A cidade de São Sebastião tem uma configuração linear limitada pelo oceano por um lado e o Parque da Serra do Mar pelo outro. De relevo acidentado e dotada de diversas praias ao longo de seus 180 km de comprimento, tem como vocação de desenvolvimento mais forte, nos dias de hoje, o veranismo.
Em 1960 foi elaborado um estudo de Plano Diretor para a cidade, que contou com o apoio técnico da Universidade de São Paulo, que não chegou a consolidar um processo de planejamento permanente no Município.
Em 1973 o Governo Federal contratou a Stet Internacional para elaborar o Projeto Turis, extremamente polêmico por seu cunho segregador, nunca tendo sido implantado, porém influenciou os projetos de loteamentos das grandes construtoras para município nesse período.
Apenas em 1997 foi elaborado um Plano Diretor para o município com conteúdo abrangente e completo, porém o dano provocado pelos quase 40 anos de falta de planejamento, já estava consolidado.
O primeiro plano diretor – 1960
O processo de planejamento em São Sebastião tem seus antecedentes na iniciativa de elaboração do Plano Diretor do Município de 1960. A elaboração do Plano, que contou com o apoio técnico do CPEU - Centro de Pesquisa e Estudos Urbanísticos da FAUUSP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - não chegou a consolidar um processo de planejamento permanente no Município. Como resultado mais concreto dessa iniciativa, deu-se a preparação e aprovação da Lei n.º 56/65, dispondo sobre uso do solo e outros aspectos urbanísticos, revogada, em 1978, pela Lei n.º 225/78, de 03 de maio de 1978.
Num período de treze anos, a região desenvolveu-se baseada na Lei n.º 56/65, que enfocava o centro apenas, deixando a cargo da iniciativa particular projetar as demais regiões como lhes melhor conviesse.
Esta deficiência na Lei n.º 56/65 abriu espaço para o aparecimento de projetos urbanos dos mais variados tipos, por todo o litoral de São Sebastião.
O projeto turis
O Projeto Turis, extremamente polêmico, que apesar de não ter sido aprovado, pode-se notar por análise crítica da ocupação atual das praias, influenciou o interesse imobiliário através dos anos.
Foi desenvolvido pela Scet International e sob a responsabilidade da Embratur em 1973, que previa até 1990 a construção de 775 mil habitações, englobando hotéis de luxo, hotéis de classe média, hotéis modestos, restaurantes, clubes, áreas de camping, cinemas e teatros.
O princípio metodológico fundamental deste projeto era aliar as demandas de um planejamento lógico, em nível global, aos interesses empresariais particulares.
Segundo este estudo, por ter uma economia precária, o turismo no local representava papel de maior poder de expansão da faixa de 500 km entre São Paulo e Rio de Janeiro.
O Projeto Turis apresentou um método de seleção que indicava uma vocação para que cada praia, analisando a qualidade da areia e sua vegetação. Julgava também a densidade de banhistas possibilitada pela praia, isto é: a qualidade da praia e do local, deveria ser diretamente proporcional ao nível de renda da clientela: uma fraca densidade de ocupação representava clientela de nível elevado e vice-versa. No caso específico deste litoral, foram adotadas três categorias: praias de densidades A, B e C respectivamente.
No primeiro caso (A) turismo de alto nível correspondente a localidades pequenas; o segundo (B), o aproveitamento poderia ser mais amplo, e uma clientela mais variada. Finalmente na categoria (C), menos atraentes, habilitadas as instalações de turismo econômico.
Além das categorias, a Sect-International estabeleceu também que a capacidade das praias e das áreas disponíveis em terrenos de vocação turística, constituíssem parâmetros essenciais para aquilatar o potencial turístico do litoral Rio- Santos.
Em suma, as possibilidades turísticas reais do litoral Rio-Santos segundo o projeto, se estabeleceram em torno de 775.000 leitos dos quais 42% deviam corresponder aos lazeres e ao turismo econômico, 42% a um turismo do tipo médio e 16% a um turismo de qualidade.
Estudo de caso
Analisando o estado atual das praias, apesar do Projeto Turis não ter sido implantado, podemos notar hoje, que existe sim uma grande diferença entre elas no aspecto ocupacional e social, notamos a existência de praias ocupadas pelo turismo econômico, assim como outras ocupadas pela elite.
Para ilustrar, podemos adotar o caso da praia de Toque Toque Pequeno que teve sua urbanização executada pela construtora Albuquerque Takaoka - a mesma do Alphaville, próximo à São Paulo.
