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GUERRA, Abilio. Uma visita rápida a Santiago do Chile. Encontro da Asociación de Revistas Latinoamericanas de Arquitectura. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 170.02, Vitruvius, set. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.170/5282>.
“Não podemos renunciar às revistas que queremos fazer”
Hernan Ascui, editor da revista Arquitecturas del Sur
Viagem rápida a Santiago, para o primeiro encontro da ARLA – Associação de Revistas Latino-americanas de Arquitetura (1). Ida na terça à tarde, retorno na sexta de manhã. Descontando os embaraços normais em aeroportos, dois dias de permanência, ou seja, poucas horas para repartir entre reuniões, apresentação, congraçamento com amigos e colegas e visita a três obras construídas após minha primeira viagem à cidade alguns anos atrás.
Da cidade no geral, a mesma impressão: muito bem acomodada em terreno plano com a bela cordilheira ao fundo, com um excelente padrão arquitetônico, mesmo em edifícios voltados para o mercado imobiliário. Os prédios habitacionais de altura média, com suas varandas generosas, são muito bonitos e harmoniosos. A novidade ostensiva é a Torre Costanera Center, um mega-edifício projetado pelo arquiteto argentino César Pelli e que é visível de praticamente toda a cidade por ultrapassar em muito o gabarito médio da cidade.
Comento antes as obras de arquitetura, mesmo que as visitas tenham ocorrido no segundo dia de atividades. Começo pela visita ao restaurante Mestizo, aonde fui almoçar com o amigo Patricio Mardones, editor-chefe da revista ARQ da PUC Chile. O projeto é de Smiljan Radic, um dos melhores arquitetos chilenos da atualidade. Ganhador de concurso público promovido pelo município de Vitacura em 2005, o projeto – inaugurado em 2007 – está situado no setor noroeste do belo Parque das Américas, projetado por Teodoro Fernández e construído ao longo da Avenida Bicentenário.
O restaurante está parcialmente camuflado na paisagem, situado em terreno rebaixado em relação à avenida, ladeado por um arrimo de concreto e em meio das pedras do terreno natural. O projeto é fundamentalmente uma laje estruturada por uma grelha de cor negra, apoiada sobre grandes pedras de granito, uma tectônica que funde o edifício ao sítio natural, ampliando-se a ilusão de ser um elemento da própria paisagem. Deixo o próprio arquiteto descrever e explicar seu belo projeto:
“colocamos vigas de concreto armado negro associadas às lajes do mesmo material e sua forma foi obtida a partir de alguns grafites urbanos. Estas lajes são o céu “falso” do recinto, e das vigas descem apoios que tocam, em lugares estratégicos, granitos de diversos tamanhos, alturas e pesos – até 10 toneladas. [...] o modelo é tributário dos primeiros pavilhões de Sverre Fehn e me atreveria a dizer que tem o mesmo sistema projetual que Josep Quetglas detecta em uma construção de B. Lubetkin, apenas que aqui no Chile as cariátides foram trocadas por granitos das cordilheiras” (2).
Na segunda visita tive como cicerone o arquiteto Marcelo Vizcaino, professor da Faculdade de Arquitetura, Arte e Desenho da Universidade Diego Portales e editor da revista 180. Na quinta de manhã visitamos o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, projeto do escritório brasileiro Estúdio América, assinado pelos arquitetos Lucas Fehr, Mário Figueroa e Carlos Dias (o “Lito”), e vencedor de concurso internacional de arquitetura promovido pela presidente da República Michelle Bachelet, em seu primeiro governo (2006-2010), via Ministério de Obras Públicas e Comissão Presidencial de Direitos Humanos.
O Museu está situado no bairro Yungay, que se caracteriza – ao menos no trecho que percorri – pela presença de habitações coletivas geminadas, construídas provavelmente no final do século 19 e primeira metade do século 20. São conjuntos homogêneos e, oscilando entre o bem e o mal conservado, ocupam terrenos frontais ao arruamento e miolos de quadras (com ou sem acesso de automóveis). O que chama a atenção é a pouca presença de pessoas nas ruas e o número expressivo de imóveis abandonados, alguns em ruínas. Marcelo, meu anfitrião, comentou que a população local, hoje bem envelhecida, é refratária às transformações da região, o que garante a preservação dos conjuntos e na configuração horizontal do bairro, mesmo que também implique na ausência de modernização e no ar de abandono.
