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my city ISSN 1982-9922

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PESCI, Rubén. . Minha Cidade, São Paulo, ano 08, n. 093.03, Vitruvius, abr. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.093/1895/pt>.


Gráfico de modelos inversos


Região urbana do Vale do Pó

 

Em muitas atividades e âmbitos da Argentina de hoje se está trabalhando para um grande acontecimento: em 2016 se completa o bicentenário da Declaração da Independência.

Há muito o que comemorar, e estão sendo preparados alguns ícones interessantes (edifícios patrimoniais a recuperar, grandes equipamentos e infra-estruturas). No entanto, é uma questão de urgência nos assegurar como argentinos, que se comecem desde já a estruturar ou reestruturar algumas das questões de fundo, que garantam para o futuro próximo uma independência real como a que declaramos em 1816.

Uma delas é a prática real do federalismo, daquele desenhado nas Províncias Unidas do Rio da Plata, o grande projeto homólogo à então nascente grandeza dos Estados Unidos da América do Norte.

O federalismo está em nossa Constituição Nacional e nos sentimentos de quase todos os argentinos. Os provincianos nos apontam o rumo neste sentido, com sua destacada identidade e seus reclamos de maior consideração. No entanto, o “unitarismo de Buenos Aires” sempre ressuscita, seja na vocação de centralismo do poder econômico ou do poder político, e com freqüentes manifestações de articulação entre ambos.

É uma história antiga? Claro, porque cheira às terríveis guerras civis em pelas quais passamos entre 1820 e 1880 até a definitiva consolidação nacional. No entanto, renasceu periodicamente em nosso país, porque o tipo de problemas que provoca essa controvérsia ainda subsiste. Neste mesmo momento, existe uma tendência do Governo Nacional a uma clara centralização de poderes, e um marcado intervencionismo do Estado sobre as províncias e os municípios do país. Questão, por outro lado, manifestada em muitíssimas notas jornalísticas, assim como na interpretação de muitos setores da oposição política.

Por que consideramos que esta é uma questão de urgência agora, nestes tempos, para poder chegar dignamente a 2016?

Porque os modelos mais bem-sucedidos de desenvolvimento social e econômico que em nível internacional se estão manejando nas últimas décadas contêm a idéia de região de desenvolvimento ou região urbana de desenvolvimento, como uma estratégia imprescindível. Há anos que vimos manejando este conceito e o aplicamos em escritos teóricos, projetos de planejamento e programas de ensino.

A grande socióloga e urbanista canadense Jane Jacobs pesquisou profundamente a etapa do pós-capitalismo e comprovou que a nova riqueza das nações, aludindo às teorias econômicas liberais de Adam Smith, se manifesta hoje nas cidades, e em especial, no que ela denomina regiões urbanas (1).

A autora descreve assim às redes de cidades medianas, que não se tocam fisicamente entre si, mas que se complementam e competem como uma grande unidade econômica, evitando contudo, as deseconomias que produzem as macro concentrações urbanas.

Os 3 melhores exemplos de região urbana que diagnosticou e comprovou Jacobs são a Ilha Central do Japão, a Região do Vale de Rurh, na Alemanha, e em especial, a Região do Vale do Pó na Itália do Norte. As três estão entre as regiões mais ricas do mundo e com melhor distribuição social dessas riquezas.

Nestas regiões vivem milhões de habitantes, mas cada cidade articulada conserva a escala humana; gerando um grande mercado próprio com diversidade de produtos e empregos, e uma verdadeira economia de escala, salvando no entanto, os problemas de deseconomias de escala das grandes conurbações contínuas: hiper-concentração, deterioração da cidade e do campo, contaminação dos recursos naturais, perda de identidade e escala.

Precisamente a grande conurbação de Buenos Aires, formada historicamente a expensas de um forte esvaziamento do interior (processo de alta agudeza entre 1940 e 1990), é um dos mais salientes exemplos que expõe Jane Jacobs sobre como as grandes cidades atentam contra as riquezas das nações.

Afortunadamente, há 20 anos as tendências de crescimento populacional na Argentina marcam um maior desenvolvimento das cidades medianas e pequenas e em particular, das metrópoles regionais, em relação ao crescimento da Grande Buenos Aires. Algumas oportunidades internacionais, juntamente com certas modernizações do aparato produtivo, estão afiançando em especial as cidades de Salta, Mendoza, Córdoba, Rosario, Bahía Blanca, Neuquén e Comodoro Rivadavia, e essa é uma grandíssima oportunidade que se está abrindo precisamente na linha da idéia de região urbana:

  • muito competitivas, mas em escala humana,
  • com mentalidade globalizada, e a resguardo da identidade local,
  • com diversidade cosmopolita, mas com qualidade de vida maior que nas grandes conurbações, mais seguras, onde tudo está mais próximo.

Outros casos estão encontrando essa mesma oportunidade, a partir das vantagens de localização e proximidade. Como as complementaridades entre Corrientes e Resistencia, entre Paraná e Santa Fe entre as mencionada Neuquén e a cadeia de cidades de Alto, entre Puerto Madryn / Trelew / Rawson, etc. Em particular estes últimos casos, são um exemplo de região urbana (e urbana-rural) pelo Vale do Rio Chubut, de alta modernidade.

