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português
A autora expõe o polêmico caso da proposta de uma ponte que cortaria o casario da cidade oitocentista de Santa Teresa, no Espírito Santo.
english
The author exposes the controversy case of the proposal of a bridge. Such bridge would tear down the architetonical set of Santa Teresa, city of the XIX century in the state of Espírito Santo.
LORDELLO, Eliane. O peso de uma ponte versus a leveza de uma cidade. O caso de Santa Teresa ES. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 184.02, Vitruvius, nov. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.184/5799>.
“No mais das vezes, minha intervenção se traduziu por uma subtração do peso; esforcei-me por retirar peso, ora às figuras humanas, ora aos corpos celestes, ora às cidades; esforcei-me sobretudo por retirar peso à estrutura da narrativa e à linguagem”.
Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio: leveza
Há no interior do Espírito Santo uma pequena cidade chamada Santa Teresa. Trata-se de um município formado pela imigração italiana oitocentista, implantada em morros e vales, com forte potencial turístico. Não vou me estender em sua descrição, porque já tive a alegria de publicar sobre a cidade neste Vitruvius, na revista Arquiteturismo (1).
Recentemente, essa cidade, que se destaca pela harmonia de seu conjunto arquitetônico e paisagístico, viu esse atrativo turístico ameaçado pela iniciativa municipal de construção de uma ponte. Uma ponte para cuja existência foi desapropriado um casarão do conjunto histórico arquitetônico da cidade, o casarão Bassetti. O casarão fica na Rua Coronel Bonfim Junior, conhecida como Rua de Lazer, e, como o próprio apelido já indica, consagrado local de lazer na cidade.
Diante dessa ameaça à integridade do conjunto histórico arquitetônico da cidade, a população organizou-se para defender seu patrimônio, sua memória construída. Entre protestos orais e escritos, manifestações diversas, deu-se um ato memorável: a população abraçou o casarão Bassetti e toda a quadra onde este se localiza.
O projeto da ponte priopriamente dito, entendido como uma proposta gráfica que tipifique e exponha a intervenção pretendida, até este setembro em que escrevo não foi apresentado em momento algum, só existe no discurso municipal.
Enquanto isso, o município é notificado pela Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo, onde, desde 2013, tramita um processo de tombamento de inciativa de uma cidadã teresense. A notificação reporta o imperativo legal de que qualquer intervenção no casario em processo de tombamento seja antes aprovada pelo Conselho Estadual de Cultura do Espírito Santo, em conformidade com o que prediz a Lei Estadual 2947/74.
A iniciativa municipal pela derrubada do casarão para passagem de uma ponte nos remete às cirurgias urbanas, tão comuns no século 19, e já em desuso na atualidade. Uma atualidade, lembremos, que preza a leveza nas soluções urbanísticas. Eis o que vem demonstrando a cidade do Rio de Janeiro, que em decisão memorável demoliu o Elevado da Perimetral, revalorizando o conjunto histórico da Praça XV, do Paço Imperial, do Centro Histórico da Cidade.
Segundo prega o discurso municipal, a ponte, dita de dez metros de extensão, se concretizada, irá desafogar o trânsito na cidade. Ora, que milagre se espera dessa ponte! Todos sabemos que Santa Teresa há décadas sofre com um inclemente trânsito de caminhões que danifica seu casario, e a ponte pretendida só viria a acentuar essa situação em tudo já grave demais.
Solução mais afim com a cidade, e com a atualidade urbanística, seria tirar o trânsito de caminhões do centro da cidade, onde está situada a maior parte de seu núcleo histórico, e assim preservar os casarões e a fruição do lazer e do turismo no local. Solução esta, diga-se, já adotada em vários centros históricos ao redor do mundo.
Preservar o conjunto arquitetônico de Santa Teresa, vale dizer, é manter a ambiência urbana de uma cidade que é um testemunho da imigração europeia oitocentista no Brasil, um reconhecido polo de gastronomia, a sede de um já prestigioso festival de Jazz, e um atrativo turístico do Estado do Espírito Santo.
Nas Seis Propostas Para o Próximo Milênio (2), do cubano radicado na Itália Italo Calvino, destaca-se justamente como primeira proposta a de Leveza, uma das lições maiores do livro para este milênio. Seria providencial que a administração teresense seguisse a lição da obra de Italo Calvino. A cidade, seu povo e o Espírito Santo agradeceriam.
notas
1
Cf. LORDELLO, Eliane. Santa Teresa, Espírito Santo. Um convite ao passeio. Arquiteturismo, São Paulo, ano 07, n. 082.01, Vitruvius, dez. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/07.082/5001>.
2
CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
sobre a autora
Eliane Lordello é arquiteta e urbanista (UFES, 1991), Mestre em Arquitetura (UFRJ, 2003) e Doutora em Desenvolvimento Urbano na Área de Conservação Integrada (UFPE, 2008). Arquiteta da Gerência de Memória e Patrimônio da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo.