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português
A necessária revisão crítica sobre as premissas que animaram a edificação das metrópoles contemporâneas, orienta a elaboração deste artigo sobre a contribuição de três autores da década de 1960: Jane Jacobs, Kevin Lynch e Guy Debord.
english
The necessary critical of the assumptions that animated the construction of contemporary metropolises guides the elaboration of this article on the contribution of three authors from the 1960s: Jane Jacobs, Kevin Lynch and Guy Debord.
español
La necesaria revisión crítica de los pressupuestos que animaron la construcción de las metrópolis contemporáneas orienta la elaboración de este artículo sobre la contribución de tres autores de los años 1960: Jane Jacobs, Kevin Lynch y Guy Debord.
XAVIER DE MENDONÇA, Denise; REGINO, Aline Nassaralla. Viver (na) cidade. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 276.01, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.276/8877>.
A crise ambiental em escala planetária em que estamos inseridos tem como principal agente o espantoso processo de urbanização do mundo. Essa instabilidade coloca em xeque os modelos urbanos e sua efetiva contribuição para a formação de um contexto adequado ao ser humano.
As transformações produtivas e de padrões de valores ocorridos na passagem do século 20 para o 21, modificaram o papel dos centros urbanos. Nesse novo contexto, os centros urbanos deixam de ser importantes por serem sede da produção de manufatura para se tornarem territórios estratégicos de produção, concentração e difusão de conhecimentos e informações. Ou seja, a passagem da economia, pautada na produção industrial para a sociedade da era pós-industrial no século 21, transformou – mas não enfraqueceu – o organismo urbano.
As cidades, em particular as metrópoles, continuam sendo centros estratégicos de grande importância. Elas oferecem espaços e acessos facilitados a negócios, consumo, serviços além da possibilitarem contato com expressões artísticas e culturais que ocorrem em seu contexto.
No entanto, as cidades não se resumem só aos acessos e estímulos; são, também, palco de conflitos nas mais diversas escalas. As divergências de interesses naturais de espaço codependente de diferentes atores somado aos atritos sociais, culturais etc. – são alguns dos fatores responsáveis por desenhar um cenário dissonante de tensões.
A defesa por um meio urbano mais humano e ambientalmente responsável, que notamos nas agendas de grandes cidades hoje, surge por uma tomada de consciência de que nem os ideários positivistas colocados pelos teóricos modernos no século 20 ou os modelos funcionalistas tecnocráticos impostos pelo raciocínio rodoviarista foram bem-sucedidos. Ambos produziram, na verdade, um meio urbano hostil ao ser humano.
Viver na cidade não é ocupar uma posição georreferenciada, trata-se – especial e principalmente – de exercer uma condição social e administrar os consequentes atritos. Viver na cidade é uma forma de existir socialmente, de participar e estar sujeito, ao mesmo tempo, a todas as possibilidades, recursos e tensões que essa atividade implica.
A questão é que para programarmos e planejarmos as transformações para a cidade contemporânea deveríamos ser capazes de compreender a natureza deste fenômeno. Giulio Carlo Argan nos lembra que a partir da segunda metade do século 20 o organismo urbano mudou no sentido dimensional, ou seja, “a cidade não pode mais ser considerado como um espaço delimitado nem como um espaço em expansão (...) senão como um sistema de serviços cujas potencialidades são praticamente ilimitadas” (1).
A cidade sistêmica necessita de uma abordagem conceitual igualmente complexa para a seu manejo. Para pensá-la é necessário que se troque a visão de espaço operacional para a de espaço relacional – promovendo uma necessária inflexão da noção de espaço para a de ambiente.
Enquanto o espaço cartesiano é regido pela razão e geometria; o ambiente se define pela construção de uma paisagem psicológica que se relaciona com uma realidade física. De acordo com o mesmo autor, a ação projetual pode definir um espaço enquanto um ambiente pode apenas ser influenciado, potencializado, mas não determinado pelo projeto.
