nacional de Natação e Estádio Nacional de Pequim

Centro Nacional de Natação. PTW Architects

Centro Nacional de Natação. PTW Architects

Centro Nacional de Natação. PTW Architects

Bolsa de Valores de Shenzen. OMA/ Rem Koolhaas

Bolsa de Valores de Shenzen. OMA/ Rem Koolhaas

Aeroporto de Pequim. Norman Foster

Aeroporto de Pequim. Norman Foster

 

A China está a poucos meses de realizar o evento-chave da abertura ao mundo dos seus referenciais de arquitetônica contemporânea. Trata-se dos Jogos Olímpicos de 2008, a serem realizados na sua capital Pequim/Beijing (1). Através de quatro projetos-chave, todos realizados por arquitetos internacionais, a cidade passou por uma transformação inédita ao repensar as suas infra-estruturas e forma.

Os Jogos são uma oportunidade de demonstrar ao mundo a mudança radical que acontece na China, e provar que a vontade de passar de mera fábrica do mundo para centro de produção de inovações em todos os campos do conhecimento está sendo levada de forma consistente pelo governo central. Essa mudança, vista com ceticismo pelo mundo ocidental, é latente na vida cotidiana da China.

Ao saber da nominação de Pequim como sede dos Jogos, o governo realizou concursos convidando arquitetos internacionais para a seleção dos projetos dos edifícios que, além de acolher os Jogos, serviriam para pensar e reconstruir a infra-estrutura da cidade, e colocá-la no mapa mundi da arquitetura contemporânea. Sem ter tido tempo de formar uma geração de arquitetos ousados (os maiores escritórios na China ainda são os públicos, dos governos central ou local, e até os anos 90 careciam de conhecimento de novos materiais e desenvolvimento da engenharia), a busca por arquitetos internacionais era necessária para cumprir as metas do governo neste evento em particular.

Assim, através de concursos realizados em 2001/02 o governo contratou o escritório suíço Herzog & de Meuron para realizar o principal edifício dos Jogos, o Estádio (também chamado de “Ninho de pássaro” pela forma de sua estrutura externa); o escritório australiano PTW para o projeto do Centro Nacional de Natação, principal contraponto ao Estádio dentro do novo bairro olímpico na cidade (os chineses explicam os dois edifícios a partir da famosa dicotomia ying/ yang), o escritório de Paul Andreu (associado aos Aeroportos de Paris) para construir a Ópera de Pequim, o primeiro dos edifícios a ficar pronto – inaugurado em dezembro de 2007 – e finalmente o escritório holandês OMA para a construção de um ambicioso projeto que engloba o edifício dos estúdios do canal público da televisão chinesa, CCTV e uma outra torre menor, no mesmo entorno, para uso administrativo, de serviços e educação. A lista deve necessariamente ser completada pelo projeto do novo aeroporto de Pequim, de Foster & Associates, cujas dimensões megalomaníacas demonstram a ambição do governo.

Reformulação da cidade

A cidade passou então por uma reformulação de toda a sua infra-estrutura. Tendo em vista que um dos maiores problemas de Pequim e Xangai é o transporte coletivo, a capital investiu pesado na construção de três novas linhas de metrô (acrescidas às quatro existentes) que estão sendo construídas desde 2002. Cada linha tem o custo aproximado de 1.6 bilhão de dólares, e a cidade, que tinha 144 quilômetros de metrô com transporte diário de 1.15 milhões de passageiros passará a ter 200 quilômetros. A construção das novas linhas caminha lado a lado dos subsídios do governo local (130 milhões de dólares anuais) para reduzir o preço da tarifa (o metrô de Pequim tem a tarifa considerada a mais baixa do mundo, US$ 0.27).

O governo não teve pudor algum em remover edifícios históricos ou zonas residenciais consolidadas da capital, como acontece de forma generalizada em varias cidades do país, para abrir novas avenidas, realizar as obras do metrô e mudar o aspecto da cidade. A destruição dos bairros residenciais tradicionais densos e conhecidos como hutong em Pequim e lilong em Xangai são fonte de uma das maiores dores de cabeça do governo central. Pela primeira vez na história os cidadãos se queixam de forma incisiva ao serem despejados de suas casas. Previamente, os desalojamentos eram realizados de forma mais esporádica, com compensação financeira e uma nova moradia, mas o ritmo frenético dos últimos anos criou o atrito e não são raros os casos de pessoas que acabam presas por se manifestarem contra o governo durante ou depois de seu desalojamento forçado. 

A China constrói como nunca se construiu anteriormente no planeta, e como já sabemos, em muitos campos do conhecimento quantidade é o antônimo de qualidade, e na arquitetura essa máxima acaba transformando a periferia da cidade num necrotério de projetos novos em folha. É freqüente ler nas criticas internacionais que os erros do passado no mundo ocidental como os grands ensembles franceses e os fracassos das periferias isoladas americanas parecem nunca ter sido estudados na China. Talvez seja melhor dizer que parece não haver espaço nem tempo para fazer essa crítica.

