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my city ISSN 1982-9922

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LORDELLO, Eliane. Feliz aniversário, querida! Minha Cidade, São Paulo, ano 08, n. 091.02, Vitruvius, fev. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.091/1903>.


Bloco Enquanto isso na Sala de Justiça descendo a ladeira de São Francisco. Carnaval de 2006 [Acervo Eliane Lordello]


Casal fantasiado dos personagens Asterix e Obelix no bloco Enquanto Isso na Sala da Justiça [Acervo Eliane Lordello]

Foliãozinho e Dragãozinho do Eu Acho é Pouquinho no carnaval de 2005 [Acervo Eliane Lordello]

Bricelet – o biscoito fino das beneditinas da Igreja de Nossa Senhora do Monte [Acervo Eliane Lordello]

Visão de Olinda, dia e mês desconhecidos, 1943. Óleo sobre madeira (580 x 410 cm). Guignard [www.itaucultural.org.br]

A Fonte. Xilogravura (89,5x 53,5 cm). Samico – 1990 (MUSEU DE ARTE MODERNA ALOÍSIO MAGALHÃES, 2005, p.53) [Acervo Eliane Lordello]

Menino desenhista da Rua do Amparo [Acervo Eliane Lordello]

Menino artesão [Acervo Eliane Lordello]

Capoeiristas no Beco do Bajado [Acervo Eliane Lordello]

Menina passista de frevo [Acervo Eliane Lordello]

O Lorde em pessoa no mesmo desfile [Acervo Eliane Lordello]

Boneco representando o Lorde (apelido de um morador da cidade) no desfile dos bonecos gigantes [Acervo Eliane Lordello]

Tapioqueira no Alto da Sé [Acervo Eliane Lordello]

 

Pois é, Olinda, eu infelizmente não estarei aqui no dia 17 de dezembro de 2007, quando você completará teus 25 anos como cidade patrimônio mundial. Que pena. Então eu resolvi escrever esta cartinha em tua homenagem. Mas não tratarei aqui dos motivos que justificam a tua inclusão na lista da Unesco, pois disso já tratei em outro texto neste mesmo Vitruvius (2). Também não vou dizer de tua história, da qual também tratei naquele mesmo texto.

Não, desta vez eu quero falar de outros encantos teus, de percepções, sentidos e sabores de tua fruição cotidiana. Penso que, também eles, dizem muito de tua história, e dos motivos pelos quais você tanto merece o prestigioso título de patrimônio mundial. Mais ainda: explicam porque você emociona e seduz a tanta gente, de toda parte do mundo. E vou começar de um jeito bem imaterial – vou falar primeiro de tua musicalidade, aí vai...

O povo de Olinda quer ver/ Maracatu Nação Porto Rico acender. O bordão do Maracatu Nação Porto Rico, bradado no Alto da Sé, no dia 20 de novembro de 2005, comemorativo da consciência negra, inspira o começo da minha narrativa. Lugar privilegiado do coco e do frevo, você atrai os mais variados estilos musicais, cantados e dançados em tuas ladeiras, largos e praças.

Alceu Valença, Eddie, Bonsucesso Samba Clube são alguns dos teus nomes na cena musical contemporânea do Brasil. Como se não bastasse, em tuas terras nasceu o saudoso Chico Science. Principal nome do movimento Mangue Beat, lançado nos anos 90 em Pernambuco, e internacionalmente difundido, Chico é até hoje uma reverenciada presença em tua musicalidade.

Além dos músicos, em tua longa história você tem seduzido poetas, produtores culturais, artistas plásticos, e, sobretudo, pintores. Isso me leva a prosseguir por outro de teus encantos: o aspecto pictórico de tuas ruas, ladeiras, e multicoloridas casas. Esse encanto explica o fascínio que você exerceu sobre tantos pintores em tua rica história.

Os pintores são personagens marcantes de teu cotidiano, querida. Diversos são os nomes de expressão – nacional e internacional – dessa arte que povoam o teu Sítio Histórico. Eles, que em sua maioria vieram morar na cidade nas décadas de 60 e 70 do século passado, têm seus ateliês de trabalho em suas próprias residências, o que cria mais um atrativo de visitação para você.

Como são muitos, e aqui não tenho espaço para citar todos, eu vou destacar apenas uma obra, de um deles, o pintor e gravurista Gilvan Samico. A gravura, que se chama A Fonte, simboliza, a meu ver, o que você representa para muitos artistas: uma fonte de inspiração, mas também uma torrente das mais variadas sensações, um manancial de alentos.

Mas não só artistas residentes marcam a tua história, cidade. Os adventícios, ou de passagem, também te retrataram em demasia. Desde os holandeses do século XVII, destacadamente Frans Post e Albert Ekhout, aos atuais artistas visitantes, você tem sido tema recorrente de pintores. Veja, por exemplo, esta pintura de Alberto da Veiga Guignard, o quadro Visão de Olinda, dia e mês desconhecidos, 1943.

