In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.
português
Autora relata dificuldade para pesquisar e satisfazer sua curiosidade na própria vivência do espaço do edifício e revela o aprimoramento da eficiência das tecnologias e dispositivos de vigilância.
HONORATO, Rossana. Espaços abertos à livre circulação de pessoas, barreiras institucionais ao usufruto social e segurança público-privada. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 170.04, Vitruvius, set. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.170/5290>.
O perigo mora ao lado, mas também passa ao longe, bem longe...
Não constitui motivo de surpresa que arquitetos fotografem. Ou melhor, não constitui motivo de surpresa que arquitetos recorram ao uso de uma câmera fotográfica para documentar o reconhecimento de um sítio ou de uma área de intervenção, o curso do processo produtivo de concepção e de execução, o produto final e o uso pós-ocupação. Trata-se de uma ferramenta essencial de levantamento de informações que auxiliam a tomada de decisões na projeção de ideias, seja para aplicação em arquiteturas da cidade, do edifício ou de interiores; em situação de preexistência ou não.
À disposição da pesquisa e com ampla aplicabilidade em uma diversidade de intervenções técnicas, desde o século passado, um recurso se soma à câmera fotográfica resultante do avanço científico e tecnológico, na entrada da chamada era espacial, se impondo como inestimável meio para a exploração de áreas remotas da terra, de sítios localizados à distância ou de oneroso acesso à rotina da cadeia produtiva da construção civil, como territórios íngremes, aquosos, situados em fundos de vales, sobre planaltos rochosos ou planícies irregulares, picos de cordilheiras ou em meio à mata densa etc.
Refere-se aqui à tecnologia que acabou deixando obsoleta a bússola, diminuindo a demanda para um altímetro, por exemplo, e até mesmo o ato pessoal de pedir informações na rua: o Global Positioning System (Sistema de Posicionamento Global). Um sofisticado instrumento de navegação por satélites e outros radares, originariamente criado para fins militares, e hoje disponibilizado gratuitamente para uso civil, o GPS foi desenvolvido pelos Estados Unidos da América, e uma de suas funções que aqui interessa destacar é levantar informações georreferenciadas sobre o posicionamento de um objeto específico no globo terrestre.
Apropriando-se do potencial de exploração do GPS e investindo estrategicamente em pesquisa em levantamento de informação, processamento de dados e comunicação virtual, o Google, uma empresa que se apoia “em mais de um milhão de servidores em data centers ao redor do mundo e processa mais de um bilhão de solicitações de pesquisa e vinte petabytes de dados gerados por usuários todos os dias” (1), é cada vez mais útil à arquitetura e ao urbanismo, se afirmando como indissociável da atividade de reconhecimento de campo e estudo de repercussão próxima do real de uma concepção projetual no sítio de uma intervenção.
O lançamento do Google Street View em 2007, ferramenta do Google Maps e do Google Earth, disponibiliza vistas panorâmicas de 360° na horizontal e 290° na vertical, permitindo que utilizadores visualizem partes de algumas regiões do mundo ao nível do chão ou do solo e a captura de imagens em três e quatro dimensões. Levantamentos feitos por meio da navegação de satélites e de expedições de veículos especiais, capazes de acessar desde áreas remotas do globo terrestre àquelas acessíveis aos pedestres. Com esses dispositivos, as fotos podem ser vistas em diferentes tamanhos, a partir de qualquer direção e por meio de diversos ângulos. Deve estar faltando muito pouco para que esses radares utilizem os conhecidos raios X, que atravessam corpos opacos e “fotografam” o seu interior... Se a operação já não estiver mais evoluída.
Estimando a evolução da tecnologia e a já prospectada meta de pleno monitoramento da atividade humana, uma aposta cada vez mais óbvia vislumbra a manipulação de mentes para a passividade individual e o alheamento total da realidade social com vistas à formatação de um tipo ideal de consumidor e à diminuição de riscos para o capital e à expansão de suas ilimitadas vantagens para o poder hegemônico. Dito isto, observar o que se passa dentro de uma residência, um edifício institucional, comercial etc., certamente será como fazer adentrar um robô móvel remoto em quaisquer tipos de edificação, sem que seus usuários sequer tenham noção do que se passa.
Tão grande preâmbulo serve para relatar como um prazeroso exercício de flâneur por ruas de cidades pode trazer à tona reflexões acerca do direito ao usufruto de espaços abertos livres e à privacidade doméstica e/ou institucional. De acordo com a abertura deste relato, a observação de lugares, ruas, objetos, pessoas, seres vivos e acontecências em meio à paisagem, a circulação sobretudo urbana é praticamente um vício para profissionais de AU decorrente por força da prática da profissão.
Já há alguns anos, um jogo de luzes artificiais projetado sobre um hall de um edifício que sedia uma embaixada no bairro de Botafogo no Rio de Janeiro é motivo de observação por esta que escreve, desde o entardecer e se acentuando na medida em que cai a noite. Incontida pelo exercício vicioso e pela própria natureza, o registro fotográfico do efeito da concepção luminotécnica proporcionada pela arquitetura teria naturalmente razão de ser, ambas as vezes dando-se a observação de fora do domínio físico do edifício em um espaço aberto de livre circulação. Neste ano, finalmente ao fazê-lo, viu-se abordada por um segurança da embaixada com o intuito de parar o exercício meramente documental para suas atividades profissionais e de ensino e pesquisa.
