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português
Um olhar sobre o mobiliário urbano da Praça Rui Barbosa, em Leme/SP que busca refletir sobre a importância do design nos espaços urbanos contemporâneos e analisando se o mobiliário presente corresponde a essa importância.
english
A look into the urban furniture of Rui Barbosa Square, in Leme/SP, seeking to reflect the meaning of design in contemporary urban spaces and analyzing if these furniture matches this importance.
español
Un vistazo sobre el mobiliário urbano de la Plaza Rui Barbosa, ubicada em Leme/SP, buscando reflitir sobre la importância del design em los espacios urbanos contemporâneos y analizando si el mobiliário que allí se encuentra corresponde a esa importância.
ANDRADE, Amanda Carolina Moreira de; BOTTURA, Roberto. O encontro na cidade. Um olhar sobre o design de mobiliário urbano na Praça Rui Barbosa, em Leme SP. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 184.01, Vitruvius, nov. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.184/5798>.
“O design se distanciou cada vez mais da ideia de ‘solução inteligente de problemas’ e se aproximou do efêmero, da moda, do obsoletismo rápido – a essência da moda é a obsolescência rápida –, do jogo estético-formal, da glamourização do mundo dos objetos. Frequentemente, hoje em dia, design é associado a objetos caros, pouco práticos, divertidos, com formas rebuscadas e gamas cromáticas chamativas” (1).
Gui Bonsiepe, Design, cultura e sociedade
Com o intuito de direcionar o olhar do estudante de design para a observação das dinâmicas urbanas da cidade contemporânea, realizou-se uma pesquisa de Iniciação Científica que busca contribuir com mais referências na hora de pensar o design de mobiliário urbano.
O método de observação participativa, que coloca o observador em contato com a realidade, foi reforçado por textos de autores próprios dos estudos urbanos como Jane Jacobs e Kevin Lynch incitando a uma reflexão crítica do mobiliário existente no lugar de estudo, relacionando-o com os fluxos do local, utilização, correspondência a necessidade e durabilidade.
Entende-se que o design é um recurso para auxiliar o encontro na cidade, ou seja, a convivência no meio urbano associada a casualidade, a permanencia e a utilização dos espaços públicos. Para isso, conta-se com equipamentos como bancos, mesas de jogos, bicicletários, amparados por luminárias, lixeiras etc. pensados para lugares públicos onde todos são bem-vindos e o acesso não é restrito.
Um olhar sobre Praça Rui Barbosa, em Leme SP
Leme é uma cidade do interior paulista, que conta com aproximadamente 98.000 habitantes. A praça está localizada na região central, sendo utilizada para eventos culturais promovidos pelo Poder Público (como carnaval, shows e feiras), manifestações populares, além de ser uma referência para os habitantes locais como ponto de encontro, lazer e passagem em meio ao intenso fluxo do centro histórico que também é o principal centro comercial da cidade.
A partir dessa definição, foi feito um levantamento do mobiliário urbano presente na Praça Rui Barbosa, junto a observação das dinâmicas urbanas que envolvem cada objeto levantado. Em seguida, realizou-se uma análise se esses artefatos urbanos atendem, ou não, as necessidades locais e elaborou-se alguns direcionamentos do que pode-se melhorar tendo em vista o design como projeto, aplicado ao mobiliário urbano de uma praça em uma cidade.
De acordo com Rafael Cardoso, “artefato é um objeto feito pela incidência da ação humana sobre a matéria-prima: em outras palavras, por meio de fabricação” (2), sendo que o mobiliário urbano é considerado um artefato público por estar em um espaço público na cidade. Artefato, na etimologia da palavra, significa “feito com arte”.
A Praça Rui Barbosa foi construída no início do século XX, quando a partir da chegada da estrada de ferro e estação de trem na cidade, foi construída por diversas pessoas uma capela em louvor a São Lázaro (posteriormente mudada para São Manoel, o padroeiro da cidade), onde hoje se encontra a praça que foi construída ao seu redor. Trata-se de uma praça tradicional em um centro tradicional, mas que foi absorvida pela cidade contemporânea, readaptada aos mais diversos usos atuais. O movimento constante de pessoas a tornou um referencial urbano, tanto como espaço de passagem como espaço de permanência.