Além dos pintores, e de toda a gente das artes plásticas, os poetas sempre te adoraram. Dentre eles, eu quero ressaltar três nomes luminares que Pernambuco deu à poesia brasileira: Carlos Pena Filho (1929-1960), João Cabral de Melo Neto (1920-1999) e Joaquim Cardozo (1897-1978). Dentre seus poemas, eu recolhi alguns versos tocantes que se referem a você, cidade.

Vou iniciar pelos mais conhecidos e recorrentes nas falas e narrativas do teu povo – aqueles com que Carlos Pena Filho te definiu, no poema Olinda (Do alto do mosteiro, um frade a vê).

Olinda é só para os olhos,não se apalpa, é só desejo.Ninguém diz: é lá que eu moro.Diz somente: é lá que eu vejo (2)

Arquiteto da composição poética, João Cabral – fiel ao seu espírito de geômetra –, assim te desenhou, no poema Paisagens com Cupim:

"Olinda não usa cimento.Usa um tijolo farelento.
Mesmo com tanta geometriaOlinda é já de alvenaria.
Vista de longe (tantos cubos) ela anuncia um perfil duro.
Porém de perto seus sobradosRevelam esse fio gasto da madeira muito roçada,das paredes muito caiadas,de ancas redondas, usuais nas casas velhas e animais (3)".

Joaquim Cardozo, engenheiro, poeta dos minerais, da luz, e dos objetos luminosos, te descreveu por versos que nos falam de uma cidade sinuosa, religiosa, verdejante e marítima, no poema que tem o teu nome, Olinda.

"Olinda,Das perspectivas estranhas,
Dos imprevistos horizontes,
Das ladeiras, dos conventos e do mar.
Olho as palmeiras do velho seminário,
O horto dos jesuítas;
E neste mar distante e verde, neste mar
Numeroso e longoAinda vejo as caravelas... (4)".

Além da música, das artes plásticas e da poesia, você também deve à vida secular alguns de teus encantos. Sediando diferentes ordens religiosas (beneditinas, franciscanas, agostinianas, dorotéias), você reúne um elenco de atrativos seculares e místicos. São os dobres dos sinos às horas já esperadas, os cantos dos monges no Mosteiro de São Bento, e das irmãs beneditinas na Igreja da Misericórdia.

São, também, os Bricelets, iguarias produzidas pelas mãos das freiras beneditinas da Igreja de Nossa Senhora do Monte – um biscoito fino, literalmente.

Além disso, a presença dos religiosos em teu cotidiano rende também algumas situações engraçadas, que divertem, sobretudo, aos garotos. Um exemplo notável é a subida, pelas tuas muitas ladeiras, das Kombis dirigidas por noviças, que sempre despertam a atenção dos meninos. Travessos (como se diz no sudeste de onde eu venho), ou trelosos (como se diz aqui neste animado nordeste), eles lhes despedem sorrisos marotos, e alguns comentários brincalhões.

Depois do secular, nada mais apropriado que passar imediatamente ao profano, pois ambos se completam. Então... Evoé! Os carnavalescos, foliões, passistas, te veneram. É de fato impossível descrever-te sem mencionar o teu carnaval. Trata-se mesmo de enredo para toda uma infinidade de escritos, mas, aqui, tentarei ser breve.

Teu carnaval é embalado principalmente pelo frevo, mas também pelo coco e pelo maracatu. Começa semanas antes do calendário oficial e ganha as tuas ruas, ladeiras, praças, largos e mercados, com forte participação dos moradores locais. Nessa ocasião, alguns de teus blocos desfilam já, enquanto outros promovem festas, bailes.

No tríduo oficial, propriamente, desfilam tuas diversas agremiações, cujos nomes constituem um atrativo a mais. Alguns deles são verdadeiras locuções – veja-se, por exemplo, estes dois: Clube de Alegoria e Crítica O Homem da Meia-noite; e Grêmio Lítero-recreativo Cultural Misto Carnavalesco Eu Acho é Pouco.

Este último, inclusive, tem uma versão mirim – o Eu Acho é Pouquinho – que assim como o bloco adulto, é puxado por um Dragão, melhor dizendo, por uma versão infantil dele, com direito até a uma chupetinha na boca.

Outros há que, desde o nome, satirizam situações passadas em outros carnavais, fatos de âmbito local, regional, ou nacional, e mesmo criações de mídia – sendo este último o caso do bloco Enquanto Isso na Sala da Justiça. De toda sorte, o teu é sempre um carnaval tradicionalmente criativo. Uma criatividade de que dão prova os mais diversos testemunhos e manifestos, desde as fantasias dos foliões até as encenações que protagonizam na cidade. Eu te relembro isso com esta mínima mostra de fotos da descida do bloco Enquanto Isso na Sala da Justiça no carnaval de 2006.

O teu é ainda um carnaval com espaço para a reverência, a homenagem. Eis o que pode ser visto no teu desfile dos bonecos-gigantes. É um desfile que a um só tempo homenageia aos representados nos bonecos, à arte de confeccioná-los (incluídos os artesãos que o fazem) e, também, ao público – que muito honrado sente-se de assistir a sua passagem.

