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português
A resiliência urbana frente aos desastres naturais é frequentemente avaliada pelos protocolos de defesa civil. Aspectos de pertencimento e empoderamento comunitário também se mostram essenciais, como visto em Caxambu.
english
Urban resilience to natural disasters is often assessed by civil defense protocols. Aspects of belonging and community empowerment are also essential, as seen in Caxambu.
español
La resiliencia urbana frente a los desastres naturales es frecuentemente evaluada por los protocolos de defensa civil. Los aspectos de pertenencia y empoderamiento comunitario también se muestran esenciales, como se ve en Caxambu.
TALIN, Layla Chistine Alves. O que aprender com o Caxambu. Desastres naturais, resiliência urbana e o poder da comunidade. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 226.02, Vitruvius, maio 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.226/7364>.
Choveu no Caxambu. Choveu também em outros lugares da Cidade, mas a chuva do Caxambu foi além. Além do normal para uma cidade serrana? Não. Acontece de chover no verão em Petrópolis, acontece muito, e todo ano alguém é vítima dessa chuva. A chuva no Caxambu foi além no sentido humano, que transcende e fortalece quem habita o lugar.
Para explicar porque a chuva do Caxambu não foi como uma chuva qualquer é necessário explicar o que acontece regularmente quando chove na serra. É uma condição climática comum em Petrópolis porque a cidade está localizada na Serra do Mar, onde há ocorrência do efeito orográfico. Além disso, acontece em alguns períodos do ano o encontro de duas massas de ar, a Massa Tropical Atlântica e a Massa Polar Antártica, cuja consequência é precipitação.
O que a chuva encontra é um cenário de morros íngremes, pedras afloradas e grandes árvores. Os morros íngremes formam vales, vales encaixados, que conduzem as águas ampliando gradativamente a vazão de seus cursos. A água que não escorre, infiltra. Com isso, o solo fica pesado e, em cima de rochas lisas, escorrega. Carrega não só a terra, mas os fragmentos de pedra e as árvores. E essa lama com pedaços de natureza corre pelos talvegues, drenagens naturais, gerando fluxos de detritos. É comum nos períodos chuvosos visualizar a paisagem de vegetação serrana rasgada pela cor terrosa quando se percorre a estrada Rio – Petrópolis.
Esses movimentos de terra são poderosos, o que há no caminho se perde. São perdidos objetos, casas, animais domésticos, pessoas. A terra deslizada não apenas atinge a moradia, também obstrui caminhos e acessos. E por todo o potencial de perda que a chuva na serra tem, existem protocolos de ação para mitigação de danos e socorro rápido.
Os protocolos envolvem diferentes esferas de governo. Órgãos e Departamentos e Secretarias da Nação, dos Estados e dos Municípios. Antes da chuva, começam algumas ações básicas: Alertas de chuvas fortes, acompanhamento de pluviômetros locais, determinação de rotas de fuga, preparação de abrigos e pontos de apoio, acionamento de sirenes, convocação de pessoal. Mas nem sempre dá tempo. E nem sempre há preparo para realização das ações necessárias em todos os locais onde um movimento de terra pode acontecer. E a chuva encontra a terra, juntas encontram a cidade densa, desigual, não planejada. Desastre.
Começa a fase pós-chuva: Registro de ocorrências, vistorias, tantas vistorias que é necessário congregar todos aqueles técnicos do município que podem ajudar. Desobstrução de caminhos, socorro aos atingidos, reconstrução de ruas e pontes. Se houve isolamento de um lugar por uma barreira, não chega bombeiro, médico nem defesa civil. Enquanto a rua não é recuperada, não tem carro, mercadoria, transporte que passe. Algumas vezes significa também ficar sem energia e sem água potável.
O poder público tem os protocolos. Para as pessoas que moram pela cidade a situação é outra. Antes da chuva: medo. Durante: coração na mão. Depois: a espera por alguém da prefeitura que há de saber o que fazer. Neste ponto o Caxambu foi além.
O Caxambu é uma localidade com um trecho densamente urbano e outro ruralizado, apesar de bem ocupado. A chuva caiu mesmo, com vontade, no vale rural. Quase todas as famílias plantam alguma coisa, colhem e vendem e se conhecem. Quando a chuva forte veio, não houve tempo pro medo. O coração na mão enquanto fluíam as conversas por mensagem no celular e as ligações, para saber se tudo estava bem com o vizinho que divide o cotidiano. As fotos e vídeos que circulavam enquanto ainda chovia já anunciava que o cotidiano mudaria por um tempo. A plantação, as ferramentas, a renda seriam prejudicada. E piorava. Casas atingidas e um vizinho que não voltaria a ser visto no dia-a-dia. Tristeza.
Mas esse contato próximo, a humanidade na relação, a coesão da comunidade fazem do Caxambu um território que vai além. Vista a demora nos protocolos pós-chuva, pegou a enxada e o trator e se pôs a abrir o caminho, por si. Na união reconstruiu o lugar da vida, assentou os blocos de pedra sobre a lama para passar o caminhão e não deixar morrer a colheita que sobrou inteira. Que identificou as necessidades e buscou respostas junto a quem é pago com seu imposto para trabalhar.
Os protocolos também foram cumpridos, no prazo permitido pelos recursos disponíveis. Esse prazo comumente origina momentos de ansiedade e falta de assistência. O Caxambu resiliente escapou por pouco desse cenário, escancarou a diferença entre os territórios fortes e os desguarnecidos. Evidenciou a urgência de um trabalho direcionado ao fortalecimento e união das comunidades como ação prioritária de prevenção aos desastres. Já que a chuva e os movimentos de terra são inevitáveis, é necessário saber lidar com eles. Todos devem saber lidar: o poder público e o cidadão. É necessário falar sobre o assunto com frequência, o ano todo, não apenas quando estão na iminência de acontecer. Urge perder o receio da ampla divulgação das cartas e mapas que mostram quais são os territórios mais vulneráveis.
A chuva que caiu no Caxambu foi além. Mostrou a potência que existe quando o individualismo é superado. Ensinou o que é resiliência, para além das ações governamentais. A resiliência que fez diferença mesmo em uma comunidade que desconhecia protocolos e mapeamentos. Em uma cidade como Petrópolis, com desastres históricos e marcantes como os de 1988 e o de 2011, é momento de trabalhar essa resiliência integrada: feita de protocolos de governo e de força comunitária. Afinal, é verão, e a previsão é de chuva forte.
sobre a autora
Layla Chistine Alves Talin é arquiteta e urbanista e mestre pela Universidade Federal de Viçosa – UFV, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Católica de Petrópolis – UCP, atua em planejamento urbano no município de Petrópolis. Foi contraparte do projeto de Gestão Integrada de Desastres Naturais – Gides.