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my city ISSN 1982-9922

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Originalmente refúgio de imigrantes europeus em busca de clima mais frio, Monte Verde tornou-se nas últimas décadas em destino turístico. Com o festival Move Cine Arte, surge novas possibilidades de se criar uma identidade cultural.

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GUERRA, Abilio. Monte Verde. De santuário de imigrantes a refúgio de cinéfilos. Minha Cidade, São Paulo, ano 13, n. 148.04, Vitruvius, nov. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/13.148/4576>.



Monte Verde, distrito do município de Camanducaia, situa-se em região montanhosa do sul do estado de Minas Gerais, a quase 1600 metros de altitude. Os pioneiros são os Grinberg – o casal Verner e Emília –, que veio para os Campos do Jaguari em 1936, em busca de um clima e de uma paisagem semelhantes ao de sua terra natal, a Letônia. Ambos chegaram crianças ao Brasil, em uma leva de imigração do leste europeu, e, ao casar, passaram a lua de mel em Campos do Jordão, quando descobriram que a diversidade geográfica brasileira poderia abrigar um refúgio que os lembrassem o país natal. Monte Verde – com seus ipês, carvalhos, araucárias e cedros, com seus verões amenos e chuvosos e seus invernos frios e pouco secos – lhes pareceu o locus ideal. Então, em terrenos quase inacessíveis montaram sua fazenda. Amigos de origem europeia os seguiram nos anos seguintes, dando origem à vila atual (1).

A primeira vez que fui com minha família a Monte Verde, há quase vinte anos, aproveitamos a oportunidade para visitar o casal Bok, migrantes da Europa central fugidos do comunismo, que moraram em São Paulo durante anos e depois foram se refugiar na região mais fria, que os permitiu viver a velhice em um local que deixava acesa a memória da Tchecoslováquia de suas infâncias. Seu Bok era muito amigo do meu sogro – trabalharam juntos em uma grande multinacional alemã – e foi muito fácil encontrar o casal, primeiro no apiário em uma encosta bem alta, onde o velho mantinha-se ativo economicamente, mas no ritmo adequado a sua condição de aposentado; depois na casa da família, onde a velha preparou quitutes para as crianças.

As duas décadas passadas arrefeceram a amizade. Ao voltar à região, quisemos rever o casal Bok, para restabelecer o contato e comunicar o falecimento do meu sogro. As pistas que tínhamos, mantidas intactas na memória de minha esposa, eram a casa em formato de chalé e as proximidades do cemitério e do hotel Cabeça de Boi. Andamos pelas proximidades e quando já estávamos desistindo de encontrá-los, abriu-se uma porta de um chalé e dele saiu um casal de meia idade, provavelmente curiosos com os forasteiros na rua deserta. Descobrimos na hora que estávamos na frente do local procurado, agora convertida em casa de inverno de um casal paulistano, que o velho tcheco tinha falecido há dois anos, que sua esposa tinha mudado para Ouro Fino, onde mora atualmente com seu filho. Monte Verde já não era mais o refúgio dos Bok.

Mas também não é mais refúgio dos letões, russos, tchecos e demais migrantes do leste europeu... A primeira geração foi dizimada pelo tempo e os poucos que restam já não são os maiores protagonistas do cotidiano local. Seus filhos e netos aos poucos se acostumaram, em um primeiro momento, a conviver com moradores de cidades maiores – São Paulo, em especial, devido à proximidade – que compraram terrenos para construir casas de final de semana. Depois, em um segundo momento, a dividir os espaços com levas crescentes de turistas.

A rua central da vila hoje pouco mantém do aspecto original, pois se converteu em uma sucessão de restaurantes, cafés, lojas de produtos artesanais e pequenos shoppings centers. A localidade se ajustou ao turismo, dele tira seu sustento. Por todo lado se constata isso: aluguel de cavalos, bicicletas e quadrimotores; passeios pela região em ônibus turísticos abertos; programas de aventuras em trilhas e pequenos rios da região; cafés em mirantes naturais; hotéis e pousadas espalhados pelos quatro quadrantes nas imediações do centro. O turismo, dessa forma, cumpre seu papel homogeneizador, suprimindo aos poucos da cultura local seus aspectos pitorescos e seu caráter original estrangeiro. A arquitetura falsa e pouco inspiradora colaborou para isso. Restou a paisagem natural, em grande parte preservada; e o clima, ameno no verão e frio no inverno, suficiente para os vinhos e fondues.

A transformação paulatina de local de refúgio em ponto de encontro de turistas de finais de semana implica em uma perda irreparável da condição original. O santuário desapareceu para sempre. Contudo, o vácuo espiritual que se formou poderá ser ocupado por novas atividades que complementem e sofistiquem o turismo vigente. Uma delas surgiu recentemente e tem o potencial de, nos próximos anos, conferir um novo caráter à região. Há meio ano, o cineasta André Costa, visitando seu tio morador de Monte Verde, ouviu uma convocatória do dono de um restaurante local – “André, faça alguma coisa interessante por aqui!” –, apelo respondido rapidamente com a organização de uma mostra de cinema.

