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my city ISSN 1982-9922

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O Balneário de Águas da Prata – projeto dos arquitetos João Walter Toscano, Odiléa Setti Toscano, Massayoshi Kamimura, inaugurado em 1974 – está sofrendo reforma que descaracteriza uma das obras primas do brutalismo paulista.

how to quote

PEREIRA, Maria Isabel. Balneário de Águas da Prata. Descaracterização da obra-prima de João Walter Toscano. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 272.01, Vitruvius, mar. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.272/8735>.



O patrimônio histórico

O Balneário Teotônio Vilela, de Águas da Prata, é um marco da construção modernista no Estado de São Paulo. Inaugurado em 1974, o balneário que tem projeto do arquiteto João Walter Toscano, em coautoria com Odiléa Setti Toscano e Massayoshi Kamimura, foi escolhido, pela Comissão do Departamento de Arquitetura do Centre Georges Pompidou de Paris, em 2009, para integrar o acervo permanente da instituição. A obra é festejada nos principais livros de Arquitetura Moderna do país e objeto de trabalhos acadêmicos, que exaltam a sua importância.

Não é para menos. O termo “Escola paulista” ou “brutalismo paulista” designa a produção de um grupo de arquitetos sediados em São Paulo, sob a influência de João Batista Vilanova Artigas, entre o final dos anos 1950 e as duas décadas seguintes. Além de Artigas e da sua obra mais emblemática – a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – figuram como expoentes deste grupo, dentre outros Paulo Mendes da Rocha, Joaquim Guedes, Carlos Millan, Fábio Penteado, Pedro Paulo Saraiva, Abrahão Sanovicz, Jon Maitrejean, Ruy Ohtake, Gian Carlo Gasperini, Marcello Fragelli, Decio Tozzi, Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre, João Walter Toscano e, de certa forma, Lina Bo Bardi.

Balneário de Águas da Prata, implantação, 1970-1974. Arquitetos João Walter Toscano, Odiléa Setti Toscano, Massayoshi Kamimura
Foto Georges Meguerditchian [Centre Pompidou, MNAM-CCI /Dist. RMN-GP]

Como características principais entre as obras deste seleto grupo estão a adoção de um partido estrutural ousado como definidor da forma, o largo emprego do concreto armado, a volumetria compacta encimada por uma cobertura iluminante, a predominância de empenas cegas obstruindo uma relação mais franca entre o interior e o exterior do edifício, e a ênfase na criação de uma espacialidade interna contínua. Espacialidade essa balizada por pátios, jardins ou grandes vazios capazes de tragar atributos “paisagísticos” dos espaços externos para o interior das construções.

O Balneário de Águas da Prata é exemplo e fruto direto desta corrente, mas guarda peculiaridades. Do desenho de Toscano, em 1971, resulta um edifício plenamente visível, cujo desenvolvimento em curva acompanha os patamares do terreno, minimizando o impacto da grande construção pela ênfase em sua horizontalidade. A obra de Toscano é desprovida do excesso de peso das empenas de concreto, material que ele emprega sempre de maneira restrita, quase somente nos planos horizontais e colunas. A obra se tornou exemplar tanto por abrir novas possibilidades de combinação no uso de materiais, dentre eles o aço e alumínio, como o mármore dos acabamentos e o detalhamento.

Balneário de Águas da Prata, corte e elevação, 1970-1974. Arquitetos João Walter Toscano, Odiléa Setti Toscano, Massayoshi Kamimura
Foto Georges Meguerditchian [Centre Pompidou, MNAM-CCI /Dist. RMN-GP]

Um marco local

Para quem chega à cidade de cerca de 7 mil habitantes, o prédio em concreto armado sempre foi uma referência na paisagem, a se destacar e ao mesmo tempo se mimetizar com verde da Mata que o cerca. Localizado ao lado de uma área de proteção ambiental, o majestoso prédio traz a natureza para dentro, inundando de luz os amplos espaços, destacando preciosidades e marcos da história da arquitetura paulista.

