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Uma cidade que se preze exige cuidados permanentes com os seus espaços públicos. Nesse aspecto o Rio deixa muito a desejar. Se compararmos com outras cidades, tal comparação poderá nos matar de vergonha.
JANOT, Luiz Fernando. Para não morrer de vergonha. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 165.03, Vitruvius, abr. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.165/5128>.
Para o arquiteto italiano Aldo Rossi, a forma de uma cidade é a forma de um tempo da cidade sobre a qual se encontram muitos outros tempos incorporados. Tal como as obras arquitetônicas, as cidades são construções em grande escala que reproduzem no tempo e no espaço o conjunto das suas diversidades. A história mostra que à exceção das catástrofes da natureza ou das guerras avassaladoras, as cidades se modificam por decisões políticas, por interesses econômicos, por hábitos culturais e, sobretudo, pela intervenção cotidiana dos seus habitantes. São esses fatores que distinguem uma cidade das outras.
Diante de um mundo economicamente globalizado, as cidades passaram a estabelecer diretrizes para valorizar a sua imagem e despertar novas atratividades. Paris, Barcelona, Londres, Singapura, Dubai, entre outras, incorporaram à sua espacialidade essa nova realidade conjuntural. Neste momento, o Rio é a bola da vez. As suas extraordinárias belezas naturais, o seu espetacular carnaval, a realização da Copa do Mundo, as festividades pelos 450 anos da fundação da cidade e as Olimpíadas de 2016 deram ao Rio prestígio e destaque nacional e internacional.
A recente preocupação manifestada pelo Prefeito em relação à organização simultânea desses eventos é perfeitamente compreensível. Afinal, todo o cuidado é pouco para que não se repitam os erros do passado e os indesejáveis atropelos de última hora. Todavia, se focarmos os Jogos Olímpicos como o horizonte mais distante, perceberemos que ainda há muita coisa a fazer. Não apenas para cumprir as exigências do Comitê Olímpico Internacional, mas, sobretudo, para assegurar um verdadeiro e duradouro legado para a cidade.
Nessa perspectiva é preocupante observar que obras com a magnitude do Porto Maravilha tenham seus projetos urbanos tratados com extrema superficialidade. Isso se agrava na medida em que o poder público abriu mão do planejamento e gestão desse complexo espaço urbano ao transferir para um consórcio de empreiteiras a execução dessas tarefas. A tão discutida questão do deslocamento do píer para liberar a orla marítima para o livre acesso da população, ao que parece, foi relegada ao esquecimento. Ora, se não foi para criar um novo espaço público de convivência social, para que demolir o elevado e enterrar a via perimetral?
Ainda há tempo para corrigir este e outros tantos disparates que estão ocorrendo nas obras públicas que se espalham pela cidade. Por exemplo, ninguém merece o desvario das empresas concessionárias de serviços públicos – especialmente a CEDAE – que rasgam as ruas e calçadas sem a menor cerimônia e deixam a pavimentação repleta de remendos. Da mesma forma, ninguém merece esse programa “asfalto liso” que trata o recapeamento das ruas com camadas superpostas de asfalto que deixam os tampões de ferro afundados, os meios-fios enterrados e as calçadas sujeitas a alagamento. Ninguém merece, também, as podas predatórias que estão sendo feitas pela Light nas árvores da cidade. Muito menos o descaso diante da ocupação desordenada das calçadas que margeiam as favelas.
Uma cidade que se preze exige cuidados permanentes com os seus espaços públicos. Nesse aspecto o Rio deixa muito a desejar. Se compararmos com as cidades europeias ou mesmo com as nossas vizinhas Buenos Aires, Bogotá ou Santiago do Chile, tal comparação poderá nos matar de vergonha.
No Rio, infelizmente, ainda prevalece a postura ideológica que considera irrelevante investir recursos na melhoria da qualidade dos espaços públicos. Esse posicionamento leva a população a romper os seus vínculos de pertencimento com a cidade e a se eximir de compromissos solidários para a preservação dos espaços coletivos. Um modelo de planejamento urbano que envolva, efetivamente, a população nas decisões políticas sobre o futuro da cidade poderá ser a saída mais adequada para este momento que estamos vivendo.
nota
NE
Publicação original: JANOT, Luiz Fernando. Para não morrer de vergonha. O Globo, Rio de Janeiro, 15 mar. 2014.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.