In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.
português
O plano diretor é instrumento de mudança efetiva das cidades e está condicionado a promover a reforma urbana. Nessa perspectiva essa pesquisa analisa as reais transformações promovidas pelo plano diretor.
english
The master plan is an instrument of effective city change and is conditioned to promote urban reform. From this perspective this research analyzes the real transformations promoted by the master plan.
BUSNELLO, Samantha. Plano diretor e reforma urbana. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 209.03, Vitruvius, dez. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.209/6812>.
Em toda a trajetória da reforma urbana, os planos diretores – segundo Grazia de Grazia – foram uma das primeiras referências de instrumento de mobilização para a reforma das cidades (1). Embora durante os períodos antecedentes à implementação da Constituinte houvesse um generalizado descontentamento com a experiência de planejamento urbano, os planos diretores significavam um importante instrumento na estratégica concretização dos princípios e objetivos da reforma urbana, um meio de implantação de novos padrões de gestão da cidade (2).
A criação do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – SERFHAU fomentou a criação dos planos diretores e estudos urbanos visando uma integração intraurbana, contudo aponta-se um alto grau de dissociação entre os planos elaborados e o efetivo investimento realizado nas cidades. Especificamente entre os anos 1980 e 1990 houve a disseminação das leis de zoneamento e dos planos diretores, contudo a legislação era baseada no caráter repressivo do Estado e fundamentada em definições e finalidades da burguesia onde o aprofundamento da segregação sócio espacial era decorrência das intervenções urbanas. O Movimento Nacional pela Reforma Urbana – MNRU formula então a Carta de princípios sobre o Plano Diretor enfatizando a urgência da democratização do planejamento evidenciando as reivindicações das classes operária e movimentos sociais.
A dissipação dos planos diretores nas políticas públicas internas das cidades reforça a ideia que a legislação deve ordenar uma cidade acessível a todos e defender a propriedade da terra assumindo uma nova feição de planejamento urbano. Entretanto a prática dessas legislações nas décadas de 1980 e 1990 se fundamentava em definições e finalidades das classes dominantes, onde o aprofundamento da segregação sócio espacial era decorrência das intervenções urbanas.
Os planos diretores até então não representavam para o MNRU uma conquista na representação das demandas sociais e efetivação dos direitos das classes operárias pelo Estado. Nesse sentido, diante das demandas populares, a criação do Estatuto das Cidades no ano de 2001 traz o plano diretor como um instrumento de participação popular nas políticas urbanas cujo conteúdo deveria orientar a reforma urbana (3). Segundo José Ricardo Vargas de Faria essa legislação fomenta “O controle parcial, portanto, dos aparelhos de produção ideológica do Estado municia o movimento da reforma urbana na disseminação do seu discurso” (4).
O governo Lula cria em 2003 o Ministério das Cidades com o objetivo de tratar da política de desenvolvimento urbano e das políticas setoriais de habitação, saneamento ambiental, transporte urbano e trânsito, efetivando os preceitos do Estatuto das Cidades. Nesse contexto, no ano 2005 o Ministério apresenta a Campanha Nacional dos Planos Diretores Participativos, buscando a interação das classes operárias e movimentos sociais na elaboração e aprovação dos planos diretores, para efetivar função social das cidades aproximar a realidade das cidades a gestão e planejamento urbano.
Compreendendo a questão urbana como um problema de Estado no Brasil, onde o crescimento acelerado e desordenado das cidades, refletido por décadas de um planejamento urbano voltado para a produção capitalista da cidades, deixando as classes operarias e mais pobres a margem do desenvolvimento, o Movimento da Reforma Urbana surge da urgência de sanar as dificuldades dos mais necessitados e garantir o acesso universal as cidades. O plano diretor ao longo do tempo se mostra um importante instrumento de ordenação territorial e um artifício para que as classes mais pobres reivindiquem suas demandas e direito face às classes dominantes e o Estado.
Seria então o plano diretor o prognóstico para os problemas causados pelo crescimento e modos de planejamento urbano servindo as demandas da reforma urbana? De acordo com as críticas feitas por autores como José Ricardo Vargas de Faria, Carlos Burnett, Grazia de Grazia, Fabrício Leal de Oliveira entre outros, os planos diretores representam sim um poderoso instrumento para a efetivação dos preceitos da reforma urbana, garantido o direito coletivo a uma cidade sustentável, o que deve implicar à fruição individual das vantagens dela decorrentes (5). Contudo pelas experiências observadas anteriormente e posteriormente a promulgação do Estatuto das Cidades comprova-se que esse instrumento é usado para condensar os interesses de todas as classes não atendendo universalmente as questões sociais mais graves, fornecendo ao Estado uma ferramenta de controle das demandas sociais.
