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my city ISSN 1982-9922

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Em segundo artigo sobre Presidente Prudente, interior de São Paulo, a arquiteta Angélica Benatti Alvim comenta o desenvolvimento desenfreado da cidade a partir dos anos 1970 e o impacto nos espaços públicos do centro da cidade.

how to quote

ALVIM, Angélica Benatti. Memórias e atualidade. Espaços públicos da área central de Presidente Prudente. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 222.01, Vitruvius, jan. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.222/7216>.


Vista panorâmica de Presidente Prudente
Foto Zekialves, 2013 [Wikimedia Commons]


Na continuidade de meu percurso pelos espaços públicos da área central de Presidente Prudente (1), a memória se aviva. O presente se contrapõe ao passado...

Presidente Prudente, com aproximadamente 227 mil habitantes segundo últimos dados do IBGE (2), é polo regional do oeste paulista e diariamente atrai a população de municípios vizinhos por motivos variados: trabalho, educação, saúde, comércio e serviços, lazer etc. O centro histórico da cidade é o destino de grande parte desta população.

Similar ao ocorrido em outras cidades brasileiras, a área central deste município paulista até meados da década de 1960 abrigava habitações da classe média e comércio tradicional; a partir dos anos de 1970 passou por importantes transformações que, ao longo dos anos, impactaram drasticamente seus espaços públicos.

Na atualidade, a cidade possui uma frota de automóveis de aproximadamente 157 mil veículos – 0,7 veículos por pessoa –, IDH 0,86 – indicador considerado alto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD –, e a população predominantemente urbana – taxa de urbanização de 97% (3).

Praça 09 de Julho, Presidente Prudente
Foto Zekialves, 2013 [Wikimedia Commons]

A sociedade prudentina ostenta um estilo de vida moldado por valores das grandes cidades brasileiras: a elite, em grande parte, reside nos condomínios horizontais ou verticais, classes média e baixa em bairros periféricos, onde o custo da terra é mais barato e a distância do cento exprime “tranquilidade”; proliferam conjuntos habitacionais fechados; parte das compras são realizadas nos dois shoppings center da cidade ou nos hipermercados; o lazer ocorre em clubes fechados e o deslocamento é predominantemente por automóveis (4).

O resultado é um centro utilizado intensamente de dia por um misto de população residente e que trabalha na área central, e moradores de municípios vizinhos que vêm à Presidente Prudente para a realização de atividades ausentes em suas cidades de origem. À noite, o esvaziamento e a ocupação das ruas por transeuntes retratam um cenário de insegurança.

O conhecido quadrilátero da área central, cujo parcelamento retilíneo tem origem na histórica Vila Goulart fundada em 1917, é formado pelas avenidas Cel José Soares Marcondes, Manoel Goulart, Washington Luís e Brasil. Emoldurando esta região, estão três importantes praças que originalmente compunham um sistema de espaços livres de grande vitalidade para a cidade: Praça Monsenhor Sarrion (praça da Catedral), Praça 9 de Julho e Praça da Bandeira.

Praça 09 de Julho e Praça Monsenhor Sarrion, anos 1960
Foto divulgação [Blog Blog Memórias de um Repórter do Interior / Altino Correia]

As praças da Catedral e 9 de Julho podem ser consideradas a “porta de entrada” do centro da cidade. Dali duas importantes ruas comerciais, R. Tenente Nicolau Mafei e R. Barão do Rio Brancos (a primeira transformada em calçadão nos anos de 1970), conectam as duas avenidas de ligação leste – oeste da cidade e de conexão com a rodovia Raposo Tavares: as avenidas Coronel José Soares Marcondes e Brasil. A Praça da Bandeira encontra-se no fim das duas ruas comerciais, na avenida Brasil, junto à estação ferroviária, delimitando os “fundos” do centro, junto à via férrea.

Rua Tenente Nicolau Mafei antes do calçadão, década de 1970
Foto divulgação [Blog Memórias de um Repórter do Interior / Altino Correia]

A Praça 9 de Julho, criada nos anos de 1930, por muitas décadas foi considerada o principal espaço público da cidade, o local do encontro e do convívio social. Nos anos de 1940, com a construção da catedral, do outro lado da avenida, passou a compor com a praça Monsenhor Sarrion um conjunto arquitetônico-paisagístico único na cidade. Antigos residentes recordam que até os idos dos anos de 1960 era nesta praça e nas ruas próximas que ocorria o tão saudoso “footing” , uma espécie de “desfile” de homens e mulheres com a finalidade da “paquera”. O antigo coreto, demolido nos anos de 1950, para dar lugar a fonte, abrigava apresentações musicais (5); a pipoca, e algodão doce era diversão favorita aos fins de semana. A fonte iluminada jorrava suas águas que “bailavam” ao som da música do alto falante. Era o ápice de um tempo em que esta praça representava o local do encontro de diversas gerações e classes sociais.

Praça 09 de Julho
Foto Angélica Benatti Alvim, dezembro 2018

Praça 09 de Julho
Foto Angélica Benatti Alvim, dezembro 2018

Na atualidade, as duas praças não são mais as mesmas. A Praça da Catedral, como já dito em ensaio anterior, se transformou em um estacionamento de autos se desconectando da praça 09 de Julho. O espaço público apartado da igreja, durante a semana é alugado para o estacionamento. Já a Praça 09 de Julho sofreu diversas reformas, e recentemente, em 2013, foi objeto de um projeto de revitalização que buscaram requalificá-la. Parte de suas árvores e coqueiros foram mantidas, assim como o carrinho de pipoca. A fonte ainda jorra suas águas, mas não exprime a mesma graça e música da minha memória. A despeito de um intenso uso que a praça ainda tem, observa-se que a degradação dos equipamentos, mobiliários e jardins, mesmo que modernizados, é visível.

