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português
Artigo discute o Novo Plano Diretor de Araraquara (SP) no contexto de crescente inserção no processo de desconcentração industrial sob o ponto de vista de implicações ambientais para o planejamento territorial.
english
Article discusses the New Master Plan of Araraquara (SP) in the context of increasing participation in the process of industrial decentralization from the point of view of environmental implications for territorial planning.
español
El artículo analiza el nuevo Plan Director de Araraquara (SP) en el contexto del aumento de la participación en el proceso de descentralización industrial desde el punto de vista de las implicaciones ambientales para la planificación territorial.
MICHELUTTI CHELIZ, Pedro; DE OLIVEIRA, Regina Celia. Terceiro milênio e velhos conflitos: o novo plano diretor de Araraquara. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 157.02, Vitruvius, ago. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.157/4838>.
Aspectos gerais
Princípio do terceiro milênio, proliferam-se incertezas múltiplas no quadro das cidades brasileiras – velhos conflitos intensificam-se em novas roupagens e com diferenciados agentes em ação. Neste sentido cabe destacar a proliferação do processo de desconcentração industrial – dispersão de instalações urbano-industriais diversas antes excessivamente concentradas em grandes centros – pelas cidades médias do Oeste Paulista.
Cabe citar neste quadro a cidade de Araraquara como sintomática da problemática em questão. Seus cerca de 210000 habitantes e 65000 edificações entrecortadas por múltiplas ruas, avenidas e ferrovias cercados por amplas plantações de cana-de-açucar pouco lembram o discreto encrave de povoação em meio aos então desconhecidos Campos de Araraquara erguido ainda no século XVIII.
A antiga cidade paulista que herda o nome da região histórica na qual emergiu como núcleo pioneiro encontra-se neste inicio de terceiro milênio as portas de amplas transformações no seu quadro paisagístico. Uma das atuais capitais regionais do estado de São Paulo, vem mergulhado nos últimos meses em polêmicas discussões em torno da revisão do seu Plano Diretor. No pano de fundo desta discussão está sua maior inserção na desconcentração industrial em curso, potencializada por se localizar no centro geográfico do Estado de São Paulo.
A revisão do Plano Diretor de Araraquara envolve discussão complexa que se ramifica em inúmeros e intricados aspectos que deveriam ser adequadamente ponderados. Dentre os temas destaca-se a temática do meio ambiente e de relações das bases físico-ambientais municipais com o processo de transformações de uso dos solos e planejamento urbano. Expomos aqui breve síntese de pesquisas desenvolvidas por grupo de pesquisadores do Instituto de Geociências da UNICAMP entre 2008 e 2012 como proposta de contribuição ao debate.
Bases físico-ambientais e quadros de ocupação
Ao considerarmos dados levantados referentes às bases geológicas e geomorfológicas do município acreditamos ser adequado dividi-lo em três grandes compartimentos morfo-geológicos – ver tabela 1 e figuras 1 e 2 – com diferenciadas implicações para superimposição de quadros de ocupação humana.
·Planaltos Residuais (670-720 m): correspondem a associações morfológicas de interflúvios aplainados e semi-aplainados com inclinações médias inferiores a 3 graus e vertentes suavizadas marcadas por inclinações médias entre 3 e 7 graus contidos majoritariamente entre as cotas topográficas de 670 e 720 metros. Destaca-se ainda por conter grandemente o divisor hidrográfico entre as duas principais bacias hidrográficas regionais.
Seus atributos morfo-geológicos tornam as Terras Altas muito propícias para a instalação de amplas estruturas urbanas. Não por acaso foi este o compartimento responsável por abrigar o sítio urbano original da cidade e suas instalações pioneiras como a Estação Ferroviária e a Igreja Matriz. Foi nele também que se deu majoritariamente a expansão urbana ao longo dos séculos XX e XXI concentrando amplas extensões de áreas de usos mistos horizontalizados, segmentos de verticalização crescente, distritos industriais diversos e mais recentemente enclaves fortificados de condomínios fechados cortando e envolvendo setores diversos da mancha urbana.
·Patamares Transicionais (520-670 m): trata-se de compartimento morfo-geológico constituído por série de vertentes majoritariamente de média e alta inclinação (predominantemente de declividade entre 3 e 40%), feições morfotectônicas de deformação intraplaca, enxutos patamares aplainados e ocasionais morros residuais.
Abrange o maior intervalo altimétrico das unidades deste estudo, estando contido entre as cotas altimétricas de 670 e 520 metros. Pauta-se por padrão morfológico marcado por maiores declividades médias quando comparado aos demais compartimentos. Concentra unidades rurais pioneiras – hoje majoritariamente tomadas por plantações de cana-de-açucar - face ampla extensão dos latossolos popularmente conhecidos como Terra Roxa, de cuja extraordinária fertilidade Araraquara deve seu impulso agrário primordial.
·Planícies e Baixos Terraços Fluviais de Araraquara (520-540 m): caracterizam-se pela alternância de amplos terraços fluviais e planícies de inundação de declividade médias abaixo de 5% contidos majoritariamente entre as cotas topográficas de 520 e 540 metros bem como por pontuais morros residuais.
Atributos naturais da unidade não chamaram a atenção dos povoadores pioneiros dos séculos XVIII e IXX para estruturas urbanas e mesmo ocupação agrária se deu de forma tardia, ainda que tenha tido destaque para as populações precursoras ameríndias – são em suas imediações que se encontram alguns dos mais ricos e antigos sítios arqueológicos regionais.
