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A chaminé e a termoelétrica da antiga Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro – Sanbra, em Presidente Prudente, correm risco de demolição devido o indeferimento por parte do Tribunal de ação civil pública para proteção do patrimônio.
CASTILHO, José Roberto Fernandes. Como deve ser um laudo patrimonial? Patrimônio em risco devido laudo impreciso. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 199.04, Vitruvius, fev. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.199/6420>.
Em 2014, o Ministério Público do Estado ingressou com ação civil pública para proteção da chaminé e da termoelétrica da antiga Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro – Sanbra ainda existentes na área urbana de Presidente Prudente. São edificações do final dos anos 1940 que demonstram o “surto” do algodão ocorrido na região a partir de 1935, que levou até à ideia da instalação da indústria têxtil, o que não ocorreu. De fato, localizadas dentro do espaço urbano, ao lado da linha férrea, são marcos da história de Prudente porque o ciclo do algodão, substituindo a anterior cultura do café, determinou enorme expansão da economia local nos anos 1940/1950. Nesta época, Prudente esteve entre os maiores municípios produtores de algodão do Estado.
Porém, surpreendentemente, esta ação foi julgada improcedente pelo Tribunal porque o laudo dos experts – arquitetos e docentes universitários – não demonstrou a importância das edificações como patrimônio edificado. Diz o acórdão: o parecer dos professores
“declarou haver interesse em se preservar a chaminé, jungindo-se a tanto uma proposta de construção de calçadão e ciclovia que uniriam diversos pontos da cidade dentre os quais edifícios já incorporados pelo Poder Público Municipal (Armazém do Expurgo, Matadouro, Indústrias Matarazzo, Instituto Brasileiro do Café). Os subscritores do trabalho sugerem ‘a demolição do muro lindeiro a linha férrea e a execução de um calçadão e ciclovia como um importantíssimo elemento urbano que poderá se iniciar em frente á Termoelétrica, passar pelo IBC e terminar no Centro Cultural Matarazzo’; estimam que ‘este calçadão seria uma conquista dos cidadãos prudentinos em relação as questões ligadas a sua história e a valorização do seu patrimônio, como também para implantação de um parque linear de lazer’ ; e planejam inclusive a ‘abertura de uma rua para facilitar a mobilidade urbana entre as áreas divididas pela linha férrea’, pormenorizando o modo como seria possível utilizar a obra que propõem. Esta é, em suma, a prova dos autos; e nela não se encontra a densidade necessária para se determinar ao Poder Público o tombamento dos bens a par do direcionamento de recursos do Erário para recuperá-los”.
Então, na visão dos desembargadores, faltou consistência à perícia, sendo certo que eles muito possivelmente nunca viram a alta chaminé – que se destaca na paisagem – e nem estiveram em Prudente. Porém, em processo existe uma velha máxima que diz que o que não está nos autos não está no mundo (“quod non est in actis non est in mundo”). Ou seja, o juiz julga com na base no que consta dos autos. Talvez aqui esteja a explicação pelo fato de a ação ter sido julgada procedente em primeiro grau: o juiz local conhecia o local diferentemente dos desembargadores, que se louvaram apenas no laudo, só nele.
Portanto, fica a lição para os profissionais que fazem laudos patrimoniais: a questão posta não é prospectiva (o que poderia ser feito no local) e sim descritiva da importância do bem para a memória, como registra a decisão: “o estudo efetuado por docentes de arquitetura não se cinge ao registro descritivo, que seria aquele esperado caso se cuidasse de bens de valor histórico de plano identificável: o trabalho logo se torna prescritivo, passando a recomendar sucessivamente o tombamento, a construção de calçadão e ciclovia, a demolição de muro lindeiro à ferrovia e até a abertura de nova rua”. Um equívoco de análise, como apontado, devido aos experts.
Outro aspecto curioso da decisão do Tribunal é aquele que estima o custo da proteção: “A Municipalidade declarou não ter interesse em efetuar a preservação, que, consoante informação do Secretário Municipal de Planejamento [anterior] custaria cerca de R$ 3.850.000,00”. Parece um valor muito elevado porquanto não se trata de desapropriação mas sim de tombamento, que não retira o domínio do bem. O tombamento constitui apenas limitação ao direito de propriedade.
Enfim, ao fazer um laudo ou parecer patrimonial (competência prevista no art. 2º/VI da lei do CAU) o arquiteto não pode atuar como projetista mas antes como verdadeiro historiador. Sua visão precisa ser, por assim dizer, retrospectiva. O Ministério Público perdeu a ação – e o interesse coletivo na preservação do conjunto foi gravemente prejudicado – porque o parecer não conseguiu demonstrar a importância dos bens para a história e para a memória local. A ementa do acórdão deixa isto claro:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ação civil pública julgada procedente para decretar o tombamento de chaminé e galpões remanescentes de termoelétrica, construída esta para suprir de energia usina de algodão de importância para a história local. Laudo assente na possibilidade de ulterior construção, pelo Poder Público, de interligação entre os bens a serem tombados e equipamentos culturais situados em extremo oposto da cidade. Bens cujo valor histórico próprio não restou evidenciado. Juízo negativo da Municipalidade acerca da necessidade de preservar o bem que não se mostra, nesse contexto, desarrazoado. Presunção não elidida da legitimidade da postura da Administração. Insuficiência da prova para que se determine a destinação de recursos escassos à conservação das edificações. Preliminares que se confundem com o mérito. Apelos providos” (Feito 1001671-65.2014.8.26.0482).
Agora, a única solução possível será o tombamento pelo Poder Executivo local. No entanto, como transcrito acima, a Administração Municipal anterior já declarou que não tinha interesse na preservação desse patrimônio e a atual é mera continuação dela. Portanto, este importante conjunto arquitetônico está correndo grande perigo de desaparecer.
sobre o autor
José Roberto Fernandes Castilho é procurador do Estado e professor de Direito Urbanístico da FCT/Unesp.