Fluxos
Durante a semana (de segunda a sexta) pela manhã se encontra mais idosos e adultos que estão aguardando entrar no trabalho, ou os responsáveis pela limpeza que trabalham nesse horário (antes do comércio abrir às 9h). Após esse horário o fluxo cresce, pessoas dos mais variados perfis passam por ela enquanto utilizam o centro comercial, seja a trabalho, bancos, serviços ou alimentação. Pela tarde é comum ver além dos adultos que passam, jovens que vão à praça para passear, se encontrar ou apenas estão de passagem para as lojas e lanchonetes ao redor. Após o horário comercial (18h), passam pela praça mais jovens que vão passear, tomar sorvete, comer pipoca ou conversar. Durante os sábados, o movimento permanece o mesmo, até às 14h quando o comércio encerra as atividades. Após esse horário o que mais se encontra são jovens conversando nos bancos, famílias com crianças, casais namorando ou jovens com skates nas arquibancadas. Às noites dos sábados são em sua grande maioria jovens que permanecem pela praça. Nesse horário percebe-se alguns grupos que permanecem no coreto no centro da praça. Em algumas entrevistas realizadas, esses mesmos grupos de jovens que se agrupam no coreto pela noite emanam desconfiança de outros transeuntes e inclusive chegam a afirmar que eles “tornam a praça um pouco perigosa pela noite”. Aos domingos de manhã, quem permanece na praça são os idosos que vão passear e conversar, comprar seus jornais nas bancas e adultos passeando com seus cachorros. Durante a tarde o fluxo é grande de jovens e famílias. Já durante a noite ocorre a tradicional orquestra que toca na concha acústica após a missa na igreja, que é vista por várias famílias.
Nessa observação, pode-se perceber que o fluxo no local é constante, variando do horário comercial durante a semana para diversos perfis que utilizam o centro comercial e aos fins de semana, na maioria, famílias e jovens. Ainda que alguns se sintam ameaçados com a presença de grupos reunidos no coreto pela noite, a Praça Rui Barbosa é um local que atrai as pessoas e seu próprio movimento faz a segurança do local. Como explica Jane Jacobs (3), é o fluxo constante de pessoas que torna um lugar seguro. Pode-se perceber, também, que o uso da praça é bem diferente de acordo com o horário e idade, resultando em uma heterogeneidade social, o que por si só já é um elemento saudável na cidade.
Mobiliário urbano
A praça é equipada com objetos úteis em todo seu entorno para que a população a aproveite e não a utilize apenas como passagem, o que acontece diversas vezes. Nela há banheiros, bancos variados, lixeiras, telefones públicos, bebedouros, um coreto e a concha acústica com palco para eventos, que muitas vezes é usada como pista de skate. Mas, que classe de mobiliário é esse e em quais condições se encontram? São adequados ao local?
Por circular na Praça Rui Barbosa grande percentual da população da cidade (independente de raça, cor, idade e classe social), é um local estratégico para o encontro na cidade. Sendo o encontro na cidade o principal aspecto para a saudável troca de experiências entre os cidadãos, o design deve se apropriar do espaço urbano por meio de artefatos que facilitem esse encontro e promova o bem-estar de seus frequentadores.
Com base nas análises feitas durante os meses de estudo pode-se constatar que alguns elementos são essenciais para a promoção de um ambiente adequado para as pessoas, como os telefones públicos, luminárias, bancos e lixeiras. Embora encontrados no local, a grande maioria necessita de reparos, adaptações ou consertos, a exemplo dos telefones públicos, que se encontram em poucas quantidades, estando muitos quebrados ou que sofreram atos de vandalismo. Já as luminárias, observa-se que algumas não funcionam e o design empregado com influências historicistas trazem ao ambiente uma sensação bucólica, evidenciando o caráter histórico da praça. Os bancos estão espalhados por todo o local e em grande quantidade para acomodar os usuários, porém com vários modelos diferentes não constituindo uma identidade de mobiliário urbano, muito menos representando uma unidade de design. Muitos dos bancos, alguns em cimento e outros em madeira, estão quebrados ou são usados como rampas para skatistas e bikers. Nota-se a falta de um espaço apropriado para os skatistas praticarem. As lixeiras se encontram em grande número na Praça Rui Barbosa, porém, como os bancos e as luminárias, existem variações entre elas. Algumas possuem publicidade, incidindo um tradicional caso de poluição visual. Em toda a praça encontra-se uma única lixeira de recicláveis que – apesar de não possuir identificação escrita legível confundindo os pedestres – se diferenciam pelas cores, o que se torna algo útil para os catadores de sucatas que frequentemente recolhem material no local. Importante ressaltar que a maioria das lixeiras encontradas na praça são improvisados latões de óleo cortados e repintados.