Silvana Romano, Caio Guerra e Helena Guerra, equipe do portal Vitruvius, Move Cine Arte – Festival Internacional de Monte Verde
Foto Thalles Garbin

No dia 17 de novembro teve lugar na Chácara Adélia a última sessão de cinema do festival Move Cine Arte. Na ocasião, o júri formado por Chris Mello, Reinaldo Cardenuto, Simone Molitor anunciou os filmes premiados (2). Durante três dias, cerca de duas dezenas de curtas, médias e longas foram exibidos nesta e em outras duas salas improvisadas de cinema (nos hotéis Meissner Hof e St. Michel). O público relativamente pequeno – uma média de 35 pessoas nas sessões vespertinas e 120 nas sessões noturnas –, mas seleto – era possível ver os diretores Ugo Giorgetti, Marcela Lordy e Marcelo Grabowsky debatendo calorosamente os filmes nos bate-papos ao final das projeções –, apreciou uma mostra com um recorte inusitado dentre os vários festivais brasileiros dedicados ao cinema. Nas palavras do curador André Costa,

“O Move Cine Arte é a primeira janela exclusiva para filmes documentais ou ficcionais relacionados às mais diversas linguagens artísticas: pintura, dança, arquitetura, design, teatro, performance, fotografia e tantas outras. Alinhado a um grupo de festivais que possuem uma proposta parecida em outros países do mundo, o Move pretende exibir filmes inventivos na relação entre cinema e as outras artes” (3)

O mix proposto pelo curador André Costa e pela diretora Tassia Quirino para a primeira edição do festival foi muito feliz: filmes de variada metragem nacionais e estrangeiros cuidadosamente selecionados, abordando dança (4), fotografia (5), artes plásticas (6), arquitetura (7), grafite (8), teatro (9), design (10) ou o próprio cinema (11); salas improvisadas, duas delas apresentando layout peculiar, com sofás confortáveis e mesas com cadeiras; presença de críticos, cineastas e público entendido do assunto, em conversa animada regada com vinho ao final das exibições. O ar meio caseiro do evento e a hospitalidade da comunidade local colaboraram muito para a convivência intensa e fraternal durante os três dias de programação ao ponto dos debates se prolongarem nas mesas dos restaurantes locais durante o jantar.

Descida a metafórica cortina de encerramento do festival, cabe aqui, em balanço preliminar, um prognóstico que expressa uma aposta e uma torcida particulares: Monte Verde está diante de um evento cultural que poderá, em pouquíssimos anos, conferir uma nova vocação para a cidade. Quem sabe o antigo santuário de imigrantes não se transforme em um refúgio de apreciadores do bom cinema. Parodiando o coreógrafo espanhol Nacho Duato, em palavras de incentivo aos seus bailarinos prestes a entrar no palco (12), “merda” para o Move Cine Festival!

Caio Guerra gravando entrevista com o curador André Costa, Move Cine Arte – Festival Internacional de Monte Verde
Foto Thalles Garbin

notas

NE
Abilio Guerra esteve em Monte Verde como convidado do Move Cine Arte e ficou hospedado no Green Village Hotel.

1
Informações obtidas no Wikipedia e no website oficial de Monte Verde.

2
Prêmios da primeira edição do Move Cine Festival: Menção Especial: “Sobre suas cidades, a grama crescerá”, de Sophie Fiennes, Inglaterra; Prêmio Move Cine Arte – Diálogos Fronteriços: “Testemunha 4”, de Marcelo Grabowisky, Brasil; Prêmio Move Cine Arte – Poéticas Investigativas: “Shoot Yourself”, de Paula Alzugaray e Ricardo Van Steen, Brasil; Prêmio Move Cine Arte – Ensaio de Arte: “Opalka – Uma vida, uma obra”, de Andrzej Sapija, Polônia; Prêmio Move Cine Arte – Melhor Filme: “A Arca do Éden”, de Marcelo Felix, Portugal.

3
COSTA, André. Festival. Website oficial do Move Cine Arte – Festival Internacional de Monte Verde <www.movecinearte.com.br>. Ver também a página no Facebook com informações gerais do evento: <www.facebook.com/MoveCineArte>.

4
“Danse la Danse, Nacho Duato”, de Alain Deymier, Espanha e França, documentário, 2012, 66’; “Vida em movimento”, de Bryan Mason e Sophie Hyde, Austrália, documentário, 2011, 79’.

5
“Shoot Yourself”, de Paula Alzugaray e Ricardo Van Steen, Brasil, 2011, 69′; “A maleta Mexicana”, de Trisha Ziff, México e Espanha, 2011, 89’; “Haruo Ohara” de Rodrigo Grota, Brasil, 2010, 16′.

6
“Ouvir o Rio: Uma Escultura Sonora de Cildo Meireles”, de Marcela Lordy, Brasil, 2012, 79′; “Objeto sem corpo”, de Fabrizio Saiu e Paolo Asaro, Itália, documentário, 2011, 14′; O ano em que fizemos contato | Erly Vieira Jr, Brasil, 2010, 19′; “Opalka – Uma vida, uma obra”, de Andrzej Sapija, Polônia, documentário 2011, 54’; “Primeiras Trevas”, de Denise Wyllie e Clare O Hagan, Inglaterra, documentário, 2010, 8’; “Andrej”, de Victor Asliuk, Bielorussia, documentário, 2010, 20′.

7
Dois filmes tematizavam diretamente a arquitetura e o urbanismo: “Meu Playground”, de Kaspar Astrup Schröder, Dinarmarca, 2010, documentário, 50’; “Christian de Portzamparc, um arquiteto em movimento”, de Daniel Ablin, França, 2010, 52’

8
“#”, de André Farkas e Arthur Guttilla, Brasil, ficção, 2011, 9′.

9
“Testemunha 4”, de Marcelo Grabowsky, Brasil, 2011, 70′.

10
“A linguagem visual de Herbert Matter”, de Reto Caduff, Suiça, documentário, 2011, 78’;

11
“A Arca do Éden”, de Marcelo Felix, Portugal, filme poema, 2011, 80’.

12
“Danse la Danse, Nacho Duato”, de Alain Deymier.

sobre o autor

Abilio Guerra é arquiteto, professor da graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie, editor do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.

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