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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O presente artigo trata da apropriação da linguagem neolássica na arquitetura pelos incorporadores imobiliários em tática mercadológica que se torna deletéria para a paisagem urbana, comprometendo sua qualidade

english
This article discusses the appropriation of neoclassical language of architecture by developers as marketing tactic that becomes deleterious to the urban landscape, affecting its quality

español
Este artículo se centra en la apropiación de la lenguaje neoclássica de la arquitectura por parte de los desarrolladores en táctica de marketing que se convierte en daños para el paisaje urbano, amenazando su calidad

how to quote

PEIXOTO, Elane Ribeiro; MELLO, Márcia Metran de. Castelos de Barbie. A falsidade da arquitetura “neoclássica”. Minha Cidade, São Paulo, ano 11, n. 129.02, Vitruvius, abr. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.129/3840>.


Edifício neoclássico em Goiânia, 2004
Foto Márcia Metran de Mello


Praça Sravisnky, Paris, 2007
Foto Aroldo Márcio Ferreira

Escultura de Henri Miller, Paris, 2010
Foto Hebert José Teixeira

 

Muita gente se vê tentada a usufruir nobreza e tradição no morar, mesmo em um pequenino dois quartos, por anúncios de edifícios “neoclássicos”. Em consequência, em muitas cidades proliferam construções estrambóticas. Na “vanguardista” capital de Goiás que costuma copiar as “modernices” de centros maiores, sem o discernimento daquilo em que se espelha, não é diferente.

A título de utilidade pública, buscaremos, na medida do possível, contribuir para a compreensão do verdadeiro significado histórico e cultural do Neoclassicismo. Esse estilo nasceu na Europa no final do século XVIII e encontrou seu maior defensor em um dos primeiros historiadores da arte, o alemão Johann Winckelmann. Admirador da cultura grega, especificamente a do período clássico (séculos IV e V a.C.), publicou em 1775 um tratado que sugeria o retorno aos ideais de beleza formulados pelos gregos antigos.

A proposta de Winckelmann, resumida na busca do “belo ideal”, foi ao encontro dos anseios de seus contemporâneos, sequiosos por uma alternativa para o que consideravam os excessos do Barroco e do Rococó. Assim, o retorno à Grécia Clássica pareceu satisfazer uma vontade de racionalidade e austeridade, próprias ao Século das Luzes.

Especificamente no campo da arquitetura, o uso rigoroso das ordens gregas – dórica, jônica e coríntia – buscou a reconstituição de sistemas icônicos transformados pelos arquitetos barrocos, que desfrutavam de certa “licenciosidade” diante de regras rígidas. Os cânones gregos originais estabeleciam normas, regulamentadas nos primeiros tratados de arquitetura escritos no século V a.C., que visavam perpetuar cada sistema, na obediência das combinações de seus respectivos elementos arquitetônicos. Vale lembrar que essas combinações foram experimentadas durante séculos até atingirem, no período clássico, o refinamento suposto como a tradução da beleza eterna. Os arquitetos gregos eram ciosos a tal ponto que utilizavam meios para a correção dos efeitos de deformação ótica.

No Brasil, a Missão Francesa, vinda em 1816 a convite de D. João VI, foi responsável pela introdução do vocabulário neoclássico. Nesse episódio de nossa história, havia uma surpreendente contradição, afinal, o monarca português fugiu, premido pelas invasões de Napoleão Bonaparte, ou seja, escapava-se dos franceses, por um lado, e por outro os atraía. Isso significava que o domínio econômico e territorial perpetrado pelos franceses era indesejável, mas ambicionava-se sua influência cultural. A paixão pela cultura francesa prolongou-se, no Brasil, até a Segunda Guerra Mundial, quando Versalhes foi substituído pela Casa Branca.

Mas, que valor teria uma obra neoclássica construída hoje? O mesmo que atribuímos ao castelo da Bela Adormecida na Disneylândia: pura fantasia. Ressalva-se que a fantasia em um território reservado ao divertimento, como um parque de diversões, é uma opção coerente, mais ainda, compreensível. Porém, uma obra de fantasia no contexto da cidade contemporânea compromete o conjunto urbano: é uma materialização do pior, uma mistura de ousadia com ignorância. A artificialidade e ilusão de obras dessa natureza transformam-nas em excrescências na cidade dos bites, das altas velocidades e do tempo instantâneo. Então, pode-se dizer, que quando se transpõe um hall de um edifício dito neoclássico, o máximo de aristocracia incorporada será semelhante à de uma Barbie em seu castelo.

