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A última matéria sobre o Parque Augusta no Vitruvius foi em janeiro de 2014. De lá para cá, apesar de o parque continuar fechado e parecer que não houve avanços nesta luta, muita coisa aconteceu.
AUGUSTA, Movimento Parque. O Parque Augusta e o impasse nosso de cada dia. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 169.03, Vitruvius, ago. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.169/5260>.
Ironicamente, cinco dias depois da sanção da lei de criação do Parque Augusta (principal estratégia jurídica do movimento até então para a legitimação do parque), ele foi fechado. É, no mínimo, contraditório que se lacre um espaço que nunca esteve fechado para a cidade (há uma passagem de servidão pública assegurada por decreto em sua escritura) exatamente por ocasião da autorização de sua criação por lei.
Dentro de uma estratégia de aceleração das negociações, os donos das construtoras Setin e Cyrela asseguraram que o parque existirá, mas com metade do terreno coberto por edifícios. Ou seja, a lei de criação do parque torna-se obsoleta, uma vez que, mesmo antes dessa lei ser criada, eles só poderiam construir em metade do terreno - pois o bosque, a parte que será preservada, é tombado pelo CONPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo).
Além disso, o projeto do empreendimento aprovado no CONPRESP em 2008 é absolutamente ilegal. Suas irregularidades vão desde do processo de aprovação (o projeto está sendo aprovado como se fosse uma reforma), passando pela violação de inúmeras leis urbanas e ambientais. Foram enviadas petições ao CONPRESP, ao Ministério Público Estadual e à Controladoria Geral do Município esclarecendo essas ilegalidades. Até o momento não recebemos resposta sobre o pedido de invalidação dessa aprovação, e nenhuma abertura para o diálogo.
Não há meios de dissuadir o poder público da construção de prédios nesta que é a última área permeável no centro da cidade, e que abriga a última reserva de Mata Atlântica. Para o poder público e privado isso não soa simbólico! A última, e fim! Nada disso importa: o terreno é privado, e aqui entramos no campo do sagrado.
Os avanços nas investigações jurídicas, nos âmbitos municipal, estadual e federal nos deram a certeza de que leis não faltam para garantir que esta área se torne pública e se livre do fantasma da construção dos prédios! Como bem afirma Ermínia Maricato: “Lei nós temos, plano nós temos, mas não aplicamos a função social da propriedade.” (1)
Esse é o impasse nosso de cada dia, do Parque Augusta em São Paulo, do Cais Estelita no Recife, das incontáveis ocupações de moradia no centro de São Paulo, do bairro Pinheirinho em São José dos Campos, da Favela do Moinho, da região do Isidoro em Belo Horizonte, entre tantas outras ocupações que traçam o panorama de lutas populares conscientes da questão fundiária como principal ponto de virada do capitalismo.
Com o poder público, as negociações chegaram a esse muro, tão sólido, ou mais, do que o muro que divide o Parque Augusta do resto da cidade. O movimento procura soluções que não colaborem com a especulação imobiliária e com o uso exploratório e capitalizado da terra urbana, mas para os nossos políticos essa lógica é impensável. Eles só sabem falar em dinheiro e reafirmar que o terreno é privado, alienando-se do interesse social centenário que a área possui.
Para apresentar esse impasse à cidade de São Paulo, o Movimento Parque Augusta propõe, no dia 24 de agosto, um Fórum. Nele, apresentaremos a seguinte questão à cidade: "Se a função social do terreno está assegurada por inúmeras leis, porque não avançamos na abertura do Parque?" (2)
O grupo que se reunia em assembleias públicas e horizontais dentro do Parque Augusta continua se reunindo, sem falta, todas as segundas-feiras na Praça Roosevelt, desde o fechamento dos portões. Esse grupo reconfigura-se de diversas maneiras, ora aumentando, ora diminuindo, mas sem se dispersar.
O Movimento Parque Augusta ajudou a dar vida ao "Buraco da Minhoca", nome do túnel que dá acesso ao Minhocão e que fica a poucos quarteirões do Parque. Este acesso viário, construído unicamente para automóveis, tem a passagem de carros interrompida todas as noites, às 21h30; no domingo, o dia todo. É neste momento que se abre um portal para a liberdade. Música, dança, saraus, graffiti, ressignificação do espaço público urbano!
