Chegará ao fim o embate da prefeitura com setores da população de Belo Horizonte que insistem em querer fazer ‘eventos’ na Praça Rui Barbosa, a Praça da Estação. A ser inaugurada esta semana, uma Barreira de Proteção ao Patrimônio (BPP) resguardará o importante bem público de atos de vandalismo, shows de música Gospel, passantes não-identificados e moças em pequenos biquinis portando isopores com cerveja.
A praça, presente na história da capital mineira desde sua fundação, foi revitalizada em 2007. Naquela reforma, o rio que ali passava foi asfaltado, dando lugar a um Bulevar verde com árvores grandiosas, que separa o conjunto em duas partes, com referências franco-italianas. De um lado, árvores, bancos e jardins em estilo Louis XIV. Do outro, uma esplanada árida que remete aos tempos áureos da arquitetura de Mussolini. Foi desse lado, visando proteger o precioso patrimônio composto por, além do edifício da estação, um piso acimentado, uma magnífica estátua, uma árvore e doze totens de iluminação, que a Prefeitura de Belo Horizonte enfrentou os vândalos festeiros.
Na foto aérea da Praça Rui Barbosa, no Google Maps, mal se vê o piso. Uma multidão assiste a um show, e as ruas laterais estão repletas de passantes. Desde a revitalização, a área serviu a uma série de eventos públicos de grande porte, quase sempre musicais, abrigando uma matiz que vai de música evangélica a Clube da Esquina. Acontece que a aglomeração de pessoas muitas vezes causa danos ao patrimônio, gera sujeira e encontros – todos inconcebíveis em uma cidade moderna como a capital das Alterosas.
Em dezembro de 2009, visando resguardar e proteger o patrimônio público, a Prefeitura soltou um decreto proibindo a realização de eventos de “qualquer natureza” na praça. Os evangélicos, que não estão para briga, pouco se manifestaram. A reação, no melhor estilo esquerda festiva, veio de um grupo jovem ligado à indústria de sundown, que ali instalou uma praia, com direito a cerveja, guarda-sol, chuveiradas e frescobol. A cada fim de semana dos primeiro meses deste ano, os mineiros tiveram sua riviera urbana, aproveitando para entoar cantigas de desordem e protesto.
Rigorosa no seu papel de guardiã do patrimônio, a Prefeitura não deixou barato: convidou arquitetos renomados (os mesmos que desenharam, por ali, bancos de granito extremamente confortáveis e o Bulevar com árvores grandiosas) para pensarem uma solução de proteção contra os farristas. Com um projeto que concilia inovação, austeridade e respeito à tradição, os arquitetos criaram uma BPP que nada deve ao West Bank Barrier Israelense ou aos “Ecolimites” construídos por Sérgio Cabral nas favelas cariocas.
Ao mesmo tempo em que protege a Praça das multidões, a barreira não impede a visada do edifício da estação pelos passantes de helicóptero e permite a entrada de pessoas munidas do Documento de Comprovação de Registro junto ao Departamento de Controle de Acesso a Praças e Jardins – recém criado pela administração para oferecer mais segurança, ordem e controle no uso da cidade.
Do lado de dentro, a praça descansa em paz. Todos os dias, às 11h e às 16h, a fonte esguicha sua água costumeira. Entre a imagem do muro que se forma em uma poça d’agua e sua presença monumental na paisagem, no chão seco que as separa, quatro pombas defecam.
nota
1
Artigo originalmente publicado no Jornal "Hoje em Dia".
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Esta reportagem imaginária ainda não aconteceu, sendo as fotomontagens realizadas por Roberto Andrés, com colaboração de Rodolfo Provetti.
sobre o autor
Roberto Andrés é professor na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, artista residente no JA.CA e editor da revista PISEAGRAMA.
Roberto Andrés, Belo Horizonte MG Brasil