A construtora comprou 80% dos terrenos dos caiçaras que povoavam o local na década de 1970, executando 4 grandes loteamentos que funcionam hoje como condomínios fechados. Pouco tempo atrás outra construtora adquiriu um grande terreno à beira mar e construiu um grande conjunto de casas de alto nível marcando assim o aparecimento do quinto condomínio da praia.
Os quatro condomínios executados pela Albuquerque Takaoka possuem terrenos grandes e recuos largos variando de 2 a 2,5m na laterais, 6m de frente e fundos 3, o que permite a construção de casas amplas e distantes umas entre as outras.
A estrada contorna a parte plana do bairro onde se encontram os condomínios dividindo a área em dois tipos completamente diferentes de ocupação. A urbanização da praia é voltada para o veranismo, pois possui apenas duas pousadas e dois restaurantes, não apresentando infraestrutura compatível com uma população fixa. O pequeno e único mercado é localizado na estrada assim como o ponto de ônibus, o que claramente demonstra que a infraestrutura local é voltada apenas para os proprietários dos imóveis de veraneio.
Não foi planejado pela construtora o manejamento de mão-de-obra, trazida de fora para a construção dos loteamentos. Muitos destes trabalhadores decidiram ficar na região por causa da demanda de construção civil, se instalando no morro do outro lado da estrada, ao lado dos caiçaras que venderam seus terrenos à beira-mar. Na época as habitações do morro eram irregulares e muitas foram construídas em área de risco, tendo a Prefeitura até hoje, problemas com novas habitações em área de preservação ambiental, acima da cota 100, que faz parte do Parque da Mata Atlântica.
O segundo plano diretor - 1997
No tocante ao veranismo, assunto de interesse neste artigo, o Plano Diretor de 1997 constatou que o desenvolvimento deu poder de comercialização a áreas agrícolas ou sem uso; incrementou os empregos nas áreas de construção civil e dos serviços; induziu o crescimento de um setor de ofertas gastronômicas, comerciais e de serviços com destaque para imobiliários e acrescentou demanda por empregos pouco qualificados.
Por outro lado, revelou suas fraquezas: excessivo comprometimento de espaço para urbanização e parcelamento, com baixa utilização; geração de grandes demandas de infraestrutura de saneamento, transportes e energia, para áreas que permanecem desocupadas na chamada “baixa estação”; geração de empregos limitada e irregular, com picos em épocas de implantação dos parcelamentos e das edificações, seguidos de quedas na consolidação dos assentamentos; e impacto elevado sobre o meio ambiente, em função de grande extensão das áreas naturais transformadas pelo parcelamento.
Considerações finais
O Plano Preliminar de 1960 abriu espaço para o desenvolvimento de uma forma livre e não sustentável. Esta liberdade provocou uma ocupação desigual e segregatória, influenciada pelas ideias apresentadas no Projetos Turis, que privilegiava o veranismo em detrimento do turismo de uma forma geral.
O veranismo é um turismo fortemente sazonal, concentrando na temporada de verão, e em alguns feriados, grandes fluxos de turistas que usualmente superam largamente a oferta local de infra-estrutura e serviços. A permanência no tempo deste perfil de utilização dos equipamentos turísticos gera distorções de preços e descontinuidade das vagas de trabalho, dificultando mesmo o desenvolvimento de uma indústria do turismo. (CUNHA, 1996)
É o que se observa em São Sebastião hoje: o incentivo ao veranismo gerou um crescimento desordenado que não está conseguindo ser contido pelos órgãos governamentais. A prefeitura mal consegue conter a ocupação ilegal do morro, assim como a Sabesp têm planos de expansão das redes de água e esgoto para apenas depois de 2018.
A segregação é clara, tendo como marco a estrada que corta os bairros em duas partes: A elite de um lado, e a população local de outro. Criou-se literalmente um muro entre as classes sociais, que pode ser observado em todas as praias que foram ocupadas pelas classes sociais mais altas.
referência bibliográfica
CUNHA, Icaro A. da.- Conflito ambiental na costa de São Paulo: o Plano Diretor de São Sebastião – Artigo - 2001
PLANO DIRETOR DE SÃO SEBASTIÃO, 1964. Diretrizes e propostas.
PLANO DIRETOR DE SÃO SEBASTIÃO, 1998. Diretrizes e propostas.
REVISTA PROJETO E CONSTRUÇÃO – no.28 – março/1973 – publicação controlada, distribuída para arquitetos e engenheiros de todo o país.
sobre a autora
Cristina Cardoso Sandoval é formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1998, possui Mestrado também no Mackenzie e MBA em Gerenciamento Costeiro e Portuário na UNISANTOS. Já trabalhou com projetos e obras públicas, particulares e institucionais. Tem experiência com arquitetura de interiores em Londres, Inglaterra. Atualmente leciona na Universidade Paulista – UNIP.