O Museu em si é muito bonito e bem construído, como pude observar ao sair da estação de metrô Quinta Normal, situada ao lado da edificação. O conjunto edificado conta com três elementos facilmente identificáveis: a praça seca, conectada com o arruamento em três dos seus lados (o quarto lado faz divisória com terreno vazio, hoje demarcado por um tapume, onde deveria ser construído um pequeno bosque, dando conta justamente do que é flagrante ausência no conjunto – a arborização); o embasamento, composto de duas peças de concreto armado encravadas no solo, cujas faces anguladas e presença de espelho d’água em sua cobertura lembram a arquitetura moderna brasileira, em especial a de Paulo Mendes da Rocha; e o volume prismático de ferro e vidro, que se apoia nos extremos sobre o embasamento em concreto, deixando o vão central livre de cerca de 50 metros, conformando o percurso peatonal principal no nível térreo da praça. O destacado caráter urbano do conjunto está expresso no memorial do concurso:
“O Museu da Memória não será um monumento isolado, solto e sem responsabilidade urbana (e humana). Ao contrário, se constituirá em um elemento comprometido diretamente com a delimitação e caracterização deste novo espaço público da cidade de Santiago” (3).
O interior do edifício principal – o volume prismático em suspensão – é muito integrado, graças ao recorte das lajes de piso que resultam em átrio monumental e à ausência de espaços compartimentados em seus três pavimentos. A estrutura metálica periférica permite a liberação do vão maior livre entre os planos internos e as grandes faces de vidro voltadas para o exterior são protegidas por películas que calibram a entrada de raios solares e os planos internos de estrutura sustentam tabiques que acabam obscurecendo um pouco o interior, justamente onde estão posicionados os espaços expositivos maiores.
Os objetos e documentos presentes evocam o período convulsionado da história chilena, desde a carreira de Salvador Allende até o cargo maior no Palácio de La Moneda liderando a UP – Unidade Popular – e o desenlace dramático de seu suicídio durante o golpe militar, que resultou na ditadura sanguinária liderada por Pinochet. Os recortes de jornais são testemunhos da resistência armada da esquerda radical dos “miristas”, os membros do MIR – Movimiento de Izquierda Revolucionaria. Dentre os objetos do acervo estão ausentes os poucos pertences pessoais do presidente deposto, que se encontram no Museo de la Solidaridad Salvador Allende, localizado na Avenida da República próximo do complexo universitário privado, e que também pude visitar.
É justamente neste complexo – o chamado Bairro Universitário de Santiago (BUS), iniciativa de renovação urbana no âmbito de uma Parceria Público-Privada e o terceiro projeto que visitei – que se situam diversos edifícios da Universidade Diego Portales, o principal parceiro do empreendimento com seis edifícios construídos e/ou revitalizados entre os anos de 2003 e 2005 e que conformam um “campus urbano aberto à comunidade, inserido no tecido da cidade que interage com seus habitantes, no sentido de organizar e guiar esse setor autônomo que possuí interesses privados e públicos” (4).
Na verdade, na primeira vez que viajei ao Chile cheguei a visitar a área rapidamente, mas ela ainda estava em obras, mesmo estando os edifícios terminados e funcionando. A dupla de arquitetos Mathias Klotz, coordenador geral, e Ricardo Abuauad, um dos principais projetistas, são os principais responsáveis pelo projeto e construção do complexo; ambos são os grandes destaques da Faculdade de Arquitetura, Arte e Desenho da Universidade Diego Portales, onde ocupam cargos de direção e desempenham atividades docentes.
Foi justamente esta escola que abrigou o I Encontro da Associação de Revistas Latino-americanas de Arquitetura, que ocorreu de 11 a 14 de agosto de 2014, reunindo dezenas de editores e membros de 21 revistas de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México (5), sob a coordenação geral de Hernan Ascui, editor de Arquitecturas del Sur da Universidad del Bio-Bio do Chile, e Patricia Mendez, diretora de DANA – Documentos de Arquitectura Nacional y Americana, publicação do Centro de Documentación de Arquitectura Latinoamericana – Cedodal, da Argentina.
