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português
O centro da cidade é o elemento caracterizador de toda uma comunidade, o “coração pulsante” que alimenta todo o espaço habitável. A descaracterização deste espaço, distorce a ideia principal que é a ambiência e a permanência no centro da cidade.
english
The city center is the defining characteristic of a whole community, the “beating heart” that feeds all the living space. The mischaracterization of this space, distorts the main idea that is the ambience and the permanency in the city center.
español
El centro de la ciudad es el elemento caracterizador de toda una comunidad, el "corazón latente" que alimenta todo el espacio habitable. La descaracterización de este espacio distorciona la idea principal de ambiente y permanencia en el centro.
LUÍZA POFFO DE AZEVEDO, Bárbara. Bagagens afetivas. Ambiência e a permanência no centro da cidade. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 178.03, Vitruvius, maio 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.178/5503>.
Conhecer a memória de uma cidade é a maneira mais prazerosa de adentrar em sua história. Alguns costumes e edificações são testemunhos do desenvolvimento que permaneceu na memória por gerações. São dessas memórias afetivas que a essência da cidade se alimenta. O centro da cidade é o "coração pulsante" de toda comunidade, e com o crescimento das cidades contemporâneas vem se degradando e distorcendo a característica principal de permanência e espaço de encontro. O lazer de compras e a elevada concentração de veículos são fatores que influenciaram ainda mais na segregação deste espaço, por não inserir o usuário ao meio. As edificações sem contato direto com o pedestre e a falta de incentivo a apropriação, tornaram as ruas mais hostis ao usuário, inibindo assim as relações sociais. Esta falta de incentivo à apropriação do espaço somada a falta de diversidade de usos acarretam no esvaziamento dos centros urbanos, tornando-os característicos de uma cidade contemporânea que prioriza um cotidiano exacerbado, desfavorecendo a permanência no espaço.
A revalorização e qualificação deste espaço são estratégias de recuperação da essência do centro da cidade e recuperação dos tecidos urbanos degradados. A presente pesquisa investiga quais são as memórias físicas e não físicas da população e traça caminhos em busca do maior espaço de lembrança na cidade de Timbó, localizada no Vale Europeu do estado de Santa Catarina, e propõe em forma de espaço construído um equipamento que incentive a recuperação da essência do centro da cidade.
Olhares estrangeiros: imigração no Vale do Itajaí
Faz-se necessário entender um pouco sobre a colonização no Sul do Brasil, que até meados do século 19, ocorreu de uma forma lenta e gradual. O povoamento foi de modo disperso e com pouca organicidade por parte da Coroa Portuguesa. Somente após a criação da Regência Uma que alterava a organização política e administrativa do Império, concedendo maior autonomia às províncias, a Província de Santa Catarina elaborou sua “Legislação Colonial”.
Desta forma iniciou o processo de ocupação voltado ao interior de Santa Catarina, surgindo núcleos coloniais próximos ao Rio Itajaí-Açu e seus afluentes, onde imigrantes alemães deram origem à Colônia Blumenau, da qual anos depois foram emancipados as cidades de Timbó, Indaial e Rio dos Cedros. Imigrantes alemães, ao chegarem às terras de Timbó, se estabeleceram na confluência dos rios Benedito e dos Cedros. Posteriormente chegaram também imigrantes italianos. A região do Vale do Itajaí tem forte influência até hoje por conta da sua colonização de povos europeus, marcas que originaram a nomenclatura de “Vale Europeu”.
Em busca das bagagens
O título “bagagens afetivas” aponta para a busca de sentimentos cuja comunidade carrega dentro de si a respeito da cidade, citando espaços físicos ou relações sociais, frequentes nos espaços urbanos, especificamente no centro da cidade. Para identificar estas bagagens, foi elaborado um questionamento com três perguntas que levam a mapear um circuito de memórias afetivas. O questionamento foi feito com 962 pessoas, das variadas idades com as seguintes perguntas:
01. Qual o lazer que Timbó oferece?
02. Timbó antigamente e hoje, existe uma saudade, por qual motivo?
03. O que te faz lembrar Timbó?
Perguntas simples, com objetivo de que as respostas partissem da interpretação de cada entrevistado. A interpretação dos dados mostrou que são poucas as edificações modernas que incendeiam a memória. O passado desperta mais sentimento.
