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português
A cidade é carente de espaços públicos agradáveis. Eventualmente surgem edifícios capazes de trazer essa experiência, como a Biblioteca Brasiliana, projetada e construída pelos arquitetos Eduardo de Almeida, amigo de José Mindlin, e Rodrigo Loeb seu neto.
english
The city is lacking in pleasant public spaces. Eventually arise buildings capable of bringing this experience, such as the Brasiliana library, designed and constructed by architects Eduardo de Almeida, friend of José Mindlin, and Rodrigo Loeb his grandson
español
La ciudad carece de espacios públicos agradables. Eventualmente surgen edificios capaces de aportar esta experiencia, como la biblioteca Brasiliana, diseñada y construida por los arquitectos Eduardo de Almeida, amigo de José Mindlin, y Rodrigo Loeb.
LAUTENSCHLAEGER, Edilene Silveira Alessi. Uma joia para a cidade. Biblioteca Brasiliana USP. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 207.03, Vitruvius, out. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.207/6743>.
Nossa cidade é nossa casa, diz o ditado popular, mas nossa casa está tão mal cuidada, tão desgastada, tão abandonada. A cidade que conhecemos hoje não representa mais os valores civilizados que trouxe do humanismo, pelo contrário, tornou-se o sinal mais visível da desigualdade social, da insegurança, da melancolia.
As cidades e os edifícios, assim como os outros objetos construídos pelo homem estruturam nossas experiências de vida e lhe conferem significados. A arquitetura é um artefato mediador entre o homem e o mundo, e ocupa dois domínios simultaneamente: a da realidade materialmente construída, e a dimensão abstrata idealizada do imaginário artístico. Segundo o arquiteto Pallasmaa:
“A arquitetura ajuda a substituir a realidade insignificante por uma realidade transformada teatral – ou melhor, arquitetônica –, que nos atrai para dentro para dentro, e uma vez que nos rendemos a ela, nos confere uma ilusão de significado [...] não conseguimos viver no caos” (1).
A construção de uma cidade, de um país, é uma tarefa coletiva, que exige uma depuração no tempo e o esforço de sucessivas gerações, muitas idas e vindas, compromissos feitos, desfeitos, refeitos. A arquitetura com sua tarefa de fortalecer nossa experiência do real assim como na interação cultural e social, não pode se isentar desse processo de construção e qualificação de nossas cidades e edifícios.
Eventualmente o esforço hercúleo de alguns, nos brinda com a capacidade de sonhar novamente, com o melhor, com o bem construído, com honra, capacidade, com doação, e faz de nossa cidade um lugar melhor.
O filósofo Eduardo Giannetti coloca: “A lógica sozinha não move: a criação do novo exige sonho” (2). A história da arquitetura está pontuada de obras que além de expressar a cultura de uma nação, de um povo, são também realizações de sonhos de alguns indivíduos.
Para o arquiteto Paolo Belardi as palavras drawing (desenhar) e dreaming (sonhar) sempre o fascinaram, (não somente pela fonética), pois apesar de serem etimologicamente diferentes, mantém uma forte relação no sentido de “dar e receber” (3).
Se há alguma palavra que possa definir a profundidade e o alcance do projeto da Biblioteca Brasiliana, esta palavra seria sonho. Sonho de um homem que amava os livros, e começou sua convivência com eles aos treze anos de idade quando adquiriu seu primeiro exemplar.
José Mindlin (1914-2010) formou-se em advocacia, mas foi como presidente da Metal Leve uma potência nacional no setor de peças automotivas na época, que se tornou conhecido. Após sua aposentadoria em 1996, dedicou-se junto com sua esposa Guita, integralmente a sua paixão: colecionar livros raros. Ao completar 95 anos de idade, acumulava um acervo de aproximadamente 40 mil volumes, incluindo obras de literatura brasileira e portuguesa, relatos de viajantes, manuscritos históricos e literários, tanto originais como provas tipográficas, periódicos, livros científicos e didáticos, iconografia e livros de artistas, incluindo gravuras.
Parte do acervo pertencia ao bibliófilo Rubens Borba de Moraes, e após sua morte esse material foi guardado por Guita e José Mindlin. Trata-se de uma biblioteca que tornou-se conhecida no país e no exterior como uma coleção única, obra de uma vida de dedicação à cultura brasileira e suas manifestações.
O grande temor de todo bibliófilo é ver sua coleção desmontada e José Mindlin lutou para mantê-la original. Em 2005 José Mindlin doou sua biblioteca, a maior coleção particular de livros do Brasil, para a Universidade de São Paulo, transformando-a na Biblioteca Guita e José Mindlin. Mas uma tarefa difícil ainda estava para começar, construir uma biblioteca para guardar todo esse acervo, que pudesse ser compartilhado com pesquisadores e interessados, e também uma ala para abrigar o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e o Sistema Integrado de Bibliotecas da USP.
Para esta tarefa nomeou seu amigo o arquiteto Eduardo de Almeida e seu neto também arquiteto Rodrigo Mindlin Loeb. Foram treze anos de dedicação quase absoluta confessou Rodrigo em uma entrevista a arquitetos do Programa de Pós Graduação do Mackenzie, sobre o projeto da biblioteca:
“A parte mais difícil foi a viabilização econômica, a burocracia excessiva, as contas na ponta do lápis, muitos fornecedores nos ajudaram, mas sem dúvida foi uma obra complexa por se tratar de livros raros, mas a memória do meu avô não me deixou esmorecer” (4).