O reconhecimento de que o fenômeno urbano transcendeu ao conceito de espaço concebido como receptáculo onde objetos se interpõem, abre agora caminho para uma interpretação da cidade como organismo vivo, sistêmico e complexo. Diante deste contexto teremos que nos munir de novos instrumentos para a sua análise e manipulação.
São Paulo, assim como uma série de metrópoles no mundo que apostaram no padrão rodoviarista para impulsionar seu desenvolvimento na primeira metade do século 20, amarga há décadas as consequências de suas escolhas. Herdeiras de um território urbano alastrado e disperso, essas cidades exibem uma série de efeitos colaterais negativos que estão cada vez mais comprometendo a qualidade de vida urbana. Trânsito, poluição das mais variadas espécies, estresse, violência, apartheid social são alguns desses efeitos que vem levando ao questionamento dos modelos urbanos praticados durante boa parte do século 20.
No bojo da revisão crítica atual, encontramos um autor que vem ditando o tom de boa parte das intervenções urbanas recentes de cidades interessadas em retomar um caráter mais humano para aos ambientes esgarçados pelo uso do carro. Jan Gehl, em seu livro Cidade para pessoas (2), investiga sobre a qualidade de espaços públicos, analisa o comportamento das pessoas, verifica sentidos perceptivos e tenta sistematizar estratégias de desenhos para a elaboração de ambientes urbanos dimensionados por e para as pessoas.
Os conceitos explorados por Jan Gehl não são propriamente novos nem completamente originais. Ao percorrermos sua leitura identificamos filiações e referências de outros autores e livros igualmente importantes para as teorias urbanas, como é o caso de: Kevin Lynch no seu livro de 1960 intitulado Imagem da cidade (3); e, Jane Jacobs em Morte e vida das grandes cidades (4) lançado em 1961.
O próprio Jan Gehl, em 1971, no livro intitulado Life Between Buildings (5), realizou uma crítica sobre a cidade voltada para o carro e velocidade, estava atento ao caráter desagregador que determinados modelos urbanos imporiam às cidades. Nesse primeiro trabalho, o autor já havia concebido boa parte do discurso que o levaria, décadas adiante, a se tornar um dos intelectuais mais requisitados para a elaboração de planos de intervenções em espaços urbanos – como foi o caso de São Paulo.
Identificar as origens deste modelo de cidade – pensada para as pessoas, na qual a percepção do indivíduo, a construção de sentidos e padrões de comportamentos são capazes de definir, alterar ou transmutar os ambientes é importante para entendermos as nuances conceituais presente no discurso da cidade contemporânea.
Urbanismo humanista?
No universo teórico vinculado ao Urbanismo vimos aparecer na década de 1960 uma forte reação crítica a tudo que estava sendo feito como planejamento, intervenção e criação de cidades ou porções de cidades. Naquele momento surgiram uma série de teóricos interessados em apontar o caráter limitado do urbanismo funcionalista que se convertera em versões literais, adaptadas ou deturpadas do texto da Carta de Atenas, e produziram cidades ao redor do mundo no pós-segunda Grande Guerra.
Françoise Choay no livro O urbanismo (6), publicado originalmente em 1965, identifica uma vertente que responde ao esgotamento do que ela chamou de urbanismo progressista. Para essa linha conceitual a autora dá o nome de Antrópolis e sob essa classificação ela coloca os trabalhos de intelectuais como: Patrick Geddes, Marcel Poête, Lewis Mumford, Jane Jacobs, Leonard Duhl e Kevin Lynch.
O nome sugerido por Choay – Antrópolis – deixa clara a indicação da principal característica que une os diferentes autores supramencionados. Indica, desse modo, que essas formulações convergem na tônica pela valorização dos aspectos humanos para a condução e orientação das cidades. Neste sentido, áreas do conhecimento tais como: psicologia, sociologia, antropologia, biologia, ajudam a entender a complexa relação entre o meio físico com o sujeito que a vivência.
