Depois de vinte e cinco anos de estagnação, o PIB voltou a crescer de forma sustentável. A expansão da economia, da arrecadação do setor público, do crédito e do emprego, com melhoria na renda dos mais pobres, geram impactos urbanos positivos e negativos. Neste contexto, deve-se aproveitar as oportunidades que estão sendo criadas e evitar o agravamento dos problemas que ocorrerá se não for alterado o modelo de “desenvolvimento urbano” que predomina desde os anos 1950.
Esse modelo foi chamado de “lógica da desordem”, expressão cunhada pelo professor Lúcio Kowarick no clássico São Paulo 1975: Crescimento e Pobreza para definir a selvagem expansão da urbanização no Brasil, a maior do mundo na segunda metade do século 20. Em São Paulo, ela se caracterizou pela prioridade para obras viárias destinadas ao automóvel; verticalização lote a lote nos bairros dotados de infra-estrutura; periferização e precarização da habitação popular; expansão horizontal não planejada da área urbana; depredação do meio ambiente; manutenção de terrenos ociosos; e reprodução da desigualdade socioterritorial.
O novo ciclo de crescimento torna urgente – e possível – a alteração desse modelo. A arrecadação elevou-se nos três níveis de governo. A receita própria do município de São Paulo aumentou mais de 50%, em valor real, entre 2004 e 2008. As transferências da União e do Estado para obras na região metropolitana, potencializadas pelo PAC, atingiram níveis inéditos desde a ditadura militar. O governo federal tomou medidas que elevaram em 400%, entre 2003 e 2008, o financiamento e subsídio para a moradia, considerando todas as fontes. O amplo crédito facilitou o acesso aos automóveis, que começam a ser considerados uma praga urbana.
Nessa conjuntura, os congestionamentos recordes e o boom imobiliário eram previsíveis. A elevação da renda gerou inédita expansão do comércio e de serviços. Novos shoppings centers geram pólos de tráfego, enquanto mil veículos entram em circulação a cada dia.
Se não houver ousadia e competência para mudar o modelo urbano gestado no período desenvolvimentista, o crescimento reproduzirá, em escala ampliada, o caos e a segregação socioterritorial que caracterizam a cidade, com graves impactos ambientais.
O desafio da próxima administração é aproveitar a conjuntura favorável para implementar mudanças estruturais. O Plano Diretor Estratégico (PDE), que relatei na Câmara Municipal em 2002, estabeleceu as diretrizes e as ações necessárias. As condições objetivas para implementá-las estão sendo facilitadas pelo crescimento, mas a atual administração, avessa ao planejamento e à participação, perdeu quatro anos paralisando ações essenciais.
Mecanismos propostos pelo Plano Nacional de Habitação devem ampliar a produção formal de moradias, única forma de conter a ocupação das áreas de proteção ambiental. Isso depende de a prefeitura criar um programa de subsídio para complementar a baixa capacidade de financiamento dos mais pobres, atuar para baratear a terra por meio da criação do imposto progressivo no tempo, combatendo a especulação com imóveis ociosos e subaproveitados, e agilizar a aprovação de projetos, estimulando a promoção privada.
Por meio de projetos urbanos, os bairros centrais e a orla ferroviária podem ser repovoados e adensados, com respeito ao patrimônio, para absorver a demanda habitacional. Planos de desenvolvimento econômico, previstos no PDE, como o que Marta começou a implantar (e hoje está parado) na Zona Leste, devem gerar empregos em áreas periféricas, ação facilitada pelo crescimento da economia.
Habitação onde existe trabalho e empregos onde mora a população reduzem a desigualdade territorial e a necessidade de deslocamento. É uma estratégia que se combina com a efetiva prioridade – não prioridade meramente retórica – para o transporte coletivo, tornando-o mais rápido, confortável e barato que o automóvel. A prefeitura deve investir maciçamente no organização do sistema de ônibus, implantando os corredores em vias requalificadas e implementando o subsistema de alimentação, para dar a capilaridade necessária para estimular o motorista a deixar o carro em casa.
A ampliação do investimento do setor público, a expansão da economia e a dinamização do setor privado não podem reproduzir velhas fórmulas, mas devem ser usadas para promover mudanças estruturais. Os resultados virão a médio prazo, mas precisam ser perseguidos com ousadia para que São Paulo se transforme numa metrópole viável, eficiente e solidária.
[artigo originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo, na coluna “Tendências e Debates”. São Paulo, 19 set. 2008, p. 3]
sobre o autor
Nabil Bonduki é arquiteto e professor de planejamento na FAU-USP. Ex-vereador de São Paulo pelo PT (2001-2004), foi relator do Plano Diretor Estratégico na Câmara Municipal