Sugestões para o novo Plano Diretor por meio das bases físico-ambientais municipais
- Reconsiderar áreas previstas como Zonas de Expansão Urbana divulgadas nos documentos da revisão do Plano Diretor em discussão: muitos municípios no Brasil encontram sérias dificuldades para a expansão de suas manchas urbanas pois não contam com extensões de áreas adequadas a implantação de estruturas de suporte urbano. Das velhas cidades mineiras do Quadrilátero Ferrífero que são forçadas a se sobreporem as íngremes encostas de morros de embasamento pré-cambriano a grandes cidades litorâneas como o Rio de Janeiro que comprimidas entre serranias e oceanos tantas vezes necessitam disputar espaço com o próprio mar por meio de aterramentos para liberar novas áreas para necessidades urbanísticas.
Neste sentido Araraquara encontra-se em cenário privilegiado, pois conta com amplas extensões de terrenos adequados e de baixa criticidade ambiental representada pela maior parte das extensões dos Planaltos Residuais. Excetuando-se suas áreas de mananciais, os Planaltos Residuais tem disponíveis amplas extensões de baixa criticidade ambiental disponíveis a incorporação pelos quadros urbanos.
O Plano Diretor de 2013 em discussão propõe o instrumento das Zonas de Expansão Urbana que englobam os Patamares Transicionais. Consideramos esta decisão inadequada: não existe sentido em promover a expansão do município para áreas de maior criticidade ambiental quando existem outras de menor potencial de riscos e inclusive mais próximas das estruturas de lazer, saúde e trabalho já existentes. Em verdade no presente momento não consideramos nem mesmo necessário a adoção de Zonas de Expansão Urbana – análise de imagens de satélite Landsat demonstram que existem ainda significativos espaços na atual zona urbana que não correspondem a áreas de proteção ou de sensibilidade ambiental que podem ser usados para as necessidades de expansão de curto e médio prazo de Araraquara.
Cabe citar também que Araraquara já encontra-se em conurbação – abrangendo justamente a área com maior concentração de mananciais locais - com a vizinha Américo Brasiliense. Os mecanismos do Novo Plano estimulam tal processo e os propagam a outras áreas, como o distrito de Bueno de Andrada. Seria interessante que o Novo Plano Diretor tomasse medidas para mitigar a conurbação com municípios e distritos vizinhos e não estimulá-la haja visto os conhecidos malefícios deste processo - – tais como pioras das condições microclimáticas e agravamento da problemática do volume de escoamento superficial.
- Reconsiderar ampliação de porcentuais de máxima ocupação em discussão para Plano Diretor, sobretudo na Bacia do Ouro: O Plano Diretor de 2013 prevê amplos aumentos dos porcentuais máximos de ocupação, chegando em setores diversos da Bacia do Ouro a atingir índices de 80%. Também prevê flexibilização ampla dos limites de verticalização existentes anteriormente superando mesmo capitais estaduais como Porto Alegre de acordo com carta-aberto do Instituto de Arquitetos do Brasil. Do ponto de vista das geociências consideramos estas medidas preocupantes pois mesmo no presente momento a dinâmica da fisiologia da paisagem no que se refere ao escoamento superficial encontra-se já em estado crítico, sobretudo no trecho da Bacia do Ouro com fluxo de matéria orientado para a Via Expressa – uma das principais avenidas da cidade que mesmo nos dias de hoje enfrenta graves problemas com enchentes urbanas.
Cumpre considerar que a expansão urbana para áreas que atualmente não apresentam problemas de enchentes devem tomar medidas para evitar que elas não sejam acirradas além do necessário. Inclui-se neste sentido desde evitar construir novas avenidas arteriais ou vias expressas de fundo de vale (que podem ser substituídas por vias de topo de vale ou de média vertente) e realizar o traçado das vias de forma a inibir acumulação de energia cinética das águas.
Conclusão
A análise do novo Plano Diretor de Araraquara mostra claramente que as bases físico-ambientais do município foram negligenciadas em sua elaboração. Ainda em que em sua redação mencione-se inúmeras vezes a necessidade do “desenvolvimento sustentável” muitas de suas propostas centrais vão de encontro direto aos atributos essenciais das bases naturais do município. O próprio material cartográfico divulgado encontra-se ainda com significativos erros técnicos que incluem a área ambiental, que variam desde mapas ilegíveis ou sem quadro de legendas minimamente completos a informações contraditórias e com múltiplos lapsos no que se refere ao quadro da drenagem municipal. Outros dados correlatos – como o fato de prever apenas 5 Áreas Especiais de Interesse Social, algumas delas inclusive em áreas de alta criticidade ambiental, numa cidade de conhecido déficit habitacional acumulado – se somam as fragilidades múltiplas do material divulgado.
Está a se perder a chance de amenizar impactos ambientais futuros decorrentes da maior inserção do município na desconcentração industrial. Esperamos que a sociedade de Araraquara, em especial os atuais vereadores, considerem estes aspectos ao avaliarem o Novo Plano. Cabe lembrar as palavras do renomado geógrafo João Dias da Silveira, válidas já para 1950 quando foram proferidas e ainda muito verdadeiras para 2013: “Projetos de planejamento que não levem em conta as bases ambientais locais são muito propensos ao desastre”. Rogamos que Araraquara não se torne mais um triste exemplo de cidade que negligenciou o cuidado com seu futuro devido a pressa de aplicar projetos de planejamento insuficientemente cuidadosos pautados por significativos lapsos técnicos.
sobre os autores
Pedro Michelutti Cheliz é bacharel em geografia (UNICAMP) com cursos diversos de especialização em geologia e planejamento ambiental. Atualmente é pesquisador pós-graduando no Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-UNICAMP)
Regina Celia de Oliveira é bacharel, Licenciada (UNESP), mestre (UFSCAR) e doutora em Geografia (UNESP). Atualmente é professora-doutora na área de geomorfologia e planejamento ambiental pelo Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-UNICAMP)