No entanto, é importante ressaltar que o nome sugerido por Françoise Choay – Antrópolis – pode induzir a uma presunção prematura e/ou superficial de crítica ao urbanismo racionalista, ou seja, pode levar ao entendimento equivocado de que os idealizadores de alguns cânones do Urbanismo Moderno não haviam se preocupado com a questão do ser humano ao formularem suas teorias.
Em uma análise do texto clássico e mais difundido do Urbanismo Moderno, Carta de Atenas, vemos sucessivas passagens dedicadas ao sujeito moderno e a todas as suas necessidades. Nesse documento, a arte animada pelo espírito do tempo dedica sua atenção ao redimensionamento de todas as escalas do cotidiano. Le Corbusier (7) ressalta enfaticamente que “o dimensionamento de todas as coisas no dispositivo urbano só pode ser regido pela escala humana”.
O compromisso ético assumido pelos intelectuais da primeira geração do Moderno era o de reeditar o mundo por intermédio dos instrumentais tecnológicos torná-lo universalmente acessível. É indubitável que, no modelo da cidade moderna, o homem padrão e suas necessidades são colocados no centro do debate, talvez o que se faz necessário é identificar qual tipo de humanidade é essa.
Dentro do contexto de revisão crítica do Urbanismo Racionalista, o trabalho de Jane Jacobs, se destacou por seus argumentos afiados e uma franca oposição às noções abstratas de um modelo unitário de cidade que pressupunha um contexto universalizante e que implicava em necessidades e soluções igualmente generalistas. A autora defendia e difundia o entendimento de que as cidades eram lugares da diversidade, múltiplas em sua constituição e, portanto, com demandas locais e específicas, onde conceitos universais em nada contribuem para o seu planejamento; ao contrário, podem representar a destruição de suas qualidades.
Para Jane Jacobs a cidade é composta por territórios de características singulares que só podem ser entendidos de dentro para fora – naquilo que a particulariza. Atuar em desacordo com essa máxima é colocar a perder tudo aquilo que é mais caro na composição da tessitura social, ou seja, os elos entre lugares e pessoas – aqueles que são responsáveis pela criação e perpetuação dos vínculos identitários.
Jane Jacobs apresenta, de modo contundente, sua crítica ao Urbanismo Funcionalista que penetrado nas cidades americanas, se transformando em uma visão hegemônica e esquemática de planejar e intervir nas cidades. A crença dogmática levou, portanto, a um encurtamento da visão dos especialistas, que seguros de suas verdades teóricas se tornaram incapazes de enxergar as lições preciosas que a cidade real e seus agentes podem nos dar.
Jane Jacobs via a cidade como uma construção colaborativa, valorizava a experiência comunitária e acreditava que a cidade se dava no particular e por meio de uma delicada e intrincada trama, ativada por coisas e pessoas. Em sua análise dos contextos urbanos, identificou as inscrições de sucessivas ações, dinâmicas e expressões que acabaram por constituir o que havia de mais importante para as pessoas que era a identidade daquele lugar.
Saber ler essa camada, ao mesmo tempo, sutil e profunda de significados implica em combater a tábula rasa de um planejamento urbano míope – que trocou a diversidade pela unidade, o informe pelo uniforme e acreditou que, ao fazer isso, iria trazer um grande benefício à sociedade. Para Jacobs esse foi o grande engano do urbanismo do pensamento único, pois este modelo apenas esgarçava o tecido das relações humanas e suas ligações com o contexto ao retirar os componentes simbólicos que os mantinham unificados.
Para Jane Jacobs a visão apriorística do urbanismo moderno matou a possibilidade de pensar o urbano como um organismo vivo dono de uma lógica própria, que para ser conhecido deve ser testado. Ela compara a cidade a “um imenso laboratório de tentativa e erro” (8).
