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my city ISSN 1982-9922

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O arquiteto Nabil Bonduki discute como o debate sobre o passe livre para transporte público está atrasado em São Paulo.

how to quote

BONDUKI, Nabil. É possível implantar a tarifa zero em São Paulo? Minha Cidade, São Paulo, ano 20, n. 236.01, Vitruvius, mar. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/20.236/7655>.


Corredor de ônibus na Avenida Nove de Julho, bairro do Bixiga
Foto Abilio Guerra


O Movimento Passe Livre – MPL, que defende a gratuidade do transporte coletivo, tornou-se conhecido nas chamadas Jornadas de Junho, quando se opôs ao aumento de R$ 0,20 na tarifa em São Paulo, dando origem às manifestações que impactaram fortemente a política brasileira.

Os desdobramentos desse processo, como a perda de popularidade da presidente Dilma Rousseff (PT) e do prefeito Fernando Haddad (PT) e a mobilização da extrema direita, obscureceram um debate mais aprofundado sobre as propostas do movimento, ou seja, o direito à mobilidade urbana.

Ir e vir livremente é um direito humano básico, garantido a todos pela Constituição brasileira. A tarifa do transporte coletivo, no entanto, limita a possibilidade dos cidadãos de baixa renda se deslocarem livremente. Assim, além de garantir um direito, a gratuidade constitui uma excelente política para combater a desigualdade, um objetivo que vem ganhando consenso no país.

Constituindo-se o transporte coletivo um serviço urbano básico, prestado diretamente ou sob concessão pelo poder público, deveria ser garantida a todos a gratuidade, assim como ocorre na saúde e educação pública?

Embora possa parecer extemporâneo neste momento em que os municípios e estados passam por grave crise fiscal, o debate está se tornando cada vez necessário. Para além da sua pertinência social, a pergunta que precisa ser respondida é quem vai pagar o custo desse serviço, pois não existe almoço grátis. Várias experiências mostram que a proposta pode ser viável.

Quando a prefeita Luiza Erundina propôs a tarifa zero, em 1991, por sugestão do seu secretário de transporte, Lucio Gregori (até hoje grande defensor da ideia), a reação contrária foi avassaladora. A prefeita esperava financiar o custo do transporte com significativa elevação do IPTU, mas o projeto de lei nem sequer chegou a ser votado na Câmara Municipal, tamanha a oposição. Até mesmo a direção municipal do partido da prefeita (então no PT) não levou a sério a proposta. Mas estava lançada uma ideia que, quase três décadas depois, vem sendo crescentemente cogitada em várias partes do mundo.

Aos poucos vem crescendo o número de cidades que adotam a gratuidade ou a redução da tarifa do transporte coletivo. Na Europa, o debate sobre o direito à mobilidade está bastante avançado, sendo associado, além das razões sociais, a motivações ambientais e de tráfego, na perspectiva de desestimular o uso dos automóveis.

Casos como os dos municípios de Tallin, na Estônia, ou de Cascais, na região metropolitana de Lisboa, onde a tarifa não é cobrada de residentes e estudantes. Nesta semana, Luxemburgo, pequeno e rico país de 770 mil habitantes, encravado entre a França, a Alemanha e a Bélgica, tornou-se a primeira nação do mundo a adotar integralmente a gratuidade no sistema de transporte coletivo.

Pode parecer coisa de país rico. Mas, no Brasil, a ideia vem ganhando força. Várzea Grande Paulista, cidade do interior de São Paulo (48 mil habitantes), tornou-se, em novembro de 2019, a 16acidade brasileira a adotar a tarifa zero. O município criou o Fundo Municipal de Transportes e Trânsito, alimentado por uma taxa paga pelos empregadores, equivalente ao vale-transporte, pelas multas de trânsito e por taxas de publicidade em pontos de ônibus, entre outras fontes, que arca com os custos de um sistema terceirizado. Em Maricá, município fluminense de 157 mil habitantes que, desde 2013, adotou a tarifa zero, o serviço é prestado por uma empresa municipal e é suportado pelos royalties do petróleo.

Já proposta apresentada pelo prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), atualmente em debate na Câmara Municipal, mostra que a ideia pode ser equacionada em grandes municípios e por gestões que não se caracterizam como de esquerda. O projeto de lei garante tarifa zero para os trabalhadores com carteira assinada e estabelece uma tarifa de R$ 2 (atualmente ela é R$ 4,70, uma das mais altas do país) para o restante da população, prevendo ainda meia tarifa para os estudantes.

Para custear o serviço, propõe criar uma taxa de mobilidade urbana, a ser paga pelas empresas em substituição ao vale-transporte, em proporcionalidade com o número de empregados. Além disso, todas as viagens por aplicativos (Uber, 99 etc.) seriam taxadas em R$ 0,28 por km rodado (como já ocorre em São Paulo) e os automóveis de fora do município pagariam uma espécie de pedágio urbano para circularem.

São Paulo, maior cidade do país, não pode ficar ausente desse debate e as eleições municipais são o momento propício para se pensar alternativas para implementar, gradativamente, o passe livre. Atualmente, o município já subsidia o sistema de ônibus com quase R$ 3 bilhões, sendo que o custo total do serviço alcança cerca de R$ 8 bilhões.

Vários segmentos, como idosos, estudantes e jovens de baixa renda já têm gratuidade ou tarifa reduzida. Quase 40% dos usuários se beneficiam do vale-transporte. No entanto, parte significativa da população, como desempregados e trabalhadores informais, ficam de fora desses benefícios. Ademais, a lógica do sistema favorece apenas os deslocamentos para o trabalho, excluindo outras necessidades, como o lazer.

O estímulo ao transporte coletivo e o uso mais racional do automóvel fazem parte da estratégia urbanística do município. Por isso, faz sentido subsidiar o sistema de transporte coletivo com recursos que já são arrecadados através do uso do automóvel, como multas, estacionamento em vias públicas e taxas no transporte por aplicativo. A essas fontes podem ser acrescidos os mecanismos propostos em Porto Alegre, como o pedágio urbano e uma nova forma de cobrança do vale-transporte. A municipalização da Cide, seria outra alternativa. Ademais, a gratuidade elimina custos, como os cobradores, e amplia o espaço nos ônibus pela supressão da catraca.

É evidente que uma proposta tão estrutural como a tarifa zero precisa ser amplamente debatida e que sua implantação precisa ser gradativa. Também deve ser discutido se, neste momento, não é mais importante utilizar esses recursos na melhoria da infraestrutura de transporte coletivo. O que não se pode é dar continuidade à paralisia em um tema tão vital para os paulistanos.

nota

Publicação original do artigo: BONDUKI, Nabil. É possível implantar a tarifa zero em São Paulo? Folha de S.Paulo, São Paulo, 02 mar. 2020 <https://bit.ly/3amh5gc>.

sobre o autor

Nabil Bonduki é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU USP.

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