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português
O texto que se apresenta é um ensaio sobre questões de mobilidade urbana na cidade de São Paulo.
english
The present text is an essay about urban mobility issues in the city of São Paulo, Brazil.
español
El texto que se presenta es un ensayo sobre problemas de movilidad urbana en la ciudad de Sao Paulo, Brasil.
FORTUNATO, Ivan. 50km/h. Ou um ponto de vista sobre a questão da mobilidade em São Paulo. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 192.01, Vitruvius, jul. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.192/6093>.
“Essa noite eu tive um sonho de sonhador
Maluco que sou, eu sonhei
Com o dia em que a Terra parou
[...]
Essa noite eu tive um sonho de sonhador
Maluco que sou, acordei
Com o dia em que a Terra parou”
Raul Seixas
Na metade do ano de 2015, a capital paulistana começou a reduzir a velocidade máxima permitida para se transitar em suas vias marginais e arteriais. Neste breve ensaio, tenho apenas como propósito compartilhar uma perspectiva muito pessoal sobre essa política, que pode ser nomeada, jocosamente, de “velocidade mínima”, aproveitando para discutir sobre a (i)mobilidade paulistana.
Ao retrair a velocidade máxima permitida, a justificativa oficial, assentada sobre a potencialidade de redução de acidentes, é altamente legítima. Assim como é válida a ideia que paira sobre a sociedade civil de que tal ação seria uma espécie de “caça níquel” do governo e sua “indústria da multa”. Também se pode considerar apropriada a conjectura de que a redução de velocidade é mais saudável aos distintos meios de transporte (carros, motos, vans, caminhonetes, ônibus, caminhões, bicicletas etc.) que guerreiam por espaço nas congestionadas vias metropolitanas. Múltiplas variáveis, todas coerentes dentro de seu próprio ponto de vista, que ratificam a complexidade do fenômeno: ir e vir na ciclópica São Paulo são atividades exageradamente complicadas.
Mas, essa cidade tem sofrido há muito tempo com suas ruas e avenidas coaguladas, tão abarrotadas quanto o transporte público coletivo (caro aos cofres públicos e ao cidadão) que não dá conta de atender à população – nem em quantidade ou qualidade. Essa coagulação tem levado ao aumento gigantesco de motocicletas, que tendem a se movimentar mais rápido entre veículos automotores “semiestacionados”, assim como tem se elevado o número de ciclistas, pedalando pela cidade como forma de transporte limpo, barato e saudável. Com isso, o poder público tem tentado dar conta – sem muito sucesso – de atender distintas demandas de grupos com interesses de mobilidade bem diferentes.
Importante anotar que a situação é histórica e, na tentativa de mitigar esses impasses, conflituosos até, diversas ações têm sido articuladas, desde o começo do século passado, como o Plano de Avenidas Prestes Maia, a construção de diversos viadutos, tal qual o da Rua Boa Vista, ampliando o Triângulo Histórico no velho centro paulistano, o controverso Minhocão... dentre muitas outras obras, como o Complexo Viário Ayrton Senna, as faixas exclusivas de ônibus, a construção da terceira pista da Marginal Tietê, as ciclovias etc.
Não obstante, ao tentar agradar a todos, o que resta é somente mais caos... todos os dias há acidentes com motocicletas, as ciclofaixas são invadidas e desrespeitadas, ônibus e metrô se apinham de gente, o trânsito se lentifica... isso porque, ao tentar equacionar o pouco espaço carroçável que há na cidade para tantos meios distintos de se transportar, o que sobra são minguados quilômetros para cada um, coalhando tudo... Exemplo clássico é o mencionado elevado Costa & Silva, vulgo Minhocão.
O Elevado é uma das formas mais coerentes e rápidas para se deixar a cidade de São Paulo, rumando para as marginais e, delas, para as Rodovias Anhanguera, Bandeirantes, Castelo Branco etc. No entanto, durante parte dos dias úteis, o intenso tráfego de carros, caminhonetes e motos, impede quase todas as tentativas de se chegar ao limite imposto de 50 quilômetros por hora.
Contudo, nos dias e horários em que o trânsito poderia fluir, mesmo guiando entre os limites permitidos de 25 e 50 quilômetros por hora, suas vias de rolamento são trancadas por portões, e por ele não se pode transitar. Claro que há explicações plausíveis e muito coerentes para que o Elevado não tenha veículos automotores, como a poluição que adentra os apartamentos adjacentes e a falta de privacidade de seus moradores, cuja vida particular fica exposta aos olhares de centenas de motoristas... Aos domingos, o Minhocão vira um parque, cheio de atividades culturais e esportivas, feiras livres, gastronômica, de artesanato... torna-se um lugar de passeio, enquanto o motorista que quer ou precisa deixar São Paulo, ou nela chegar, toma desvios longos demais, demorados demais, poluidores demais...
Retomando o mote principal deste ensaio, os famígeros “ciquentinha” por hora, estes são, ao olhar do motorista paulistano – ou que está apenas atravessando a Paulicéia – peremptoriamente inúteis e até mesmo uma afronta ao bom senso. Em dias rotineiros, e praticamente ao longo de suas horas solares e primeiras badaladas da noite, não se circula nesta velocidade nas mais largas e longas avenidas da cidade, pois elas estão habitualmente estancadas...
Por outro lado, nos raros momentos em que não há veículos nas ruas, o limite imposto é risório, dando ao motorista a sensação de estar “procurando vaga” para estacionar, dada a relação velocidade/espaço.
Existem, ainda, momentos “nem lá, nem cá”, em que a rua está parcialmente transitável. Nesses casos, o motorista deve: (1) estar vigilante ao seu trajeto, pois perder-se em São Paulo implica muito tempo para retornar ao caminho pretendido, uma vez que sua malha viária não é tão coerente e, claro, há trânsito intenso e muitos semáforos; (2) prestar cuidadosa atenção ao seu redor, sendo que há muitas motocicletas, pedestres, vendedores ambulantes, pedintes, ciclistas, carros, ônibus, caminhões, ambulâncias, viaturas e muitos outros elementos, todos potencialmente causadores de acidentes e; (3) manter os olhos nas placas indicativas de limite de velocidade e no seu próprio velocímetro, tornando o ato de guiar ainda mais perigoso – mas, se fizer de forma diferente e o carro atingir 60 ou 70 quilômetros por hora, pode ser flagrado por um radar de controle de velocidade, escondido por entre as árvores, pronto para punir o cidadão que está preocupado com os itens (1) e (2).
Ao final, a essência deste ensaio/relato está no desconsolo de tentar percorrer as ruas dessa grande cidade, cujos lugares não distam poucas milhas um do outro, mas muitos e muitos quilômetros... ou a inquietude de querer deixar São Paulo para seguir para o interior paulista, mas não o conseguir com a agilidade desejada, seja porque suas ruas foram transformadas em algo que não são, seja porque há um estreito limite de velocidade... Por isso, para o motorista paulistano, a trilha sonora não pode ser outra senão a canção de Raul Seixas, descrevendo o dia em que a terra parou :(
sobre o autor
Ivan Fortunato é pós-doutorado em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC. Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro. Líder do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Ensino, Ciência, Cultura e Ambiente (NuTECCA) e do Grupo de Pesquisas Formação de Professores para o Ensino básico, técnico, tecnológico e superior (FoPeTec). Editor da revista Hipótese e coeditor da Revista Internacional de Formação de Professores e da Revista Brasileira de Iniciação Científica. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), campus de Itapetininga.