Dentre elas, está o anfiteatro com acústica perfeita e iluminação zenital por domus circular. O governo do Estado, à época, teve o cuidado de mobiliar o espaço com longarinas desenhadas pelo mestre do design Sérgio Rodrigues e que estão em sua maioria intactas (1). Em sua fachada, Toscano optou pelos brise-soleil para deixar a luz e a natureza entrar, sem precisar de ventilação artificial. Na área das piscinas, foi buscar as pedras portuguesas, do passado e instalou cobogós na fachada dos antigos vestiários com uma inusitada e assertiva solução de garantir privacidade, mas também ventilação e iluminação.

No piso superior, o mármore predomina. Muitas peças foram retiradas e quase nada havia restado.

Mas para além dos detalhes arquitetônicos, o Balneário foi pensado pelo mestre Toscano, para a convivência em grandes espaços livres, com suas colunas majestosas e a perfeita ambientação com a paisagem e o relevo. Tudo nos remetia à beleza, ao desenho fluido do concreto bruto, ao convite ao homem para se deixar ficar. Seja solidez do concreto, este também mimetizado pelo teto vazado para garantir beleza, ou nas curvas insidiosas e leves, não há nada que sobre ou que falte. Há sim uma integração entre o homem que utiliza o espaço e a natureza que o acolhe.

E acertou. Enquanto funcionou o Balneário foi um farol irradiador de cultura, de arte, de entretenimento, saúde e turismo que movimentou a cidade por mais de duas décadas.

Desde 1998 ele não funciona mais como balneário e a sua decadência e consequente fechamento, está registrado na história em paralelo com o declínio do termalismo no Estado. Se traçássemos uma linha do tempo, o fechamento Balneário segue lado a lado ao fechamento dos hotéis e o declínio de toda a cadeia turística, que emanava e dependia, do seu principal atrativo.

O fechamento do Balneário pelo Estado, que era até então seu proprietário, depois de várias tentativas de PPPs chocou a cidade. Porém, foi recebida, por muitos, como um presente valioso, tornando-se a cidade guardiã e protetora de uma obra que ao mesmo tempo é referenciada pelos amantes da Arquitetura Brutalista, mas também pelo valor histórico e cultural que simboliza para o turismo e cultura da cidade.

A estrutura física feita em concreto armado resistiu ao tempo e abrigou, por anos, diversos setores governamentais e até mesmo uma academia. Neste período foi palco de diversas exposições culturais, shows e instalações artísticas. Nem a paralisação das atividades típicas a que foi concebido, nem as seguidas tentativas de reforma que se sucederam, o fizeram perecer. Mas este patrimônio, agora está em risco.

Município guardião

Desde 2000, o prédio passou a ser parte do patrimônio da Prefeitura. Diversas foram as reformas, para fazer com que o prédio se mantivesse, ainda que fechado. De calefação para conter vazamentos, à restauração elétrica. Movia a todos uma certa reverência ao patrimônio, um respeito pela história. Raro – se houve- foi a Administração que entre os anos 2000 até hoje, não dedicaram parte dos recursos recebidos a que tem direito, como Estância, ao prédio. Algumas tentativas mais arrojadas pretendiam a revitalização total com adaptações ao modelo original. Em 2006, o próprio escritório do arquiteto Walter Toscano foi contratado para propor a sua revitalização. O mestre esteve na cidade e entregou um projeto – que está à disposição na Prefeitura – onde além de detectar os problemas estruturais de intervenção imediata, também propôs um novo uso.

Em alguns momentos o prédio foi ameaçado e quase se tornou um estacionamento de ônibus, em 2012. Uma iniciativa popular apresentada em audiência pública, de revitalização, nos moldes do que havia sido feito com o Theatro Municipal de São João da Boa Vista, foi aprovada, mas o projeto não vingou.

Em 2014, uma Lei foi aprovada pela Câmara Municipal tombando o prédio, bem como outros imóveis. Esta lei, porém, foi revogada em Maio de 2017.

A reforma

A Prefeitura da Estância Hidromineral de Águas da Prata iniciou a reforma em julho de 2022. A atual administração não observou, nem o projeto de 2006, pelo qual a Prefeitura pagou e também desconsiderou outras possibilidades que lhe fora oferecida, como a da família Setubal, que inclusive se prontificou não apenas a fazer o projeto, adaptando-o ao uso escolhido pela Prefeitura, como a buscar recursos para que a reforma fosse feita, respeitando o projeto inicial.