O desastre da periferia é iminente e inevitável. Explico: a febre da construção tem levado a um processo que arrasa áreas inteiras na periferia da cidade, e seguindo um projeto que segue a simples lógica numérica, empilha o maior número possível de apartamentos em torres absolutamente idênticas repetidas infinitamente, rodeados por jardins pífios e afastados de todo e qualquer equipamento cultural ou de serviços. Isso somado ao processo de gentrificação que é gerada pelo interesse da classe média cada vez mais numerosa em morar no centro expandido da cidade, com acesso a serviços, transporte e instituições, acaba transformando as áreas periféricas em cemitérios da vida urbana.

Tomemos o caso das vias elevadas, tão criticadas num espaço de tempo de 20 ou 30 anos entre a sua construção e falência nas cidades ocidentais. São Paulo se embate contra o seu “tumor” criado nos anos 70, o Minhocão. No caminho oposto, Xangai, alheia a este embate e tentando evitar o colapso de seu sistema viário, acabou deslocando milhares de famílias e a um custo astronômico e construiu uma malha de vias elevadas sobre a cidade com um total de seis “minhocões”, que inclusive chegam a formar dois anéis ao redor da cidade (o anel interno tem 48 km e foi terminado em 1994). O encontro das vias cria sistemas tão complexos de fluxos que algumas das vias se sobrepõem a 40 metros do chão. Vale lembrar que ao contrário de São Paulo, os espaços urbanos sob os elevados em Xangai são usados como jardins (a grande altura do elevado permite a entrada de luz natural), espaços para equipamentos (polícia, estacionamento de motos), e conexões aéreas de pedestres muito ativas; porém a degradação dos edifícios lindeiros, apesar de estarem um pouco mais afastados do que na cidade brasileira, é inevitável.

Pão, circo e arranha-céus

O impacto doméstico dos Jogos Olímpicos não tem precedentes. O governo parece querer perdurar o quanto for possível o sentimento positivo de crescimento econômico no país. E isso se repete na rápida urbanização inédita. Durante o governo de Mao Zedong considerava-se que a urbanização colapsaria o país e por isso a migração interna era proibida, especialmente no que dizia a respeito às cidades já super populosas. Hoje em dia ainda não há liberdade total de deslocamento dos chineses pela China - o controle exercido obriga as pessoas a migrarem no máximo dentro das mesmas províncias, porém a falta de perspectivas no campo e a idéia da facilidade de encontrar por onde morder a borda do grande bolo financeiro das cidades como Xangai, Pequim ou Cantão aumenta exponencialmente as populações urbanas. Mesmo que isso signifique aos transgressores a perda de documentos oficiais e registros. Órgãos do governo prevêem que nos próximos 15 anos a população urbana chinesa cresça em aproximadamente 300 milhões de pessoas. O número é assustador e demonstra que na China o atual ritmo desesperado de construção entra num ritmo “causa-efeito” que parece não ter data para acabar. Não é à toa que muitos dos novos bilionários chineses (que logo serão o número dois do mundo, logo atrás dos Estados Unidos) tenham suas atividades baseadas na construção imobiliária.

Não se pode negar o desafio que a China tem pela frente, e isso se revela, por exemplo, na constatação de que a metamorfose de uma cidade como Shenzhen, passando de um vilarejo a uma metrópole de 13 milhões de habitantes num período de 25 anos, foi realizada a partir da decisão de transformá-la em “Zona Econômica Especial” na passagem das transformações político-econômicas do país. Não podemos negar que na China atual a experimentação tenha atingido níveis que talvez os paises de crescimento consolidado nunca tiveram, e isso tem a ver com o momento político-econômico, aliado a uma densidade demográfica e urbanização recordes.

Mas como os chineses enxergam esse progresso refletido na arquitetura e na cidade? Para a população comum chinesa, a arquitetura e a urbe densa e vertical são vistas como ícones positivos da nova China, e no seu imaginário acabam funcionando como espelho da ambição e do “salve-se quem puder” que rege a vida dos chineses a partir do momento em que Den Xiaoping no final dos anos 80 declarou que “ser rico é glorioso”. A partir daquele momento, uma estranha mistura de egoísmo e individualismo que rege as famílias chinesas contemporâneas (reforçada pela política do filho único – o “salvador” da família não deve poupar esforços para superar os seus colegas) convive lado a lado com o sentimento de “coletividade” do orgulho nacional (muitas vezes xenófoba) do país que é o único império a manter intactas suas fronteiras por quase 2000 anos. A faca de dois gumes do desenvolvimento que cria os bilionários e os miseráveis urbanos parece ser admirada pela população, pela mudança drástica na qualidade de vida que tem trazido às cidades e possibilitar a cada cidadão sonhar com a única coisa que parece reger a vida chinesa contemporânea: o dinheiro.

