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A escolha da Rocinha, para dar início ao programa Comunidade Cidade levou o arquiteto Luiz Carlos Toledo a participar das discussões junto à comunidade, com a participação do governador Wilson Witzel.
TOLEDO, Luiz Carlos. A Rocinha não pode ser enganada mais uma vez. A Comunidade e o Programa Comunidade Cidade. Minha Cidade, São Paulo, ano 20, n. 236.02, Vitruvius, mar. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/20.236/7664>.
“A Rocinha não pode ser enganada mais uma vez!”, alertou Toledo
“Ninguém vai enganar ninguém não!”, respondeu Wilson Witzel
[diálogo entre o arquiteto Luiz Carlos Toledo e o governador Wilson Witzel durante lançamento do programa Comunidade Cidade, no dia 30 de janeiro de 2020, no CIEP Ayrton Senna da Silva]
Não tenho razões para duvidar da firme intenção do governador de enfrentar o grave problema da falta de saneamento nas favelas do Rio de Janeiro, nem da concretização das demais ações que o programa Comunidade Cidade se propõem a desenvolver nesses territórios tão esquecidos pelos governantes, e por parte expressiva da sociedade que neles só enxergam carências, subestimando o seu papel em prol da inclusão social, econômica e cultural dos mais pobres.
Garanto que se não acreditasse na viabilidade do programa, e na vontade do governo de realizá-lo, não teria aceito o convite para participar da equipe encarregada de coordená-lo, além disso, a proposta do programa de ter como carro chefe a implantação do saneamento básico nas favelas do Estado do Rio de Janeiro tornou o convite irrecusável.
A escolha da Rocinha (1), para dar início ao programa, também foi decisiva para minha participação na equipe, afinal, há muitos anos, dedico parte do meu tempo a estudar e atuar na favela, onde desempenho atualmente da dupla função de consultor sênior do Programa Comunidade Cidade e professor do Curso A Rocinha que Queremos, ministrado no Ciep Ayrton Senna da Silva desde de meados de 2018.
Há doze anos atrás coordenei o Plano Diretor de Desenvolvimento Sócio Espacial da Rocinha (2006 a 2008) e senti na pele a frustração dos moradores com o desrespeito aos objetivos e às diretrizes do Plano que também priorizava o saneamento. Esse foi o motivo que me levou a falar para o Governador que a Rocinha não pode ser de novo enganada.
Pesa sobre os ombros da atual administração a imensa responsabilidade de mudar o jogo, fazendo com que o Programa Comunidade Cidade (2) constitua um marco na melhoria das condições de vida nas favelas, acelerando o processo de integração à cidade de que são indissociáveis.
Os contornos e a abrangência do programa começaram a ser delineados no início de 2019, primeiramente pela Secretaria Estadual de Infraestrutura e Obras – Seinfra e, mais recentemente, pela Secretaria Estadual de Governo e Relações Institucionais – Segov, atual responsável pela coordenação do Programa.
O Programa é ambicioso, não só pelo montante de recursos que serão investidos, mas também por envolver a maioria das Secretarias Estaduais e várias empresas públicas, entre elas a Cedae, que tem como meta investir um bilhão de reais em infraestrutura de saneamento só na Rocinha, até o final da atual administração.
A complexidade do programa, que além do saneamento, se propõem a investir em mobilidade, educação, saúde, habitação de qualidade, meio ambiente, sustentabilidade e a criação de empregos locais, entre outras ações exigirá da Segov um grande esforço de coordenação, e do Governador a vontade política de levar a bom termo um programa de tamanha envergadura.
Para ser implantado o programa necessitará do apoio da população, e isso só se dará com uma ampla divulgação dos seus objetivos e etapas de implantação. O Fala Roça, as rádios comunitárias e outras mídias locais serão de enorme importância para a divulgação e acompanhamento do programa. Mas isso não será suficiente, também será necessário criar espaço para a discussão e aprimoramento do programa com contribuições vindas da população local e da sociedade em geral.
As obras viárias, de implantação das redes de abastecimento de água, esgotos sanitários, drenagem pluvial e as intervenções para desobstrução dos talvegues ocupados por edificações exigirão a desapropriação de cerca 7300 moradias. Será necessário prestar às famílias atingidas informações detalhadas sobre todas as opções de realocação que terão, dentro e fora da Rocinha. Neste sentido será fundamental que o programa mantenha a presença de equipes interdisciplinares para acompanhar cada família durante todo o processo de desapropriação e realocação.
Até o momento os estudos da implantação de habitações de interesse social levantaram 18 áreas na Rocinha e em seu entorno imediato onde foram projetadas a construção de cerca de 2400 unidades habitacionais. A grande diferença entre o número de construção de novas unidades habitacionais e o de desapropriações é um problema a ser superado com medidas que transcendem o escopo do Comunidade Cidade.
Experiências passadas na própria Rocinha, durante as obras do PAC, demonstram que uma parte das famílias deixa a favela após receber o pagamento da desapropriação, mesmo assim, a diferença entre os números é motivo de grande preocupação. Minha experiência na Rocinha, como arquiteto, me diz que projetar 2400 novas unidades habitacionais na favela e em sua periferia é uma meta difícil de alcançar, dada as condições topográficas da área e, principalmente, devido a intensa ocupação do solo atual, sem falar na legislação urbanística em vigor que inibe a verticalização. O problema não será resolvido sem a anuência da Prefeitura em flexibilizar a legislação, e sem que o Governo do Estado tenha em mente providenciar moradias dignas às famílias que tenham de deixar a favela em função das obras.
Há que se criar uma política de reassentamento dessa população em áreas com infraestrutura e próximas ao mercado de trabalho, se possível aproveitando o grande número de próprios federais, estaduais e municipais vazios ou subutilizados, existentes em áreas centrais da cidade, como por exemplo os terrenos e edificações ociosas localizadas na região portuária da cidade.
Nada disso é fácil, exige muita vontade política e inteligência dos governantes, compreensão e o apoio dos bairros vizinhos, dedicação e competência dos técnicos e, principalmente, a colaboração e a paciência dos moradores durante a execução das obras.
O que não deixa dúvida é que a gente sofrida da Rocinha mais do que merece todas as melhorias que estão sendo prometidas pelo Programa Comunidade Cidade, daí a importância de não desapontá-la mais uma vez.
notas
NE – publicação original do artigo: TOLEDO, Luiz Carlos. A Rocinha não pode ser enganada mais uma vez. Jornal Fala Roça, Rio de Janeiro, 04 mar. 2020 <https://falaroca.com/rocinha-enganada-witzel>.
1
SILVA, Michel. Imagens revelam como ficará a Rocinha em 5 anos, segundo governo. Jornal Fala Roça, Rio de Janeiro, 31 jan. 2020 <https://falaroca.com/imagens-obras-rocinha>.
2
GOVERNO DO ESTADO. Governo do Estado lançou nesta quinta-feira o programa Comunidade Cidade na Rocinha. Rio de Janeiro, Governo do Estado do Rio de Janeiro <www.rj.gov.br/secretaria/NoticiaDetalhe.aspx?id_noticia=4943&pl=governo-do-estado-lançou-nesta-quinta-feira-o-programa-comunidade-cidade-na-rocinha>.
sobre o autor
Luiz Carlos Toledo, arquiteto, mestre e doutor pelo Proarq UFRJ, diretor da Mayerhofer & Toledo Arquitetura, autor do Plano Diretor Sócio-Espacial da Rocinha (2006) e diretor da Casa de Estudos Urbanos. Recebeu do IAB-RJ o título de Arquiteto do Ano em 2009.