No ensejo, aproveitamos este espaço no rol de falsidades para destacar algumas “pérolas”. Para começo de conversa, falemos francamente: a reconstituição tão ciosa e científica da Igreja Matriz de Pirenópolis parece ignorar toda a teoria do restauro e os sábios conselhos de Aloïs Riegl (1) no trato do patrimônio histórico. Em palavras claras, as reconstituições do que foi perdido são sempre um blefe e desmerecem o que restou do original. Com sabedoria, e se pode dizer até humildade, muitos arquitetos elaboraram preciosos projetos de arquitetura incorporando antigas ruínas, justiça seja feita com a menção a Lúcio Costa e o Museu das Missões, para falar de gente nossa. Afinal, não podemos ser tão messiânicos a ponto de nos julgar capazes de rematerializar o passado e o transmitir para as gerações futuras.

Na mesma linha, encontra-se a réplica da Casa de Câmara e Cadeia de Goiás Velho, construída na rua 94, no Setor Sul em Goiânia, causando grande estupefação dos transeuntes que julgam estar diante de uma miragem. Antes fosse!

Outros pequenos horrores assombram incautos passantes: no Setor Marista, por exemplo, há uma casa que parece ser a recriação de um postal dos Alpes Suíços, tem-se a impressão que a qualquer momento uma vaca, com úberes cheios de leite, completará a bucólica atmosfera do campo europeu, transferida, em um passe de mágica, para o cerrado goiano. Capricho que custa caro para a paisagem urbana.

Mas, os grandes horrores estão mesmo concentrados no Setor Bueno e se expressam em altíssimos edifícios adjetivados neoclássicos. Duas torres encimadas por telhados inclinadíssimos de zinco imitam os Hôtels, casas rococós da aristocracia francesa, cujos telhados eram feitos em ardósia. Tal inspiração “histórica” resultou em verdadeiros monstrengos que, num gesto de “generosidade”, oferecem-nos chafarizes mais parecidos com os turbantes de Carmem Miranda. Caprichosa e insólita coerência estende-se aos jardins. Pobres arbustos são mutilados em formas esféricas, “mimosamente” emulando o Jardin des Tuileries.

A questão do pseudoneoclássico não é um episódio único a macular Goiânia. Refere-se mais especificamente ao empreendedor imobiliário e ao publicitário como formadores de opinião, nesse caso, de um ponto de vista equivocado. Há muito para se falar das obras públicas, do tratamento paisagístico da cidade, incluindo seus espaços verdes e a arte urbana inócua e provinciana, que impõe à urbe esculturas que pipocam aqui e acolá como bibelôs em uma estante, sem a mínima coerência e diálogo com o entorno. Recentemente, uma escultura eqüestre, representando o interventor Pedro Ludovico Teixeira, foi instalada no centro cívico da cidade. Suas mãos em escala exagerada fazem referência à linguagem do modernista Portinari. Que conteúdo simbólico haveria nessa representação? O óbvio. O culto à personalidade, sem quere desmerecer esse ou aquele personagem, parece ser uma prática difícil de ser superada, haja vista a proliferação de “cabecinhas”, ou seja, bustos de bronze erguidos sobre pedestais em pontos estratégicos da paisagem urbana. Os pombos agradecem. É preciso reconhecer que a memória das pessoas não se perpetua desta maneira, depositando-se de fato nos benefícios advindos de suas obras ou atitudes. Infelizmente, esse fenômeno não é apenas local, é um vício da mentalidade personalista brasileira.

Lições como as de Niki de Saint Phalle, expressas na lúdica praça Stravinsky ao lado do Beaubourg, ou a escultura de uma cabeçorra no adro da igreja de Santo Eustáquio, de Henri Miller, em Paris, parecem nunca terem sido assimiladas pelas cidades no Brasil. As viagens ao exterior não devem servir apenas para a compra em Otlets. Mas, deixemos esses assuntos para outra ocasião.

Retomando a questão do “novo” neoclássico, curiosamente, os que melhor se habilitaram para falar da cidade, arquitetos e urbanistas, estão omissos ou preocupados demais em bordar seus projetos de casas nos condomínios fechados e, na pior das hipóteses, ocupam-se em conceber abomináveis monstrengos, como os mencionados. Lembremos que nós, arquitetos e urbanistas, somos responsáveis e temos a obrigação de esclarecer sobre os caminhos de nossas cidades que ora se delineiam de forma equivocada.

nota1
Historiador da arte austríaco, autor de “O culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese”, escrito em 1903, que legou ao século XX importantes reflexões que orientaram a teoria do restauro. Seu pensamento continua atual e, admiravelmente, desconhecido de muitos que são responsáveis pela conservação do patrimônio histórico.

sobre os autores

Elane Ribeiro Peixoto, Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.

Márcia Metran de Mello, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo e Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília. Professora da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás.

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