Durante as seções foram discutidos os mais variados aspectos relativos à situação institucional da associação e sobre a produção e circulação das revistas de arquitetura e urbanismo da América Latina: constituição e atual situação da rede ARLA; acesso às redes de indexação científicas internacionais; relação entre revistas comerciais, acadêmicas e científicas; estratégias de expansão, visibilidade e qualificação da rede; possibilidades de trabalho em rede; revisão do estatuto; programação de tarefas para a próxima reunião geral da associação, que ocorrerá durante a próxima edição dos SAL – Seminários de Arquitetura Latino-americana, que acontecerá na República Dominicana, em 2015. Em algumas seções, editores e pesquisadores apresentaram suas experiências à frente de suas revistas, dentre eles eu próprio, que tive a oportunidade de comentar os 14 anos de existência do Vitruvius, as sete revistas do portal: Arquitextos, nossa revista acadêmico-científica, Arquiteturismo, Drops, Entrevista, Minha Cidade, Projetos e Resenhas Online.
No último dia do encontro foi feita a redação coletiva e assinatura da Declaración/Declaração de Santiago pelos responsáveis, onde as revistas associadas se comprometeram a colocar em funcionamento a rede ARLA, que buscará a “promoção do trabalho colaborativo e interinstitucional com a finalidade de impulsionar a difusão dos conteúdos das revistas associadas dentro e fora das fronteiras dos países aonde são editadas originalmente”; além destes objetivos centrais, a ARLA se propõe a promover os seguintes objetivos específicos: “gerar um Diretório amplo e atualizado das revistas latino-americanas de Arquitetura e urbanismo em circulação, cujo único requisito será contar com ISSN; gerar um Catálogo de revistas que cumpra os requisitos presentes no artigo primeiro ut supra; impulsionar a visibilidade das revistas associadas; canalizar o trabalho colaborativo das revistas associadas; promover o aperfeiçoamento técnico das revistas para alcançar normas internacionais de qualidade e gestão; gerar vínculos, convênios e colaborações com entidades e organismos interessados em apoiar os objetivos da associação” (6).
O evento terminou com a escolha do Núcleo Coordenador da ARLA, responsável pela direção da nova entidade nos próximos anos, que será constituído por Hernán Ascui Fernández (editor da revista Arquitecturas del Sur, Departamento de Diseño y Teoría de la arquitectura, Universidad del Bío-Bío, Concepción, Chile), Patricia Méndez (diretora da revista DANA – Documentos de Arquitectura Nacional y Americana, Cedodal – Centro de Documentación de Arquitectura Latinoamericana, Buenos Aires, Argentina) e Ana Catalina Hernández Ramírez (editora da revista Arka, da Facultad de Arquitectura Universidad la Gran Colombia, Bogotá, Colômbia).
Foram escolhidos também os representantes regionais, que terão como principal incumbência a difusão da associação dentro de sua área geográfica. As regiões e seus responsáveis são os seguintes: Andes Norte (Equador, Colômbia, Venezuela): Jairo Agudelo, revista Traza, Facultad de Ciencias del Hábitat, Universidad de la Salle, Bogotá; Andes Sul (Chile, Peru, Bolívia): Elisa Cordero, revista AUS, Instituto de Arquitectura y Urbanismo, Universidad Austral de Chile; Rio da Plata (Argentina, Uruguai, Paraguai): Rodrigo Amuchástegui, revista Área, Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo, Universidad de Buenos Aires, Argentina; Brasil: Abilio Guerra e Silvana Romano Santos, Portal Vitruvius / Romano Guerra Editora, Brasil; México, América Central e Caribe: Iván San Martín, revista Academia XXII, Facultad de Arquitectura, Universidad Nacional Autónoma de México.
Só tenho a lamentar a impossibilidade de ter participado de todas as atividades. Mas, até onde pude acompanhar o evento, fiquei com a melhor impressão possível sobre a promissora atividade da nova associação. No momento onde as universidades dos países latino-americanos adotaram em bloco sistemas de avaliação onde a publicação em periódicos tem um valor destacado, a reunião de editores passa a ter um papel de extrema importância, não apenas para dar conta da enorme demanda, mas fundamentalmente no desafio de não ficar refém da situação, mas antecipar os problemas inevitáveis e superar os entraves no trabalho de difundir a produção cultural, intelectual e científica da área de arquitetura e urbanismo.