Esta nova forma de ver associadas as oportunidades socioeconômicas com as vantagens territoriais não tem respaldo claro nas políticas atuais, freqüentemente demasiado unitaristas e centralistas, e outras dominadas por paixões provincialistas. Quando antigas rivalidades entre países europeus se vêem contrabalançadas hoje pelo grande projeto político da União Européia e grandes projetos de integração física como o Túnel sob o Canal da Mancha, é peremptório promover a integração mediante corredores ou áreas articuladas de desenvolvimento. Entre duas ou mais províncias, entre uma área fronteiriça com a correspondente do país vizinho (como as cidades do baixo Uruguai, envolvidas agora num conflito que deveria nos envergonhar), entre duas grandes cidades vizinhas ou entre áreas de desenvolvimento que convém compartilhar entre várias cidades vizinhas.

A Argentina possui várias proto-regiões urbanas, que já se perceberam em esforços anteriores de planejamento (2): a área metropolitana de Buenos Aires, o eixo La Plata – Rosario, o eixo Rosario – Santa Fe, a complementaridade Santa Fe – Paraná, ou Corrientes-Resistencia, as cidades do centro da província de Buenos Aires, o corredor Córdoba – Río Cuarto, o corredor Mendoza- San Rafael, etc.

Estas e outras áreas com esse potencial poderiam formar parte de um grande projeto de fortalecimento de regiões urbanas na Argentina, com suas respectivas economias regionais e seus corredores de influência. Um processo de inversões públicas e privadas focalizado sobre estas regiões de desenvolvimento sem prejuízo de continuar atendendo os orçamentos clássicos por jurisdição provincial, e sobretudo descentralizando papéis e funções a essas regiões urbanas, com capacidade de negociar desta forma desconcentrada sua colocação no mundo da cultura e dos negócios internacionais.

É semelhante à idéia de cidades globais, como as gigantescas metrópoles que substituem seus espaços nacionais por espaços globais de competitividade. Mas a diferença desse esquema que já tem mais de 100 anos, e onde não se considerou suficientemente os impactos negativos da aglomeração, esta rede de cidades articuladas como região, se inserem nesse diálogo global, mas evitam as conseqüências negativas.

Na América Latina isto começa a suceder no corredor Rio – São Paulo – Curitiba, entre Santiago e Valparaíso também se faz evidente esta complementaridade. E a Argentina tem, como vimos, várias oportunidades a potenciar o fenômeno tendencial com algumas fortalezas iniciais: em geral, contamos com um patrimônio urbanístico mais ordenado e algumas infra-estruturas de comunicações e de saneamento que souberam estar a um alto nível.

Por que propostas tão evidentes, quase óbvias, e de inegável comprovação internacional, não se convertem em metas inegociáveis para nossos governos? (3)

Uma resposta a não se duvidar é que a descentralização e a desconcentração lesam interesses contrários (monopólios, empresas hegemônicas, concentração de poder político, feudos provincialistas).

Mas outra resposta que me aterroriza tanto ou mais é que se trate de simples atrasos nas idéias e nos instrumentos para um desenvolvimento genuíno.

Consideramos uma questão de urgência para o horizonte de festejo de 2016 a instrumentação de um grande esforço federal para potenciar as regiões urbanas dinâmicas de nosso país, conseguindo acordos entre províncias, entre províncias e o estado nacional, entre as forças vivas dos distintos núcleos urbanos dessas regiões, para um desenvolvimento mais sustentável no econômico, no ambiental e no aumento de justiça social.

É só seguir as melhores tendências e propiciá-las. Como tomar os melhores ventos. Um grande festejo como o de 2016 merece revisar o modelo de país que queremos.

notas

1
Veja em JACOBS, Jane. Las ciudades y la riqueza de las Naciones. Barcelona, Alfaguaras, 1999.

2
Veja corpo central deste número da revista Ambiente Digital

3
Só o Plano Federal Estratégico de Turismo Sustentável, 2005-2016, Secretaria de Turismo da Nação / CFI, expressa com clareza um enfoque deste tipo. Veja em http://www.turismo.gov.ar/esp/menu.htm.

[artigo publicado originalmente na Revista Ambiente Digital]

sobre o autor

Rubén Pesci, arquiteto, foi Professor Titular das Universidades Nacional de La Plata, Católica de La Plata e de Belgrano. Professor convidado nas Universidades de Veneza (Itália), Menéndez Pelayo e Valencia (Espanha), Tucumán e Mendoza (Argentina), Mérida e Caracas (Venezuela) e Porto Alegre e Curitiba (Brasil). Dirigiu o Curso Superior de Planejamento Ambiental (Universidad de Belgrano, 1980-87), a Oficina Latino-americana de Formação Ambiental (1985-87), vários Cursos e Oficinas de Graduação e Pós-Graduação em Formação Ambiental da FLACAM (Fórum Latino-americano de Ciências Ambientais) (1989-hoje) e é desde 1994 Diretor da Cátedra UNESCO/FLACAM para o Desenvolvimento Sustentável. É autor de diversos livros

tradução Ivana Barossi Garcia

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