Essa febre do êxito chinês é vista pelo Ocidente com um medo nervoso e impotência – todos sabemos que é inevitável a pujança desta super potência. Se entendida do ponto de vista do dia-a-dia chinês, a combinação desses dois fatores (individualismo e consciente coletivo) não tem nada de nocivo, se levarmos em conta a energia e otimismo com os quais os chineses da nova geração trabalham para tirar todo o seu entorno social da miséria (para se ter idéia, no meu entorno social os meus colegas quase sempre são a primeira pessoa da família a passar por uma universidade).

E aqui entra o resultado do investimento em educação do governo. A nova geração de chineses é tão competente e competitiva quanto a ocidental ou japonesa. Voltemos à arquitetura, que é o campo no qual eu tenho contato diário no escritório onde trabalho: os meus colegas quase todos dominam o Inglês sem nunca terem saído do país, conhecem todos os programas de computador relacionados com a área e têm uma força de vontade admirável quando se trata de trabalhar com afinco, recebendo um salário três ou quatro vezes menor do que na Europa.

E depois dos Jogos?

Depois da enxurrada de projetos estrangeiros icônicos dentro da política de abertura do mercado arquitetônico chinês para o mundo, parece que a curva começa a suavizar, dando mais espaço para os novos escritórios locais que surgiram desse boom. Também responsável pelo novo sopro de criatividade no país está a geração que fez seus mestrados e doutorados nas boas escolas do mundo ocidental. Em todas as cidades chinesas aparecem obras dos novos arquitetos e em muitas revistas internacionais começam a ser publicadas as obras de nomes como MAD (http://www.i-mad.com/), Madaspam (http://www.madaspam.com/), Approach Architecture (http://www.aarchstudio.com/index.php), Feichang arquitetos (http://www.fcjz.com/) e Standard Architecture (http://www.standardarchitecture.cn/).

A Expo Shanghai 2010 será uma oportunidade de aprender com os acertos e erros dos Jogos Olímpicos. A cidade tem mais tempo para organizar e reforçar ainda mais a infra-estrutura na maior cidade do país, além de fazer com que o tema principal da Expo, “Cidades melhores, Vida melhor” seja usado para repensar o problema meio-ambiental (2) criado pelo crescimento. Cientes da irreversibilidade do processo de degradação ambiental, os chineses têm pouco tempo para reagir antes que a produção de lixo, material tóxico, a poluição de 80% de suas águas tenham conseqüências irreversíveis.

Assim como os Jogos Olímpicos, a febre da Expo já começou e Xangai, a maior cidade do país, com 17 milhões de habitantes, constrói cinco novas linhas de metrô simultaneamente e revela pouco a pouco os projetos dos pavilhões internacionais que ocuparão a margem sul do rio Huang Pu que divide a cidade em dois.

Se a onipresença de equipamentos eletrônicos, roupas e manufaturas provenientes da China na nossa vida cotidiana já não é novidade, o mesmo tende a acontecer nas publicações sobre arquitetura, porém este processo apenar acaba de começar.

Sendo otimista, creio que pelo que é possível constatar nas conversas com os jovens arquitetos chineses, é que aqui há margem para autocrítica, e que todos os erros fatais construídos nos últimos quinze anos já entraram no ciclo de revisão entre produção, construção e adaptação. Enquanto na Europa esse ciclo pode durar duas ou mais décadas, na China esse processo pode ser reduzido a sete ou oito anos. A qualidade dos edifícios públicos acabou sendo pautada pelos Jogos de Pequim, e estes seguirão a tendência da arquitetura de impacto, que se tranqüilizará no momento em que não houver mais formas, bolhas, ninhos ou formas geométricas novas a serem inventadas. Esperemos ao menos que os novos conjuntos habitacionais, os grandes desafios do futuro, sejam frutos dessa revisão qualitativa.

notas 1
Apesar da aceitação da transcrição do pinyin (romanização fonética do mandarim) na mídia internacional, prefiro neste texto manter o nome original da Língua Portuguesa: Pequim, Cantão e Xangai ao invés de Beijing, Guangzhou e Shanghai.

2
Os números não mentem, e são latentes o aumento gritante de nascimentos de crianças com defeitos congênitos e o aumento dos casos de câncer. São o resultado da má alimentação, stress das cidades e o tabagismo (o número de cigarros consumidos no país chega os 2 trilhões anuais), enquanto o “aumento” no numero deve-se também ao fato de serem detectados graças aos centros de saúde mais próximos- não necessariamente acessíveis economicamente; enquanto antigamente as pessoas não sabiam do que morriam. Os dados não aparecem na mídia nacional e são abafados pelo governo através da censura sistemática da internet e meios de comunicação.

sobre o autor Flávio Coddou é arquiteto e enviado especial do Portal Vitruvius na China

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