1. Thapyoka: Construída por volta de 1880, com a técnica construtiva enxaimel, funcionava um moinho de farinha de milho, depois, outras atividades aconteceram no local: serraria, empresa de papel e escola de corte e costura. Atualmente é o restaurante mais frequentado da cidade com belos atrativos visuais;
02. Antigo Centrinho: Maior ponto de encontro e referência de antigamente. Existia um cinema, alguns salões de bailes pequenos e era local onde o circo se instalava. Foi considerado o “coração pulsante” de antigamente;
03. Casa e Escola do Professor: Este conjunto Casa e Escola do Professor, um dos poucos ainda existentes. Sem registro de início da obra, mas com finalização por volta de 1920, o conjunto de técnica construtiva enxaimel foi construído por método de mutirão pelos moradores da região;
04. Antiga Pharmacia: Ponto de referência por conta da sua arquitetura preservada. A edificação é vitalizada atualmente por diversos usos que a ocupam sua estrutura;
05. Casa Oma Lorenz: Ponto de referência de antigamente dos viajantes que chegavam à cidade. Marcante no cotidiano das crianças que moravam por perto por conta do pomar no quintal lateral. Atualmente é vitalizada por uso de lazer gastronômico noturno;
06. Sociedade Cultural: Responsável por promover grandes bailes antigamente, referenciando a cidade na região. Atualmente é local de lazer em conjunto com a grande praça central defronte;
07. Outros: fotografia, pintura, jogos de baralho e tabuleiro, idas ao circo e ao cinema central (localizado no antigo centrinho) e ir a feira- ponto mencionado como um compromisso diário;
08. Antigo Hospital/Hotel: Foi o primeiro hotel da cidade. Mais tarde abrigou nos fundos, provisoriamente, o hospital central que passava por reformas na sua edificação original. Atualmente a edificação está abandonada por conta de um incêndio em 2012;
09. Antiga Ponte: Ponte que por décadas foi o principal ponto de passagem. Na sua forma original em madeira era utilizada como local de avisos e anúncios que eram fixados na ponte ou talhados na estrutura, como garantida de visibilidade. Visto a necessidade de reforma da ponte, a mesma foi refeita em concreto para supri a necessidade com o tempo.
Proposta macro e análise de quadra
A cidade que é criada para pessoas, para convívio ao nível dos olhos. Nada de busca pela forma, mas sim pela escala humana.
"Esses elementos de entendimento sequer são ‘ideias’ no sentido de poderem ser explicitados. São antes fundações da compreensão pessoal, pontes fundamentais entre sujeito e mundo, como chaves originais de interpretação profundamente associadas a itens de outra natureza: são orientadas por valores e sensibilidades a certos fatores, mais que a outros. São atenções fundamentais movidas e orientadas também por afetos” (1).
Nesse cenário atual, a trocas sociais e afetivas não se encontram em harmonia. Em análise da pesquisa conclui-se que existe forte lembrança ao espaço do “Antigo Centrinho” e “Thapyoka”, considerando este, o espaço de maior essência na cidade, o coração pulsante.
Localizando as lembranças se faz a proposta de ligação qualificada das vias existentes e a proposta de novos caminhos alternativos, de modo que esta ligação se torne um percurso mais agradável para o usuário e retome a vitalidade que marcou na lembrança. “Ao pensar numa cidade, o que lhe vem à cabeça? Suas ruas. Se as ruas de uma cidade parecem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecem monótonas, a cidade parecerá monótona” (2).
