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português
Neste artigo, Sandra Mara fala sobre os desafios de reconstrução da cidade de Nova Friburgo e dos esforços nesse sentido trazidos pelo movimento "Nova Friburgo em Transição"
ORTEGOSA, Sandra Mara. Manifesto de Nova Friburgo em Transição (Transition Towns). Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 134.01, Vitruvius, set. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.134/4019>.
“Os problemas do mundo não podem ser resolvidos por céticos ou cínicos cujos horizontes sejam limitados por realidades óbvias. Nós precisamos de pessoas que sonhem com algo que nunca existiu”
F. Kennedy
Um dos maiores desafios na tarefa de reconstrução da cidade de Nova Friburgo, duramente atingida pelo maior desastre ambiental da história do Brasil, é o da provisão de moradias em larga escala e em locais seguros, a partir da adoção de soluções técnicas que não repitam os erros do passado. O desastre ambiental provocado pelas chuvas torrenciais que devastaram a região serrana fluminense, em janeiro deste ano, colocou em foco na mídia mundial a situação de vulnerabilidade em que se encontram nossas cidades, em razão de um desenvolvimento urbano pautado na sobreposição de interesses individuais sobre os da coletividade, trazendo à tona a urgência de reformularmos radicalmente a maneira como nos relacionamos com o nosso habitat. Apesar das tragédias como essa repetirem-se, ano após ano, com frequência e intensidade crescentes, pode-se constatar que as ações do poder público têm se limitado a seus aspectos emergenciais, não resolvendo a questão em termos estruturais.
O Nova Friburgo em Transição (1) tem como propósito inserir o município no Movimento Mundial das Cidades em Transição (Transition Towns), a partir da articulação da sociedade civil organizada e o poder público, para a realização das mudanças necessárias para que a cidade atinja uma situação de sustentabilidade urbana, tornando-se menos vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas, crise econômica e/ou energética. Entendemos que todo momento de crise é, também, um momento de novas oportunidades e de possibilidade de correção de rumos. Não se trata, portanto, de apenas construir casas para os desabrigados, mas de repensar essas cidades sob novos enfoques, construindo, ao invés dos imensos conjuntos habitacionais situados em áreas distantes dos locais de trabalhos, bairros planejados sob a perspectiva de criação de ecossistemas sustentáveis.
A proposta básica do movimento é a realização de um projeto-piloto de um ecobairro, de forma que essa experiência possa ser replicada em outros lugares, estimulando uma mudança radical no modelo de urbanização vigente, e promovendo uma repercussão positiva mais imediata em direção à transição desejada, do que apenas a aplicação de uma legislação urbanística que, embora indispensável, apresenta resultados num horizonte mais a longo prazo.
O projeto desse ecobairro poderia ser realizado a partir de um concurso nacional de ideias, onde os primeiros colocados participariam, de forma colaborativa, no desenvolvimento do projeto, a partir de um termo de referência elaborado por uma equipe técnica transdisciplinar (arquitetos, sociólogos, geólogos, engenheiros, geógrafos, antropólogos, economistas, etc.) e representantes dos futuros moradores. Paralelamente, seriam realizadas amplas campanhas ecopedagógicas, especialmente com a população-alvo do projeto (desabrigados e moradores de áreas de risco). Na região existem institutos e oficinas-escolas como o TIBÁ (Instituto de Tecnologia Intuitiva e Bio-Arquitetura), o Instituto Pindorama, o Bambu-Rio, o CECNA (Centros de Estudos e Conservação da Natureza), a Oficina-Escola “As Mãos de Luz”, a Escola da Mata Atlântica etc., que poderiam promover a capacitação de jovens voluntários para trabalhar, sob a orientação de arquitetos e engenheiros, na construção das novas edificações e infraestruturas urbanas, mediante a aplicação de tecnologias sustentáveis e princípios ecológicos como a permacultura.
Numa perspectiva de inversão da atual tendência de urbanização extensiva e predatória, esse novo assentamento urbano deveria ser um ecobairro vertical, dentro da concepção de “cidade compacta”, com uma qualidade urbanística similar à das superquadras de Brasília, mas com várias diferenças:
1. O sistema de circulação deverá privilegiar os pedestres (com calçadas largas e espaços públicos atrativos), os ciclistas (com uma ampla rede de ciclovias e bicicletários públicos), e o transporte coletivo de massa (movido à eletricidade ou biocombustível);
2. A implantação urbanística deverá se adequar as características geomorfológicas locais, tirando partido das declividades topográficas, no intuito de se evitar o uso de elevadores (vide exemplo do Conjunto Pedregulho, de autoria do arquiteto Reidy) e movimentos de terra, através do uso de pilotis;
3. emprego de materiais locais e ecotécnicas construtivas, respeitando-se as características geográficas e culturais do lugar e dos futuros moradores;
4. Utilização de energias limpas e renováveis, tratamento biológico do esgoto, separação e reciclagem do lixo, paisagismo produtivo, hortas orgânicas, agroflorestas etc.
5. Capacitação de jovens voluntários para trabalhar na construção das edificações e infraestruturas urbanas (a exemplo do Movimento Oasis, em Santa Catarina).
A ideia fundamental é a criação coletiva de uma experiência modelo, radicalmente nova em relação ao status vigente, e que sirva de referência na transição do atual padrão de urbanização predatório e caótico para um modelo de desenvolvimento sustentável, numa espécie de metástase benigna. O momento é altamente oportuno para a concretização dessa proposta, que vem de encontro à realização da Conferência Rio+20 no próximo ano, quando o Rio de Janeiro estará recebendo ambientalistas do mundo inteiro para avaliar os avanços da ECO-92.
Para concluir, podemos acrescentar que a perspectiva de uma transição para um modelo urbano sustentável envolve também, e necessariamente, a transição dos atores sociais, mediante a integração de valores como a cooperação, a convivialidade, a solidariedade, a criatividade e a consciência de pertencimento ao planeta, sob pena de inviabilizarmos a continuidade da vida na Terra.
nota
1
Movimento “Nova Friburgo em Transição”, Nova Friburgo, julho de 2011. Organização de Sandra Mara Ortegosa. Disponibilizado em Facebook Group <www.facebook.com/groups/friburgo.em.transicao>.