É uma tradição tua convidar a participar desse desfile o homenageado que pela primeira vez é representado por um boneco. Pude ver o desfile do Lorde em pessoa, seguido de seu boneco, no primeiro ano em que este gentil personagem do carnaval olindense foi homenageado pelo bloco. Considero-me privilegiada por ter assistido a sua passagem na Rua do Amparo.

Eu tenho uma teoria particular sobre o sucesso do teu carnaval, sabe? Eu acho que ele é brincalhão assim porque você, apesar de quinhentista, tem muita meninice ainda, muita brincadeira, e muito mamulengo.

Os teus meninos, aliás, são um capítulo a parte, e eu nem vou me estender aqui, pois pretendo escrever um livro sobre eles. São aqueles que sobem o Amparo imitando os bonecos gigantes, são as pequenas passistas de frevo, os capoeiristas, são os que esculpem a tua arquitetura em cascas de cajazeiro, e tantos mais.  O que dizer, por exemplo, daquele simpático garotinho que fica desenhando nas calçadas da Rua do Amparo, sob o encantado olhar dos turistas e passantes?

Por tudo isso, querida, é facilmente compreensível que também os estrangeiros apaixonem-se por você, e, não raro, queiram permanecer em tuas colinas, como moradores, para sempre.

Para os que retornam aos seus países de origem, você certamente deixa muitas saudades. É o que atestam as palavras que passo a transcrever, recolhidas a esmo de alguns e-mails recebidos de amigos meus, estrangeiros que em tuas terras conheci, Olinda.

[...] estou já em São Paulo! gostei de Tibau, estou gostando de São Paulo, mas o meu coração é em Olinda. Obrigada pelas fotos! Ciaooooo (Elisa Amato, Itália, 16 nov. 2006).

Bom, aqui vão as fotos, obrigada pelas tuas... me deram saudades de linda-Olinda...foi tão bom! (Mayari Cantoni, Suécia, 11 nov. 2006).

My favorite hostel until now was in Olinda, a small but very interesting city near Recife. I spent there about a week - mostly because of the great people I met there (Marco Gosteli, Suíça, 29 nov. 2006).

Você é assim, deixa muitas saudades.

Além de todos esses teus aspectos, e daqueles vinculados aos critérios segundo os quais você foi inserida na Lista do Patrimônio Mundial, eu ainda quero acrescentar alguns. São coisas que, a meu ver, também legitimam a pertinência de tua inclusão na prestigiosa lista. Penso que, em termos de representação do patrimônio cultural brasileiro, você abarca todo um repertório de saberes populares, artísticos, artesanais, musicais, culinários (ah, tuas tapiocas, macaxeiras, licores...).

Mais ainda, você traz para esse conjunto as ricas manifestações de teu folclore, de tua religiosidade sincrética, e da espirituosidade do povo pernambucano, em você tão bem expressa. Sem tudo isso – reflito –, teu patrimônio cultural, tomado em termos legais, não se formaria, nem se constituiria, enquanto tal, e tampouco se sustentaria.

Por tudo isso também, danadinha, como eu disse no outro texto, você foi eleita Primeira Capital Brasileira da Cultura, vencendo as cidades de João Pessoa e Salvador, em resultado anunciado no dia 31 de Julho de 2005. Outra recente prova do reconhecimento de teu patrimônio cultural: o registro da tapioca comercializada ao ar livre na Cidade Alta, como patrimônio imaterial, e referência cultural da cidade, homologado em 22 de agosto de 2006. E agora você comemora 25 anos como cidade patrimônio mundial. Parabéns, querida!

Mas a tua imensa e indizível alegria, talvez o maior móvel da sedução com que você fisga a todos, não é passível de tombamento, nem como bem intangível. É com ela, que embebe e fascina a todos quanto te conheçam que eu me despeço de você agora, torcendo, desde já, para voltar muito em breve. Lembre sempre que eu gosto bem muito de você (como dizem os pernambucanos). Sou mais uma que foi presa pelo teu visgo.

Um beijo,

Eliane.

notas1

LORDELLO, Eliane. “Olinda, primeira capital brasileira da cultura”. Minha Cidade, n. 144. São Paulo, Portal Vitruvius, out. 2005 <www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc144/mc144.asp>.

2
PENA FILHO, Carlos. Os melhores poemas de Carlos Pena Filho. 2. ed. São Paulo, Global, 1986, p. 18.

3
MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1999, p. 235.

4
Apud DANTAS, Maria da Paz Ribeiro. Joaquim Cardozo: contemporâneo do futuro. Recife, Ensol, 2003, p. 164.

sobre o autor

Eliane Lordello é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco (MDU/UFPE) na área de Conservação Urbana. No doutorado desenvolve, sob orientação da professora Norma Lacerda, a tese Sete Cidades: um estudo das representações sociais das cidades brasileiras patrimônio mundial na Web, cuja inspiração primeira foi a cidade de Olinda.

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