A primeira incursão nesse espaço inusitado aconteceu em 25 de janeiro, aniversário de São Paulo e dia do primeiro ato contra a Copa do Mundo, que contou com forte e histórica repressão policial. Até hoje, o espaço vem sendo utilizado pela população.
Logo em seguida, fomos convidados a participar da ocupação daquela que hoje é a referência na cidade em ocupações culturais, a Casa Amarela. Participamos ativamente do início da ocupação e freqüentamos a casa enquanto indivíduos e enquanto movimento. Fizemos bloco de carnaval, músicas e muitas aventuras juntos! Seguimos em ação!
No fluxo de ocupação e ressignificação dos espaços públicos (ou que deveriam ser públicos) desencadeado na cidade, fomos parar na Praça Roosevelt. A praça, que antes era usada como base somente para skatistas e usuários de drogas, após uma reforma faraônica visando a sua desertificação, foi redescoberta por diversos coletivos, movimentos sociais, artistas circenses, músicos e cidadãos de todas as partes da cidade. Além das assembleias semanais do Parque Augusta acontecerem lá, também estamos envolvidos com as lutas pela liberdade da praça, ameaçada pelo projeto de gradeamento e instalação de uma base fixa da Polícia Militar. Pela primeira vez em sua história, a Praça Roosevelt desenvolve, além da sua vocação boêmia e cultural, um caráter de Ágora, com diversos movimentos sociais fazendo ali suas assembleias e debates. A resposta a estes intuitos autoritários e cerceadores é debate e festa!
De janeiro para cá fizemos a Peteca Livre, a Ciranda Livre, a Copa das Árvores, estivemos na Copa Rebelde, no Mutirão das Nascentes do Rio Iquiririm, criamos a Rede Novos Parques, produzimos uma revista de modo independente (3), participamos do evento “Multitudes” no Sesc Pompéia, nos reunimos com secretários, vereadores e figuras públicas, participamos ativamente das audiências do Plano Diretor, colocamos nosso site no ar, entre tantas outras atividades. Sendo assim, seguimos nos organizando, lutando, dialogando, questionando, criando e festejando, reforçando o caráter horizontal, transversal e plural da luta que não é só por um parque, é pelo direito à cidade e pelo direito ao exercício da desobediência e da espontaneidade civil. O Parque Augusta já existe enquanto símbolo, ideia e ação, na mente, no corpo e no espírito das pessoas que o constroem diariamente. O que nos falta é o parque existindo como espaço aberto à potencialização das vivências e encontros no centro da cidade.
Quando o Parque Augusta foi fechado, organizamos a série de eventos intitulados “A Rua Também é Parque”, todos em frente ao terreno. No entanto, de lá para cá, muitos outros lugares também viraram parque: ruas, praças, prédios, casarões abandonados, túneis, rios enterrados, terrenos baldios… Algo que não existe é o que estamos tentando criar. Estamos dispostos a pôr a mão na massa, a construir a cidade que queremos. Deixamos aqui avisado: é melhor que o parque abra logo, antes que a gente transforme a cidade inteira num parque!
notas
1
Ermínia Maricato. “Nossas cidades estão ficando inviáveis” (entrevista a Gilberto Maringoni). Portal Ipea Ano 8 . Edição 66 - 27/07/2011. <http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2508%3Acatid%3D28&Itemid=23>
2
O Fórum Parque Augusta acontece dia 24/08, às 14h, na Rua Gravataí (entre o Parque Augusta e a Praça Roosevelt). Evento no Facebook: <https://www.facebook.com/events/635292616585337/?ref=ts&fref=ts>
3
A revista do Parque Augusta pode ser acessada aqui: <http://issuu.com/organismopa/docs/revistaopa_1>
Vídeos para os eventos realizados pelo Movimento Parque Augusta: Ciranda Livre: <http://vimeo.com/94243054>; Carnaval e ciranda livre: <http://vimeo.com/96147022>; Site: <http://www.parqueaugusta.cc/>; O Funka da Especulação: <http://youtu.be/ZLCxL1LgBAo Facebook: <https://www.facebook.com/parqueaugustaja?ref=ts&fref=ts>.
sobre os autores
O Movimento Parque Augusta é um agrupamento apartidário, horizontal e heterogêneo com o objetivo específico de viabilizar a criação do Parque em São Paulo.