Balneário de Águas da Prata, descaracterização da fachada com retirada dos brises
Foto Maria Isabel Pereira

Porém, já tinha em vista a administração, uma possível concessão ao Núcleo de Medicina e Práticas Integrativas – Numepi, da Universidade Federal de São Paulo – Umifesp. O Numepi é um núcleo da Pró-reitoria de Extensão e Cultura – Proec da Unifesp com constituição interdepartamental e interdisciplinar, que visa agregar profissionais de diversas áreas envolvidas com as práticas de ensino, pesquisa, extensão e assistência alinhadas à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares – PNPIC, Portaria n. 971 de 03 de maio de 2006, que inclui as práticas da Homeopatia, Plantas Medicinais e Fitoterápicas, Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura, Medicina Antroposófica e Termalismo Social e Crenoterapia. Se formalizada, a ideia é a de trazer para a cidade uma expansão deste núcleo, que poderá, inclusive, atender a população com programas de saúde não tradicionais. A administração municipal, então, optou por realizar sozinha a obra e concedê-la no futuro à universidade.

Balneário de Águas da Prata, descaracterização da fachada com retirada dos brises
Foto Maria Isabel Pereira

O sonho da comunidade pratense sempre foi de que o Balneário voltasse a ter uma atividade. Nos últimos anos, os departamentos e secretarias que utilizavam o prédio, foram alocados em outros locais. Uma academia, que lá funcionava também foi retirada. O prédio, vazio e desocupado, apenas com o auditório funcionando eventualmente, de orgulho pratense tornara um grande problema e palco de diversos ilícitos. Por isso, a notícia da possível vinda do núcleo da Unifesp, foi bem recebida e comemorada em muitos setores.

Para fazer com que o prédio ficasse adequado ao objeto pretendido, a administração municipal, optou por realizar sozinha a obra e não levou à frente, a proposta da família Setubal.

Balneário de Águas da Prata, instalação de placas de gesso para recobrir estrutura aparente em concreto armado
Foto Maria Isabel Pereira

Para tanto, firmou um convênio com o governo do Estado de São Paulo, via Dadetur, no dia 16 de dezembro de 2021. O extrato do Convênio, publicado no Diário Oficial do Estado, em 21 de dezembro de 2021, informa que o valor do convênio é de R$ 2.515.488,48, sendo R$ 2.396.428,48 de responsabilidade do Estado, a ser pago em três parcelas. E o valor de R$ 119.060,00 de responsabilidade do município. O convênio com vigência de 780 dias, a partir da data de sua publicação já venceu. Porém, a Prefeitura só recebeu a primeira parcela, no valor de R$ 718.928,54, em julho do ano passado.

A falta de recursos, porém, não foi um empecilho para que a obra continuasse a todo vapor.

Até o momento, de acordo com o site da transparência da Prefeitura, a construtora já recebeu R$ 2.209.844,92, ou seja, a Prefeitura que antes colocaria apenas R$ 119 mil na Obra, já gastou com dinheiro próprio, cerca de 10 vezes do valor orçado e gastará ainda mais, porque o último aditamento do contrato aponta que a obra já está orçada em R$ 3.220.947,31.

Balneário de Águas da Prata, pintura em branco do concreto armado aparente
Foto Maria Isabel Pereira

A falta dos repasses contratuais pelo Estado pode ser explicada pelas regras de liberação, que estão no próprio convênio. A primeira parcela é liberada com um projeto simples. Mas a segunda parcela só é feita após a aprovação de contas relativas ao dinheiro já entregue. Neste caso, os auditores comparam o projeto executivo e fazem a medição do que foi executado, até o momento. Se aprovado, a Prefeitura envia a execução da etapa seguinte e o Estado faz a liberação dos recursos. O atraso na prestação de contas e a liberação das parcelas subsequentes, talvez se deva a um fato de conhecimento público na cidade: a falta de um projeto executivo para esta obra e muitas outras, uma vez que a Prefeitura não dispõe de arquitetos no seu quadro funcional.