O edifício se encontra em uma cabeça de quadra e em sua face interior faz testada para um empraçamento aberto à circulação pública, tanto para a travessia de pedestres entre duas ruas paralelas do perímetro da quadra, quanto integrando o acesso a outros serviços de atendimento público. Um conjunto de edificações que se vê identificado por um marco interno onde se lê “Empresarial Rio” e no Google Maps como Condomínio Argentina.
No Brasil sabe-se com que severidade são vigiados os edifícios-sede de embaixadas estrangeiras. Proteção regida por normas específicas. Contudo, a do edifício de que trata esta reflexão se apresenta com uma implantação inusitada, em quadra urbana de circulação intensa, cujo acesso de usuários se dá pela lateral aberta ao empraçamento mencionado. A estrutura edilícia suportada parcialmente por pilotis rege um princípio da arquitetura moderna que concebe a fluidez de um diálogo físico relacional entre “o dentro” e “o fora”, razão porque faz larga e generosa fronteira com o espaço aberto à sua frente; no caso específico, guardada por agentes de segurança, e, certamente, vigiada por câmeras de monitoramento.
Como dito, o registro fotográfico do efeito de luz do edifício era o motivo de atração da passante. Para clicá-lo, a área de passagem despontava como um ótimo ângulo de visão, de onde se vislumbra o espetáculo de luz e sombra. A chamada da segurança fê-la lembrar do potencial de “invasão de privacidade” pelas novas tecnologias; por isso a opção pela breve reflexão sobre os recursos tecnológicos citados. Este risco, o da invasão de privacidade, pode não morar ao lado... Atinou também a reflexão com relação ao, cada vez mais restrito, acesso aos espaços abertos de livre circulação, ainda que sem barreiras físicas, como é o caso do condomínio aqui referido.
Tomando por referência a legislação urbana do município de João Pessoa, tem-se que a abertura de uma função a que se presta uma edificação, uma vez incidindo sobre a relação passagem e acesso de pedestres (que se utilize ainda que transitoriamente de segmentos físicos do espaço de franco uso público), para benefício próprio, perde o regramento de domínio de uso para fim privado.
O breve e respeitoso diálogo entre a observadora e a vigilância da embaixada girou em torno de saber a finalidade da fotografia e a proibição para uso comercial e/ou publicação. Apresentando-se como professora de arquitetura e urbanismo e esclarecendo a necessidade de levantamentos fotográficos de campo como subsídio didático à análise de imagens não foi suficiente à compreensão do serviço de vigilância. Tratavam de medidas de segurança da embaixada.
Uma reflexão decorreu daquela vivência, qual seja a superação dos meios de segurança de que vêm se utilizando organismos reservados como embaixadas, e os riscos efetivos a que se encontram subjugadas, de monitoramento à distância, às suas revelia e sapiência. Assim como tem sido passiva a vida privada, a vida pública, pessoas, cidadãos, toda a humanidade submetida ao poder avassalador da tecnologia de ponta, como são os recursos do Google, e outros similares menos populares igualmente invasivos da privacidade institucional, social e de indivíduos. Exemplos inclusive trágicos podem ser lembrados porque se passaram contemporaneamente e chamaram à atenção o mundo global, como o furo à segurança da maior potência econômica mundial, os EUA, no tenebroso plano de ataque às torres gêmeas no “11 de Setembro” ou a invasão virtual a dados sigilosos de Estado, que vêm sendo realizados sobre a poderosa nação do território norte-americano, com consequências danosas para o interesse interno.
A atenção ao aprimoramento da eficiência e ao incremento da reprodução das ferramentas de tecnologia virtual, sua aplicabilidade e os rumos imprevistos que tomarão, amedrontam sociedade e indivíduos e provoca diversas incertezas sobre o futuro das relações institucionais internacionais.
Faz-se aqui uma reflexão sem maiores pretensões, que busca apenas atinar não somente para os benefícios e malefícios que provêm do “progresso” científico e tecnológico, e sua repercussão positiva e/ou negativa para a vida social, habitante de zonas urbanas ou rurais, para fins de controle social em fim último de servir ao poder hegemônico de domínio global. O desejo de registro de uma imagem para fins de estudos científicos e didáticos foi capaz de gerá-la, em detrimento do evidente perigo de perda completa do direito à privacidade a que está subjugada a sociedade contemporânea.
Um intuito da fotógrafa amadora ali passante era aventar a relação de imagens divertidas à hipótese da intenção projetual a uma citação, uma deferência (ou uma resultante imprevista) dos efeitos de luz da arquitetura do edifício à identidade do contexto paisagístico de sua vizinhança. O condomínio da Praia de Botafogo parece dialogar com as curvas marcantes da paisagem da cidade do Rio de Janeiro. Sua fronteira desvela uma vista do morro do Pão de Açúcar, cujo perfil lembra uma hipérbole; a figura geométrica parece ter inspirado a concepção luminotécnica.
O que seria motivo para uma narrativa diletante sobre a influência da luz – natural e/ou artificial – na arquitetura de edifícios ou de cidades, terminou derivando para a severa questão: para onde ruma a segurança pública social e individual em seu direito à privacidade, subjugo de explorações anônimas cada vez mais sofisticadas e invasivas...
notas
1
Algumas informações de suporte para o desenvolvimento desta abordagem foram extraídas de portais virtuais em 20/08/2014, às 17h e às 17h30 respectivamente, nos seguintes endereços eletrônicos: <http://www.tecmundo.com.br/conexao/215-o-que-e-gps-.htm> e <http://www.significados.com.br/google/>.
sobre a autora
Rossana Honorato é arquiteta urbanista, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPB, doutoranda do Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – IPPUR-UFRJ e fotógrafa diletante.