E da mesma opinião compartilha Eduardo Almeida quando abordado sobre qual seu projeto mais significativo:
“Sem dúvida a Biblioteca Brasiliana [...], é o mais significativo devido à sua complexidade. Foi um trabalho muito bem realizado, algo impensável como obra pública por causa do alto grau de acabamento e soluções arquitetônicas para necessidades específicas, como climatização, iluminação natural e segurança com as obras raras, que embora tenham acesso restrito, parecem estar tão perto à mão de todos em razão do projeto” (5).
A Universidade de São Paulo disponibilizou três terrenos para José Mindlin, e a escolha do local se mostrou assertiva. Uma esplanada no coração da Cidade Universitária, entre a Praça da Reitoria e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Para as diretrizes do projeto os arquitetos tomaram como paradigma as mais conceituadas bibliotecas do mundo como a Biblioteca Saint Geneviève de Paris (França), a Beineke Library da Universidade de Yale, a Biblioteca Philips Exeter New Hampshire (EUA), e chegaram a visitar e consultar a Library of Congress (Biblioteca do Congresso) em Washington para definir diretrizes de conservação das obras.
A construção possui 21.950 m² e recebeu uma solução horizontal para não interferir na paisagem da Cidade Universitária, onde os edifícios são relativamente baixos, além da premissa inicial dos arquitetos de um edifício permeável que pudesse unir os dois lados do terreno, trabalhando a biblioteca como uma espécie de praça de encontro e passagem, onde haveria uma livraria e um café.
Os primeiros croquis do arquiteto Eduardo de Almeida pontificam formas geométricas, volumes isolados para cada necessidade, unidos por uma cobertura.
Na praça as diferentes tipologias enriquecem o espaço, onde além da livraria e da cafeteria, existem salas de aula, salas de exposições e um auditório ( volume cilíndrico) com capacidade para cerca de 300 pessoas.
A interessante proposta de circulação da biblioteca que atravessa o campus alterou a paisagem e o modo de apropriação do espaço entre as duas áreas da Universidade, onde estão a Reitoria e a Avenida. Mais do que um simples prédio ela se insere no tecido urbano, trazendo novas visuais, locais de descanso, permanências, deixando de ser simples objeto, para atuar na relação do homem com a cidade.
Nas fachadas a solução dos brises em chapa de alumínio perfurado, produz o efeito do véu transparente à noite e opaco de dia. Os brises também ajudam a proteger o edifício da insolação, onde o acervo necessita de controle constante de temperatura e umidade.
Em um edifício construído em um campus universitário, a questão da suficiência energética também foi uma importante diretriz na escolha dos materiais, acabamentos e equipamentos utilizados, como por exemplo, a caixa de concreto que envolve as bibliotecas, funcionando como uma massa térmica que proporciona estabilidade.
Outro princípio interessante do projeto são as várias camadas, caixas dentro de caixas, estabelecendo uma zona de transição: a biblioteca possui o anel de livros, as paredes de concreto maciço, áreas de circulação e de trabalho, caixilhos, vazios entre o caixilho e elemento de sombreamento, que são os brises de alumínio da área externa. Com este conceito o usuário tem total visibilidade dos livros, na verdade uma “caixa de joias”, como disse Rodrigo Loeb, pois é uma caixa onde estão livros e documentos raros.
Com isso, o edifício consegue ter iluminação natural sem ter a radiação, o que reduz a necessidade de iluminação artificial.
Um edifício pensado em todos os seus pontos, formas simples em um programa complexo com detalhes extremamente técnicos, mas que se desenvolveram com extrema maestria pelos arquitetos: “Tudo remete ao universo literário, os pés direito são a soma de sete estantes, e os livros estão sempre em primeiro plano” (6).
Infelizmente José Mindlin não conseguiu ver seu sonho materializado completamente, faleceu em 2011, mas a Biblioteca Brasiliana abriu suas portas em 2013 para mostrar que os seus amados livros finalmente conseguiram uma morada à sua altura. A Biblioteca Brasiliana é uma obra de escala urbana que marca como a inteligência arquitetônica na construção da cidade pode ser pensada e valorizada, e ao transcender sua função evocar experiências estéticas e humanas.
notas
1
PALLASMAA, Juhani. A imagem corporificada. Porto Alegre. Bookman, 2013, p. 123.
2
GIANNETTI, Eduardo. Trópicos utópicos. São Paulo, Companhia das Letras, 2016.
3
Apud GIANNETTI, Eduardo. Op. cit.
4
Cf. LOEB, Rodrigo. Entrevista para arquitetas Mestrado Mackenzie para disciplina “Teoria e metodologia do projeto de arquitetura e urbanismo”, abr. 2016. Equipe: Camila Apollaro, Edilene Silveira Alessi e Elza Hessel Tosta.
5
Apud GONSALEZ, Alexandra. Eduardo de Almeida o arquiteto detalhista. AU – Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, v. 32, n. 277, abr. 2017, p. 48-53.
6
GONSALEZ, Alexandra. Op. cit.
sobre a autora
Edilene Silveira Alessi Lautenschlaeger é arquiteta e aluna de mestrado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.