Praça 09 de Julho
Foto Angélica Benatti Alvim, dezembro 2018

Praça 09 de Julho
Foto Angélica Benatti Alvim, dezembro 2018

A praça da Bandeira tem relação direta com a história da origem da cidade. Foi construída em 1925 junto à esplanada da Estação Ferroviária de Presidente Prudente, antigo marco zero (6).  Por muitos anos foi considerada o local de encontro da sociedade prudentina. Um local onde era possível aguardar a chegada do trem, as carruagens com malas para viagens, presenciar encontros políticos, os namoros, as famílias passeando por seus jardins, o som da banda no coreto ou mesmo sentar embaixo das copas de suas imensas árvores.

Praça da Bandeira nos anos de 1930
Foto divulgação [Museu e Arquivo Histórico Prefeito António Sandoval Neto]

Com a expansão do centro e criação da Praça 09 de Julho e da Praça Monsenhor Sarrion, a partir dos anos de 1950, esta a praça teve seu papel reduzido. Em meados dos anos de 1980, a construção do viaduto Comendador Tannel Abbud, ligando os dois lados da linha férrea, cobriu parte da praça e impactou diretamente este histórico espaço público da cidade. Com o passar dos anos, a praça tornou-se local do comércio informal, durante o dia e, de prostituição, no período noturno.

Nos anos 2000, na tentativa de revitalizar e regularizar o comércio informal da Praça da Bandeira, o poder público transformou parte de sua área em shopping popular aberto. Foram derrubadas árvores para colocação de boxes comerciais. O local ficou conhecido como “camelódromo” e passou a atrair inúmeros consumidores ávidos pelas novidades do comércio popular, principalmente eletrônicos “ importados”. Com o passar do tempo, o número de camelos ilegais ultrapassou os boxes regulares, instalando uma situação de conflito. Recentemente foi implementada uma reforma parcial na Praça pelo poder público municipal, com a modernização de sua infraestrutura, especialmente da iluminação, reforma de pisos e mobiliário, manutenção de brinquedos etc. A prefeitura anunciou que esta seria uma primeira etapa de um projeto mais amplo voltado para a revitalização do quadrilátero central da cidade, para a conexão dos dois lados da via férrea e interligação com outros equipamentos culturais da cidade, como o Centro Cultural Matarazzo, na zona leste (7). Oxalá que isso de fato ocorra e que o projeto seja de fato inovador e não uma mera reforma.

O fato é que a contínua descaracterização dos espaços públicos da área central de Presidente Prudente, além de contribuir para uma cidade com pouca e esparsa arborização, a despeito de seu clima quente, expressa um misto de decadência e “suposta” vitalidade que convivem lado a lado. No calçadão, de dia diversas lojas populares atraem um intenso movimento de pedestres. O comércio e os serviços populares expressam o dinamismo do centro regional. Mas as moradias e lojas tradicionais já não estão mais presentes. No período noturno não há o que fazer na área central. Suas praças encontram-se em processo de degradação visível. Apesar das recentes obras realizadas pelo poder público municipal, voltadas para a revitalização destes espaços públicos, é evidente que seus efeitos são mínimos e que os projetos carecem de um olhar atento e integrado voltado para a valorização da história e do patrimônio sociocultural e ambiental que estes representam.

Por fim, as transformações observadas na área central de Presidente Prudente resultam de um modelo de desenvolvimento urbano que, em geral, desconsidera a importância vital de seus espaços públicos como espaços da memória e local de diversidade sociocultural da cidade.

notas

1
Primeiro artigo sobre a cidade de Presidente Prudente: ALVIM, Angélica Benatti. Saudades de uma praça que não existe mais. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 221.02, Vitruvius, dez. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.221/7204>.

2
IBGE. Panorama Presidente Prudente. Brasília, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018 <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/presidente-prudente/panorama>.

3
Segundo o verbete “Presidente Prudente” da Wikipedia <https://pt.wikipedia.org/wiki/Presidente_Prudente>. Acesso em 29 dezembro 2018.

4
GÓES, Eda Maria; BELTRÃO SPOSITO, Maria Encarnação. Práticas espaciais, cotidiano e espaço público: o consumo como eixo da análise do calçadão de Presidente Prudente-SP. Revista da Anpege, [S.l.], v. 12, n. 19, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, jun. 2017, p. 39-65 <http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/view/6373>. Acesso em: 30 dez. 2018.

5
BISPO, Thaís Mitie Shiguematsu. As praças centrais de Presidente Prudente-SP: avaliação do caráter como subsídio para intervenções projetuais. TCC em Arquitetura e Urbanismo. Orientador Alex Assunção Lamounier. Presidente Prudente, Faculdade de Ciências e Tecnologia Unesp, 2011 <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/118325>.

6
Idem, ibidem.

7
REDAÇÃO. Presidente Prudente. Prefeitura reinaugura metade da Praça da Bandeira. Portal Prudentino. 13 dez. 2018 <https://www.portalprudentino.com.br>. Acesso em: 30 dez. 2018

sobre a autora

Angélica Aparecida Tanus Benatti Alvim é arquiteta e urbanista, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo – FAU/USP (1996, 2003) e professora adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 1991, onde atualmente exerce o cargo de diretora (2016-2019).

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