A ausência do projeto já foi tratada pelos vereadores em sessões na Câmara Municipal, foi assunto em reuniões de Conselhos e chegou à Justiça. No dia 2 de fevereiro de 2023, a Construserra requereu Tutela Judicial para parar a obra, alegando, justamente, falta de projeto executivo. O proprietário da empresa Francisco Alves da Silva, chegou também a dar entrevistas à rádio local, alertando para as ingerências divergentes na obra, de pessoas alheias ao setor de engenharia e à pressa na execução. Sem um projeto executivo, ele se via perdido, sem saber o que fazer e com tantos palpites. Nas duas ocasiões os pedidos foram extintos, sem julgamento do mérito, porque a empresa desistiu da ação. A extinção se deu no dia 13 de fevereiro. No dia 14, de fevereiro, a Prefeitura fez um pagamento de quase 1 milhão à empresa.

Balneário de Águas da Prata, remoção das pedras portuguesas do piso e dos cobogós nas paredes
Foto Maria Isabel Pereira

Com, ou sem projeto. Com procedimentos administrativos de desvio de recursos a serem analisados, o fato é que, hoje, quase 70% do valor da obra já foi pago e com recursos da própria Prefeitura.

O estrago

Espantou a sociedade pratense o prédio surgir pintado de branco, num domingo, dia 19 de Março. Mas ainda havia mais. Fotos conseguidas com muito esforço, já que o prédio está constantemente vigiado e cercado por tapumes, revelam que para além da pintura, há um verdadeiro crime contra o patrimônio em curso.

Os brise-soleil, em alumínio, foram retirados das fachadas principal e posterior. No primeiro pavimento, foi instalado forro de gesso cobrindo os vãos da estrutura em concreto armado da laje do teto do primeiro piso; as pedras portuguesas foram retiradas e as duas piscinas foram aterradas. Os cobogós, foram revestidos por alvenarias e bancos de concreto foram demolidos.

Balneário de Águas da Prata, descaracterização da fachada com retirada dos brises
Foto Maria Isabel Pereira

As valiosas e raras longarinas do auditório, onde não tivemos acesso, se já não foram devem ser logo retiradas, de acordo com o memorial da obra, à qual tivemos conhecimento no último fim de semana.

A terminar a execução da obra neste quadro de temeridade – inclusive de segurança já que não há um acompanhamento técnico mais rigoroso – um marco do Patrimônio Histórico Paulista será perdido.

É necessária a imediata intervenção das autoridades competentes para que as medidas cabíveis sejam tomadas e o crime seja interrompido. É necessário que as medidas de proteção ao patrimônio histórico e cultural sejam efetivadas e que sejam aplicadas as punições previstas em lei para aqueles que desrespeitarem essa proteção.

A preservação do patrimônio histórico e cultural é uma responsabilidade coletiva e deve ser encarada com seriedade por todos.

Balneário de Águas da Prata, descaracterização do conjunto com pintura em branco do concreto armado aparente
Foto Maria Isabel Pereira

Acreditamos que a divulgação desse crime é um passo importante para sensibilizar a população e as autoridades e garantir a proteção do nosso patrimônio. Que o Balneário renasça e possa ser utilizado é o desejo de todos. Mas que ele retorne em sua plenitude, sem perder as características que o tornaram um símbolo da arquitetura paulista, ou, daqui a pouco, em nada se distinguirá de qualquer outro imóvel, perdendo o seu valor simbólico e arquitetônico.

Representações em curso

Exmo. Sr. Donizete T. Moraes de Oliveira, Segundo Promotor de Justiça da Comarca de São João da Boa Vista, instaurou representação solicitando informações da Prefeitura em denúncia de fato.

Denúncia de fato feita ao Procurador da República Leandro Zedes Lares Fernandes, que atende aquela comarca, que já foi acolhida, mas não tem nenhum despacho.

Balneário de Águas da Prata, maquete, 1970-1974. Arquitetos João Walter Toscano, Odiléa Setti Toscano, Massayoshi Kamimura
Foto Cristiano Mascaro

nota

1
Segundo o Memorial descritivo da obra, as cadeiras desenhadas por Sérgio Rodrigues serão retiradas.

sobre a autora

Maria Isabel Pereira é jornalista, com textos publicados na IstoÉ e jornal O Estado de S. Paulo. Há mais de trinta anos atua também como assessora de imprensa, cargo que ocupou em diversas prefeituras ao longo de sua carreira. Entre 2005 e 2007 foi Secretária de Turismo da Estância de Águas da Prata. Atualmente é aluna de pós-graduação de filosofia e auto-conhecimento, pela PUC-RS.

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