Outros objetos urbanos encontram-se em poucas quantidades, como o bicicletário, que para a toda praça possui disponibilidade para apenas seis bicicletas e mostra-se insuficiente para os usuários. Já os bebedouros, que são apenas dois (em lugares diametralmente opostos) encontram-se em estado crítico. Ainda que muito utilizados para beber água ou lavar as mãos, tanto para os pedestres como para os taxistas da praça e moradores de rua, os dois pontos são insuficientes para a demanda e o aspecto anti-higiênico dos azulejos e a fragilidade estrutural, evidencia a necessidade de uma reforma urgente.
Como elementos urbanos construídos como estruturas, a Praça Rui Barbosa possui dois banheiros, construídos recentemente para homens e mulheres, o que tornou-se muito útil para a população. Também possui uma concha acústica para a orquestra da cidade que toca aos domingos à noite, e onde alguns skatistas e bikers se apropriam desse espaço praticando seus esportes. O coreto, que é o marco principal da praça, localizado no centro do espaço, é bem iluminado e foi recém-pintado em 2014, mas que já apresenta marcas de vandalismo. Ele é usado para eventos da cidade e para reunião dos mais diversos usuários como explicado acima. Além desses objetos, a praça possui caixas de som espalhadas em altos postes, onde em horário comercial funciona a “Rádio Praça”, com músicas variadas, propagandas da cidade e notícias.
Considerações
A partir das observações dos objetos existentes na Praça Rui Barbosa em Leme/SP, pode-se elencar que os itens essenciais para a população poder frequentar o local e usufruir do espaço público, como bancos, lixeiras, luminárias e bebedouros, estão presentes, ainda que não estejam pensados desde o ponto de vista do design. Todos os objetos dispostos na praça podem ter sua utilidade autenticada, porém, não conformam uma série de artefatos com coerência técnica aplicada a melhor utilização dos mais variados públicos que utilizam o espaço urbano em questão. Em alguns casos, como o banheiro ou os espaços de estar, percebe-se que não atendem claramente a norma NBR9050 para acessibilidade universal.
Quando o design de mobiliário urbano está pensado para a troca de experiência e para favorecer o encontro das pessoas, percebe-se, por exemplo, a falta de alguns artefatos que poderiam favorecer tal ação, como brinquedos lúdicos infantis, mesas de xadrez/dominó e espaços para animais domésticos.
A interação pessoas-espaço público é de suma importância para o resgate da cidadania no momento atual da expansão do formato “cidade global” com seus espaços estéreis e genéricos. O design – como projeto, representado pelos artefatos urbanos – deve estar alinhado com o desejo de expandir uma cidade mais humana, mais democrática, que atenda ao maior número de pessoas dentro dos parâmetros mínimos de acessibilidade, conforto, sustentabilidade e inovação técnica.
notas
1
BONSIEPE, Gui. Design, cultura e sociedade. São Paulo, Blucher, 2013, p. 18.
2
CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo, Cosac Naify, 2013, p. 47.
3
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2011.
sobre os autores
Amanda Carolina Moreira de Andrade, estudante de graduação em Design na FAAL-Faculdade de Administração e Artes de Limeira/SP. Atualmente bolsista do Ciência sem Fronteiras nos EUA no curso de Design.
Roberto de Almeida Bottura, arquiteto e urbanista, formado pela Puc-Campinas e mestre em Teoria e História da Arquitetura pela Universitat Politècnica de Catalunya. Se interessa pelas relações entre cidade, poder e arquitetura.