Em reportagem do Jornal O Globo (Editoria Rio - página 25), sábado, dia 13/12/2008, a Empresária Maria Ignez Barreto se declarou contra a festa de Réveillon em Ipanema e afirmou:
"A população que paga impostos caros tem que ter o direito de poder dormir em paz, de chegar em casa. Há os galpões do Cais do Porto que não têm vizinhança. Por que não fazem lá?"
Gostaria de informar à moradora de Ipanema e empresária Sra. Maria Ignez Barreto que no entorno dos galpões do Cais do Porto do Rio de Janeiro existe sim uma enorme, antiga e consolidada vizinhança.
Certamente não é uma vizinhança tão chique, refinada e elegante quanto a própria empresária e seus seletos vizinhos da Avenida Vieira Souto. E é uma vizinhança que foi, historicamente, excluída das intervenções higienistas e civilizatórias do Estado. Já entendi tudo, ou seja: Ipanema é civilizada e não merece uma festa com música barulhenta. Ipanema é Bossa Nova e o Cais do Porto é o quê?
Mas a região do Cais do Porto possui uma vizinhança que assim como a de Ipanema também "tem o direito de poder dormir em paz, de chegar em casa". E é uma vizinhança que também paga impostos como outros tantos brasileiros. E os Monges Beneditinos que residem no Mosteiro de São Bento não são considerados "vizinhança"? E os Moradores do Morro da Conceição, do Morro da Saúde, Ladeira do Livramento, Rua Sacadura Cabral e os Residentes do Hospital dos Servidores não são considerados vizinhança?
Mas, pelo teor da declaração da empresária, a área do Cais do Porto possui uma vizinhança totalmente invisível.
A região da Área Portuária da Cidade do Rio de Janeiro é composta, basicamente, por três bairros, a saber: Saúde, Gamboa e Santo Cristo e por franjas de outros bairros como o Centro da Cidade, São Cristóvão, Cidade Nova, Caju e outros. Nesta região existe a mais antiga ocupação informal da Cidade que é o outrora denominado Morro da Favela e agora conhecido como Morro da Providência. Ou isto também não é vizinhança?
Quando o Morro da Favela foi ocupado inicialmente, Ipanema sequer existia como projeto. Ali, em volta do Cais do Porto, era a Pequena África. O Cais do Porto, a Pedra do Sal e a Praça Onze era o Semba, lugar de Umbigadas e depois veio o Samba e Ipanema era o quê?
Mas, assim como no Samba de Janet de Almeida e Haroldo Barbosa, imortalizado na voz de João Gilberto, eu pergunto: "Pra que discutir com Madame?" Só me resta dizer que no carnaval (ou Reveillón) que vem eu também vou concorrer e o meu "Bloco de Morro vai cantar ópera."
Portanto Sra. Maria Ignez Barreto, se a senhora quer ser contra às festas no seu bairro eu acho legítimo que esteja à frente deste movimento, mas evite declarações infelizes e até discriminatórias como esta. A vizinhança do Cais do Porto é composta por gente e por seres humanos assim como a de Ipanema.
Eu tenho até medo de que esta visão seja a que vai nortear as futuras intervenções urbanísticas do Prefeito eleito do Rio nesta área onde, para as elites cariocas, não existe vizinhança.
O próprio termo e/ou conceito largamente empregado que é o da "revitalização" da área portuária me parece equivocado. Revitalizar significa trazer de volta a vitalidade. Mas, em muitas das áreas da região portuária este conceito simplesmente não se aplica pois são áreas com uma imensa, resistente e qualitativa vitalidade urbana. Só não vê quem não quer!
O Projeto Civilizatório e Higienista das elites não para nunca! Ipanema ainda brilha à noite mas o Cais do Porto é que reluz que nem ouro.
sobre o autor
Antônio Agenor Barbosa, Arquiteto e Urbanista, Professor Universitário