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português
Este artigo traz uma reflexão crítica a respeito da implantação de rodovias no interior do tecido da cidade e da prática governamental de pensar as marginais como sistema rodoviário, sem olhar para o fenômeno metropolitano como um todo
english
In this article, Fernando de Mello Franco brings a critical reflection about the implementation of roads within the the city government and the practice of thinking about the marginals as the road system, without looking at the phenomenon itself
español
Este artículo trae una reflexión crítica respecto de la implantación de autopistas en el interior del tejido de la ciudad y de la práctica gubernamental de pensar los márgenes como sistema carretero, sin ver al fenómeno metropolitano como un todo
FRANCO, Fernando de Mello. É preciso saber avançar na construção da urbanidade em São Paulo. Minha Cidade, São Paulo, ano 10, n. 111.01, Vitruvius, out. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.111/1832>.
Em recente debate sobre a Nova Marginal, ocorrida na Folha de São Paulo em 10/09/09, o Governador José Serra responde aos críticos dessa obra com as seguintes perguntas: "Qual é a proposta deles? Destruir as marginais? E o pessoal vai andar de burrinho para ir até Guarulhos?"
Não há dúvida de que as tropas de mulas foram fundamentais para nossa história. Ampararam as incursões coloniais que desbravaram nossa hinterlândia. Permitiram transgredir o Tratado de Tordesilhas, o que resultou na formalização do território nacional em sua dimensão continental. Mas trata-se de uma alternativa anacrônica, assim como a promoção do sistema de transporte individual, baseado em energias poluentes, também o é.
É sintomático que a resposta do Governo venha através da assessoria da Dersa, empresa de desenvolvimento rodoviário, cuja missão não é promover urbanidade. Todos sabemos o quão nocivas são as rodovias, quando implantadas no interior do tecido da cidade. E esta parece ser parte da questão: pensar as marginais como sistema rodoviário, sem olhar para o fenômeno metropolitano como um todo.
A agenda para o século XXI é outra. Diante dos crescentes problemas ambientais, do incremento da mobilidade e da consolidação de nossa condição urbana, é necessário pensar outros modelos para a cidade.
Nesse ano, a Universidade de Harvard promoveu o seminário “Ecological Urbanism”. A proposta era expandir as discussões sobre sustentabilidade, até então focadas na eficiência energética das edificações, para os modelos de urbanização. O debate reforçou a defesa do adensamento em oposição à dispersão e o fomento dos sistemas coletivos de transporte em oposição ao sistema individual.
Esse é um modelo conhecido em São Paulo. Em seu livro A estruturação da Grande São Paulo, o geógrafo Jurgen Langenbunch explica a modernização da metrópole a partir do trinômio “ferrovia, abundância de água, terrenos planos e baratos” que indicou as várzeas da “Bacia de São Paulo” como território estratégico para a lógica industrial. Até sermos submetidos à hegemonia do sistema rodoviário, a urbanização metropolitana estruturou-se pelo adensamento em torno das polaridades definidas pelas estações do sistema ferroviário. Naquele momento, a linha do Tramway de Santo Amaro passava por onde hoje é o aeroporto de Congonhas, assim como o Tramway da Cantareira, com seus múltiplos ramais, ligava o centro da cidade com o Campo de Marte e a Base Aérea de Guarulhos, onde hoje se instala Cumbica. Melhor modelo já existiu, portanto.
É preciso saber avançar no enfrentamento das questões trazidas pela contemporaneidade, ao invés de permanecermos no erro histórico do modelo de avenidas de fundo de vale. Vivemos um momento especial na história das cidades. A “cidade moderna” cede espaço para a “cidade contemporânea”, permitindo-nos pensar a mudança. No caso de São Paulo ela pode ser feita, estrategicamente, sobre a atualização das formas de uso da estrutura complexa das suas várzeas. Os 270km de trilhos urbanos preexistentes, a escassez dos recursos hídricos e a disponibilidade do vasto parque fabril subutilizado, demandam um outro equilíbrio entre as diversas forças que disputam o território.
O PITU – Plano Integrado de Transportes Urbanos – é um importante começo. Ao articular todas as modalidades de transporte, oferece as bases para o avanço. Ele indica que as áreas adjacentes aos trilhos urbanos são algumas das áreas de menor densidade habitacional de São Paulo. A dinamização do sistema pressupõe, consequentemente, a prioridade dos investimentos. Pois, além de amparar o adensamento, oferece alta capacidade e não é poluente.
Há um acervo valiosíssimo de reflexões acadêmicas produzido pela USP, entre outras universidades. Esse acervo é enriquecido pelas pesquisas financiadas pelos órgãos de fomento, como a Fapesp. Há ainda os registros do “Urban Age”, evento que contou com o apoio oficial do Estado. O resultado foi a publicação, pela Imprensa Oficial, da pesquisa que a London School of Economics vem realizando sobre nosso futuro urbano. Nesses textos, o debate se afasta da manutenção do sistema “rodoviarista” como solução responsável.
Portanto, as alternativas que o governador solicita existem e podem ser facilmente acessadas por aqueles que as promovem. Essa constatação nos sugere propor uma questão como resposta: qual o melhor caminho para fazer articular o pensamento crítico, financiado pelas instituições públicas, com as ações efetivas do Estado?
[artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo, 17 set. 2009, p. A3]
sobre o autor
Fernando de Mello Franco, arquiteto (1986) e doutor (2005) pela FAUUSP. Professor da Universidade São Judas Tadeu. Sócio do escritório MMBB arquitetos