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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Na tragédia ambiental em uma das cidades mais antigas de Minas Gerais, a pequena Barra Longa, após invasão da lama da barragem da mineradora Samarco, em novembro de 2015, os moradores tiveram suas vidas transformadas e lamentam muitas perdas.

english
The text portrays the reality of a environmental tragedy in one of the oldest cities in Minas Gerais: the small Barra Longa, after the invasion of the mud of Samarco's mining dam in November 2015. Locals had their lives transformed and mourn many losses.

español
En la tragedia ambiental en una de las más antiguas ciudades de Minas Gerais, la pequeña Barra Longa, después de la invasión de lo barro de la represa de la mineradora Samarco en noviembre el año 2015, los residentes tuvieron sus vidas transformadas.

how to quote

CARNEIRO, Camilla; STEPHAN, Ítalo Itamar Caixeiro. Barra Longa já não é mais a mesma. O colapso da barragem da mineradora Samarco e a tragédia ambiental. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 192.03, Vitruvius, jul. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.192/6095>.



Barra Longa, pequena cidade da Zona da Mata, com cerca de dois mil e trezentos moradores (numa população total do município de pouco mais de seis mil habitantes), sempre foi um lugar tranquilo para se viver. Ao amanhecer, o padeiro pendurava nas portas das casas a encomenda para o café da manhã, antes mesmo dos moradores acordarem. Pouco depois vinha o leiteiro com sua carroça, vendendo o leite bem fresquinho. Bem o sol aquecia as plantas, as crianças circulavam, nas ruas, sem medo e andavam de bicicleta pela praça, indo ao encontro das pessoas que caminhavam na Avenida Beira Rio. Caminheiros que se encontravam, cumprimentavam-se, sorriam... A alegria do encontro se dava na famosa pracinha central. Também era ali que casais namoravam; crianças jogavam bola, praticavam capoeira, sentavam-se na grama verdinha e eram felizes. Os adultos e os idosos também apreciavam essa beleza e o sossego de andar livremente por onde queriam. No trajeto para o trabalho, uma pequena caminhada, nada de carro ou qualquer outro veículo automotor, já que tudo era tão perto... A paz vinha da calmaria de uma rotina serena e de uma vida saudável, sem poluição. Tantas manhãs e tantas noites vivendo nesse paraíso, podendo sair de casa e deixar as portas abertas.

O rio, sempre limpo, só transbordava em época de enchentes, no verão. Mas no dia 05 de novembro de 2015, esse mesmo rio (que estava com pouquíssima água por causa da seca) pediu socorro. Em plena madrugada, uma lama sangrenta trouxe para o seu leito muitas vidas humanas e de outros animais que dormiam no seu habitat. Quão difícil foi ver tantas famílias saindo às pressas de suas casas, deixando ali suas histórias, seus pertences e registros que jamais serão recuperados. A pequena população não dormiu naquela noite, vendo descer junto com a lama árvores, carros, móveis, vidas... e também a sua história.

Ondas grossas invadiram ruas e pastagens e ali ficaram, densas, pesadas. Os barralonguenses tornaram-se expectadores que testemunham a destruição de fazendas, escolas, comércios, igrejas (e suas peças históricas), um grande patrimônio, pelos resíduos de minério, sem poder agir. Na beira da calçada, em um ponto mais alto da cidade, o sofrimento era visível nos rostos daqueles que deixaram suas casas e suas camas quentinhas para passar a noite em claro, vendo seus pertences soterrados na lama. Na zona rural, pior ainda! Pessoas com casas sem energia elétrica passaram a noite nas montanhas. E agora? O dia nasceu, para onde irão, o que vestirão? Só mesmo a solidariedade dos amigos e o tempo para acalmar tantos corações aflitos.

Com a luz do sol, pôde-se perceber que a pracinha tão cobiçada já não existe mais. Da Beira Rio dos caminheiros, só restaram as palmeiras erguidas, pedindo socorro. Nada mais! As fazendas dos arredores já não têm água própria para o consumo, nem pastagem para o rebanho. Muitas pontes foram embora: o povoado do Gesteira teve pessoas e seus rebanhos ilhados nesse trágico cenário.

O tempo passa... mais de seis meses após a tragédia, pode-se ver o encontro dos rios Carmo e Gualaxo - patrimônio histórico que deu origem ao nome da cidade - com uma “barra longa” dividindo águas que choram a falta de seus peixes. Onde está aquela cidade calma, de verdes montanhas e pastagens? O sossego da casa de portas abertas já é coisa do passado. O medo e a insegurança já não são sentimentos só dos moradores de cidade grande. Cerca de setecentas pessoas estranhas (funcionários de empreiteiras) misturam-se à pequena população urbana barralonguese nas ruas, tentando reconstruir aquilo que é possível. Caminhões e máquinas de todos os tipos e tamanhos perturbam os ouvidos, tiram o sossego e afundam os pavimentos de paralelepípedos construídos há centenas de anos. A lama agora virou poeira pesada, nociva e venenosa, que prejudica a saúde das pessoas (problemas respiratórios e dermatológicos são rotineiros). Muitos moradores foram embora da cidade. Quando esse pesadelo terá fim? Sabe-se apenas que a cidade jamais será a mesma. Acredita-se que até mesmo o Caboclo D’água, místico morador ilustre do rio, tenha sido levado pela lama.

sobre os autores

Camilla Magalhães Carneiro é graduanda em Arquitetura e Urbanismo no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa.

Ítalo Stephan é arquiteto e urbanista, doutor pela FAU USP, professor da Universidade Federal de Viçosa.

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