In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.
português
Problema na história recente dos museus, como não ter acervo e nem projeto de curadoria, faz a instituição procurar soluções para justificar à sua criação
(ALMANDRADE), Antônio Luiz M. de Andrade. Um museu à deriva e uma cidade sem olhar. Museu Rodin de Salvador. Minha Cidade, São Paulo, ano 13, n. 147.05, Vitruvius, out. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/13.147/4520>.
A iniciativa do Secretário de Cultura e do Departamento de Museus em ouvir artistas e agentes do circuito de arte para encontrar uma saída para um museu é um modelo viável de compartilhar responsabilidades. Com a devolução das obras de Rodin, o Palacete das Artes – Museu Rodin, sem acervo, solicita uma solução para se justificar como instituição museológica. Inaugurado, sem projeto curatorial, para abrigar peças do escultor francês Auguste Rodin, sobreviveu alheio a qualquer perspectiva de curadoria, a depender sempre de onde sopra o vento. Com uma programação de exposições desarticuladas, sem desconhecer a qualidade de muitas delas, parece mais uma luxuosa casa de eventos culturais que mostra joias e bijuterias, numa cidade com bastante luminosidade e um olhar míope.
O Museu Rodin não é um caso isolado na história recente dos museus. Muitos foram criados no mundo inteiro nos últimos anos, sem nem ao menos saber o que se colocar dentro deles, verdadeiras casas de espetáculo. Vivemos no século dos museus, nunca eles foram tão referendados, celebrados e reproduzidos através de filiais em diferentes cidades e países. Não estamos mais nos tempos das vanguardas rebeldes, nos tempos de Maiakovsky, por exemplo: “Está na hora que os projéteis e as bombas batam nas paredes dos museus”. Atualmente, eles são sempre bem vindos, são eles que certificam a autenticidade da experiência artística.
Atravessamos um estágio de carência, revolta, desconfiança e descontentamento com a política cultural e as poucas iniciativas do Estado. Nesse cenário, qualquer reunião com os representantes oficiais, gestores da cultura e produtores de artes visuais é transformada numa arena de reclamações e reivindicações que vão além da pauta. É hora de aproveitar a oportunidade para emitir suas verdades. Perguntas e sugestões são muitas, às vezes marcadas pela emoção e pela ansiedade. Pensar sentado numa platéia não é tarefa fácil para o artista plástico acostumado na rotineira solidão do atelier, com a única companhia do trabalho que fala sem fazer ruído.
É nesse lugar de solidão e silêncio, depois do encontro público, que é possível pensar, avaliar e opinar a respeito do que veio à tona, até ao que escapa ao tema. Estamos às voltas com a aplicação de uma lei que garante a inclusão de uma obra de arte na edificação de um prédio. Mas sem desejo, sem vontade de ver, é uma imposição que resulta em fracasso. Quantos murais em edifícios deixaram de ser vistos? E se não são vistos, não existem. É um cego chamado Jorge Luis Borges quem diz: “Eu sou o único espectador desta rua: se eu deixar de ver, ela morrerá.” No hall de um cinema no centro da cidade, uma obra de arte existe atrás do cartaz do cinema. Ninguém percebe. Nem a arquitetura resistiu ao empreendimento imobiliário.
No interior de um Banco, na rua Chile, uma das mais importantes obras de arte do mais baiano dos artistas, o argentino Carybé, não está visível, a impressão é que ela é um incômodo para a instituição. Um mural localizado nos limites da antiga capital do país, fundada pelo governador geral Tomé de Souza, com uma iconografia que faz referência à história do Brasil e da Bahia, com um domínio técnico e tratamento conceitual que surpreende a arte contemporânea, termina numa parede perpendicular, transparente, com uma vista para a Baía de Todos os Santos, principal porta de entrada da velha capital. O mural é um rico objeto para uma tese acadêmica. Que privilégio e sabedoria desse artista e quanta ignorância de nossa geração que não sabe olhar.
Diante desses achados, não sei se a lei é o caminho… Voltando ao tema da ocupação do Museu Rodin, a ideia de uma galeria permanente da arte baiana deve ser descartada, esta é uma atribuição do Museu da Cidade, que conta com uma pinacoteca de artistas baianos, embora sem uma coleção representativa e em péssimas instalações. É uma outra questão que pertence a Prefeitura Municipal e à comunidade que se omite. Ocupar com esculturas de artistas baianos disponíveis nas coleções dos museus do Estado, no lugar das obras de Rodin, é uma opção possível, a meu ver, com um projeto expográfico e uma curadoria capaz de fazer o diálogo dessas esculturas com o espaço. Afinal, o museu não é também um lugar de confronto de histórias?
Por que também não se esboçar um projeto curatorial emergencial pra o anexo do Museu Rodin a partir das reivindicações e sugestões de artistas e agentes do circuito? As falas, depois de garimpadas e filtradas, apontam para a necessidade de iniciativas por parte da instituição, para que ela não seja o receptáculo de atendimento de demandas. As opções estão no ar, uma série de mostras coletivas que façam um panorama da arte na Bahia com a análise do contexto, pode ser uma alternativa. Compete ao Estado avaliar, principalmente, sua política de editais e investir nos museus para que eles cumpram sua função junto à sociedade.
nota
NE
Publicação original do artigo: ALMANDRADE. Um museu à deriva e uma cidade sem olhar. A Tarde, Salvador, Caderno 2+, 05 set. 2012, p. 3.
sobre o autor
Antônio Luiz M. de Andrade (Almandrade), artista plástico, poeta e arquiteto, é integrante do Conselho de Cultura da Bahia.