É vital que os sistemas de avaliação não contaminem as revistas com a burocratização dos meios e a endogenia dos seus fins, fenômeno que se verifica em várias facetas da vida acadêmica atual. É de suma importância que as publicações periódicas permaneçam voltadas para o compromisso maior de atender as demandas da sociedade, sua verdadeira razão de ser. Assim, nós editores, poderemos atender à sentença proferida por Hernan Ascui em uma das seções do encontro: “Não podemos renunciar às revistas que queremos fazer”.
notas
1
O Encontro da rede ARLA (Associação de Revistas Latino-americanas de Arquitetura) aconteceu na Universidade Diego Portales de Santiago de Chile entre os dias 11 e 14 de agosto de 2014. Sobre a instituição, ver o website: Asociación de Revistas Latinoamericanas de Arquitectura <http://www.arlared.org>. Agradeço o convite feito pela ARLA, em especial aos seus coordenadores Hernán Ascui Fernández e Patricia Méndez, e às universidades Diego Portales e Mackenzie, que possibilitaram minha presença no evento.
2
BASULTO, David. Restaurant Mestizo / Smiljan Radic. ArchDaily, Chile, 19 mar. 2009 <http://www.plataformaarquitectura.cl/cl/02-17100/restaurant-mestizo-smiljan-radic>.
3
ESTUDIO AMERICA. Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, Santiago, Chile, 2007 <http://estudioamerica.com/pt-BR/projects/4d8e0f406b7c97222e000005/articles/4d8e33d46b7c974095000010>.
4
CAIRES, Carla; ABASCAL, Eunice Helena. Uma reflexão sobre os modelos de campi universitários e a formação de espaços coletivos. Cadernos de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, n. 148, 2013 <http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/cpgau/article/viewFile/Caires.2013.1/4475>.
5
As pessoas, revistas, instituições e países presentes são os seguintes: Marcelo Vizcaino (180, Universidad Diego Portales, Chile); Rodrigo Vidal Rojas (A+C – Arquitectura y Cultura, Universidad de Santiago de Chile, Chile); Ivan San Martín Córdoba (Academia XXII, Universidade Autónoma de Mexico, México); Rodrigo Amuchástegui (Area – Agenda de Arquitectura, Diseño y Urbanismo, Universidad de Buenos Aires, Argentina); Ana Catalina Hernández Ramírez (Arka, Universidade la Gran Colombia, Colômbia); Patricio Mardones Hiche (Arq, PUC-Chile, Chile); Julio Arroyo (Arquisur, Asociación de Facultades y Escuelas de Arquitectura Públicas de América del Sur, Argentina; Polis, Universidad Nacional del Litoral, Argentina); Hernan Ascui (Arquitecturas del Sur, Universidad del Bio-Bio, Chile); Aldo Hidalgo, Rodrigo Martin Quijada e Rodrigo Aguilar (Arteoficio, Universidad de Santiago de Chile, Chile); Elisa Cordero Jahr (Revista AUS, Universidad Austral de Chile, Chile); Patricia Mendez (DANA – Documentos de Arquitectura Nacional y Americana, Centro de Documentacion de Arquitectura Latinoamericana – Cedodal, Argentina); Constantino Mawromatis e Felipe Corvalán (De Arquitectura, Universidad de Chile, Chile); Rodrigo Garcia Alvarado (Habitat Sustentable, Universidad del Bio-Bio, Chile); Ricardo Tapia, Sandra Rivera e Luis Campos Medina (Revista INVI – Instituto de la Vivienda, Universidad de Chile, Chile); Mario Marchant (Materia Arquitectura, Universidad San Sebastian, Chile); Abilio Guerra (Arquitextos, Portal Vitruvius, Brasil); Jorge Inzulza (Revista de Urbanismo, Universidad de Chile, Chile); Jairo H. Agudelo Castañeda (Traza, Universidad de La Salle, Colômbia); Ignacio Bisbal (Urbano, Universidad del Bio-Bio, Chile); Gonzalo Muñoz Vera (Ciudad y Arquitectura – CA, Colegio de Arquitectos de Chile, Chile).
6
A Declaração de Santiago, proposta de estatuto da ARLA – Associação de Revistas Latino-americanas de Arquitetura, está disponível nas versões em espanhol e português nos seguintes links: ARLA, Associação de Revistas Latino-americanas de Arquitetura. Declaração de Santiago 2014. Drops, São Paulo, ano 15, n. 083.06, Vitruvius, set. 2014 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/15.083/5280>; ARLA, Associação de Revistas Latino-americanas de Arquitetura. Declaración de Santiago 2014. Drops, São Paulo, año 15, n. 083.06, Vitruvius, sep. 2014 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/15.083/5280/es_ES>.
sobre o autor
Abilio Guerra é arquiteto, professor da graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.