Carlos Burnett chama a experiência dos Planos Diretores Participativos de “fetichização do planejamento urbano” (6), onde a subordinação da legislação ao capitalismo produz uma aceitação a conteúdos que no lugar de garantir os preceitos da reforma urbana contribuem para a produção de uma cidade mais expoliativa, voltada para a produção do capital urbano. No entanto, José Ricardo Vargas de Faria questiona a visão de Burnett ao defender que, apesar do sucesso da transformação no campo simbólico e institucional do planejamento, não concorda com a visão de que o Estado, o direito e a ideologia estão exclusivamente orientados pela reprodução da dominação. A busca de efetivar o capitalismo e o lucro monetário promovidas as classes dominantes acabam exaltando o campo “das disputas simbólicas e do conflito ideológico e, por esse motivo, contribui para o desconhecimento do papel dos planos diretores na reforma urbana” (7).
Por fim, comprova-se que a simples existência de uma moldura legal, trazida pelo Estatuto da Cidade e pela campanha dos planos diretores participativos, não garantiu por si só a democratização de acesso à terra. Reconhece-se os inúmeros preceitos da reforma urbana nos planos diretores municipais manipulados por diferentes forças políticas, compreende-se o caráter contraditório do Estatuto das Cidades ao condensar as mais diferentes forças sociais em instrumentos que deveriam garantir a reforma urbana, mas que acabam por ressaltar a competitividade e o empreendedorismo urbanos, refletindo-se na promoção da atividade imobiliária (8). Conclui-se então que embora tenham ocorrido muitos avanços para a garantia da reforma urbana após a implantação do Estatuto das Cidades, os planos diretores ainda não contam com a força que um instrumento necessita para a efetivação da reforma das cidades. Esse instrumento não apresenta a incontestabilidade para garantir o acesso universal da cidade e o enfrentamento da questão social da propriedade frente aos meios de produção da cidade capitalista.
notas
1
GRAZIA, Grazia de (Org.). Plano Diretor: instrumento de reforma urbana. Rio de Janeiro, Fase, 1990.
2
VILLAÇA, Flávio. As ilusões do plano diretor. São Paulo, Edição do autor, 2005.
3
BURNETT, Carlos Frederico Lago. Da tragédia urbana à farsa do urbanismo reformista. A fetichização dos planos diretores participativos. São Paulo/São Luís, Anablume/Fapema, 2011, p. 176-187; 255-282.
4
FARIA, José Ricardo Vargas de. Os planos diretores no brasil e a trajetória do discurso da politização do planejamento. In: RUIZ, Jaime García et. all. (org.). Direito à cidade e ao trabalho: olhares de Brasil e Cuba. Curitiba, Kairós, 2016. Do mesmo autor, ver: FARIA, José Ricardo Vargas de. Planos diretores participativos: a razão consensual no discurso da reforma urbana. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, UFRJ, 2012.
5
FARIA, José Ricardo Vargas de. Os planos diretores no brasil e a trajetória do discurso da politização do planejamento (op. cit.); BURNETT, Carlos Frederico Lago. Op. cit.; GRAZIA, Grazia de. Op. cit.; OLIVEIRA, Fabricio Leal de; BIASOTTO, Rosane. O acesso à terra urbanizada nos planos diretores brasileiros. In: SANTOS JR, Orlando Alves dos; MONTANDON, Daniel Todtmann (Org.). Os planos diretores municipais pós-estatuto da cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro, Letra Capital/Observatório das Cidades/IPPUR UFRJ, 2011; SÁNCHEZ, Fernanda; BIENENSTEIN, Glauco; OLIVEIRA, Fabrício Leal de, NOVAIS, Pedro. (orgs.). A Copa do Mundo e as Cidades: políticas, projetos e resistências. Niterói: EdUFF, 2014. Metrópole, v. 18, 2016.
6
BURNETT, Carlos Frederico Lago. Op. cit.
7
FARIA, José Ricardo Vargas de. Os planos diretores no brasil e a trajetória do discurso da politização do planejamento (op. cit.)
8
Idem, ibidem.
sobre a autora
Samantha Busnello é arquiteta (Universidade Comunitária da Região de Chapecó, 2014), especialista em Gestão de Cidades e Planejamento Urbano (Universidade Cândido Mendes, 2016). Atualmente cursa mestrado em Planejamento Urbano na Universidade Federal do Paraná.