Uma grande quadra, disposta por uma massa construída sem atrativos que despertem a permanência apesar da variedade de usos, um espaço onde as pessoas apenas contornam, adentram se necessário e os veículos que se asseguram de marcar o espaço do pedestre dando a sensação de que cruzar a rua é uma intrusão, é a situação atual desde espaço. Trabalhando em uma escala menor, o eixo mais forte de ligação é entre a lembrança da Antiga Ponte e a Thapyoka. Fica traçadas as seguintes diretrizes macro: 1. Antiga Ponte: tornar um espaço marcante onde as pessoas possam deixar sua memória de uma forma espontânea. 2. Quadra principal: resgate a permanência. 3. Thapyoka: finalizando o eixo visual no atual espaço voltado para o rio, conectando as três memórias.
Sobre um novo olhar, um incentivo a vitalidade – Proposta de nova quadra
Uma nova quadra mais permeável, um espaço que assegure o pedestre de que aquele espaço é um convite à permanência. Um equipamento que se molde a leitura atual e valorize os visuais. Recuar as bordas de quadra, elevar trechos das vias cortando o fluxo de veículos, mas que conecte os núcleos de memória priorizando, a ‘caminhabilidade’ e a apropriação do espaço (3).
Ambientes e usos variados que combinados com espaços e praças dinâmicas, criam ambientes cheios de vida, tanto no nível do observador quanto nos andares acima dos olhos. A diversidade de usos foi escolhida a partir das entrevistas. 01. hostel – o viajante absorve e transmite bagagens, uma troca natural de conhecimento e vivência. 02. coworking e comércio – o espaço de coworking integra variadas áreas em um mesmo espaço. Os espaços de comércio combinados a outras diversidades, favorecendo para ambos. 03. café e feira – “ir a feira” como compromisso de diário, um incentivo aos hábitos passados. 04. oficinas – a arte é o elemento de diálogo entre os povos. A escolha das oficinas de fotografia e pintura é o resgate da tradição.
Considerações finais
A arquitetura toma forma a partir do espaço que a cidade proporciona. Primeiramente nos moldamos à cidade, e então, elas nos moldam. A vitalidade atrai pessoas, pessoas atraem pessoas, as empresas locais prosperam e se diversificam se adequando ao novo modelo de vitalidade.
O centro contém dentro de si, a própria ideia de cidade, mas hoje é apenas utilizado como espaço de passagem. É fundamental que se ressuscite este hábito de permanência, pois com o constante crescimento nos colocamos em uma posição de constante movimento e estresse, é preciso à retomada dos sentimentos e pensamentos pausados que sentimos com o mero ato de respirar de olhos fechados (4).
notas
NA – Artigo baseado em trabalho de conclusão de curso orientado pela professora Fernanda Ikert.
1
AGUIAR, Douglas; M. NETTO, Vinícius. Urbanidades. Rio de Janeiro, Folio Digital, 2012, p. 16.
2
JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades. Martins Fontes, São Paulo, 2000, p. 29. Sobre Jane Jacobs e a cidade, ver também: SABOYA, Renato. Jane Jacobs e os parques de bairro. Urbanidades – Urbanismo, Planejamento Urbano e Planos Diretores, 18 set. 2007 <http://urbanidades.arq.br/2007/09/jane-jacobs-parques-de-bairro/>; SABOYA, Renato. Espaços públicos. Urbanidades – Urbanismo, Planejamento Urbano e Planos Diretores, 3 jun. 2007 <http://urbanidades.arq.br/2007/06/espacos-publicos/>.
3
Sobre a importância do caminhar na cidade, ver: GEHL, Jan. Cidades para pessoas. São Paulo, Perspectiva, 2013; GEHL Architects, A cidade somos nós (cartilha). São Paulo, 2010.
4
Vários aspectos tratados neste artigo estão presentes em: ROGERS, Richard; GUMUCHDJIAN, Philip. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona, Gustavo Gili, 2001.
sobre a autora
Bárbara Luíza Poffo de Azevedo, Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Regional de Blumenau – FURB.