Junto com a defesa de Jane Jacobs por uma cidade diversa, caótica e animada em oposição aos planos homogêneos, ordenados e desertificados do urbanismo tecnocrático, outros autores se empenharam na leitura das cidades espontâneas com o intuito de resgatar qualidades que haviam sido desprezadas pelo urbanismo de pensamento único. Dentre eles destaca-se o trabalho de Kevin Lynch um pioneiro das análises do ambiente urbano sobre o ponto de vista de sua percepção e de como ela pode alicerçar a experiência do viver nas cidades.
Em oposição à visão de voo de pássaro – amplamente difundida pelo Urbanismo Moderno – Kevin Lynch propôs enxergar a cidade desde o ponto de vista de seus usuários. Sua leitura se dava ao rés do chão e em movimento. Nesse contexto, o observador não era apenas um personagem passivo diante da cidade, ele fazia parte, também, do processo de construção de significados.
O autor acreditava que a produção de significados elevada à escala coletiva teria a capacidade de retornar ao território se transformando, desse modo, em uma espécie de espessamento de densidade simbólica. A paisagem urbana se constituiria de camadas de experiências, vivências e memórias que trabalhariam para a construção dos elementos da identidade local.
O método de conhecimento do território proposto por Kevin Lynch, pressupunha a observação cinestésica da paisagem. Eram trajetos realizados preferencialmente a pé, que apareciam implícitos em suas análises, o que demonstrava a valorização de uma observação mais detida e lenta do contexto.
A incorporação da temporalidade – própria da atividade do deslocamento – orienta a construção das narrativas. Nesse sentido, admite-se que a cidade nunca poderá ser definida por uma visão única, pois as narrativas geradas serão sempre múltiplas e parciais simultaneamente, visto que serão produzidas por milhares de pontos de vista e sucessivas composições de sequências, variáveis a partir da ordem e de acordo com percurso.
O estudo ambiental e perceptivo proposto por Kevin Lynch não se orienta para a elaboração de um modelo fechado de cidade, sua preocupação era de criar métodos para o planejamento e desenho urbano. O autor parecia não acreditar na imposição de uma realidade fechada e acabada de cidade, esclarecia que a cidade era um organismo vivo e dinâmico e, por essa razão, deveria sempre contar com algum grau de indefinição, guardando assim um lugar para o inesperado.
Nesse sentido Kevin Lynch lembra que a imagem da cidade “deveria, de preferência, possibilitar um fim em aberto, adaptável a mudanças, permitindo ao indivíduo continuar a investigar e a organizar a realidade” (9). Ou seja, essa vacuidade programada demonstra que o autor duvidava do benefício e eficácia das ações de controle total do ambiente urbano.
O pensamento desenvolvido por Kelvin Lynch considera que a construção de imagens reconhecíveis e simbólicas atribui tanto sentido ao território como ao sujeito que o habita. Isso pode implicar no desenvolvimento emocional simultâneo da escala pessoal como na construção de elos coletivos, ou seja, "A imagem de um bom ambiente dá, a quem o possui, um sentimento importante de segurança emocional. Pode estabelecer uma relação harmoniosa entre si e o mundo" (10).
Ao oferecer categorias de estruturas perceptivas na paisagem, Kevin Lynch compõe recursos para a compreensão urbana. Sua contribuição à crítica do planejamento ortodoxo não redunda em acusações ou ataques frontais – como o fez, de modo literal, Jane Jacobs; ao contrário, seus postulados se dão em bases mais operacionais. O poder de seu método está em lembrar a importância dos aspectos simbólicos, psicológicos e comportamentais ligados ao tecido da cidade pré-existente e ao oferecer estratégias de indução para a formação de ambientes perceptivos, ricos, legíveis e com cargas simbólicas.
Para evitar o extremo relativismo, Kevin Lynch apostou nos instrumentos de ordenação das imagens – os mapas – que seriam capazes de antecipar as sequências cinestésicas e dariam a possibilidade de reconhecer o território, evitando a desventura de ficarmos perdidos. Para o autor essa é uma condição a ser evitada, uma vez que a confusão mental que o sentimento de estar perdido produz desorientação e medo.
Neste sentido, no mesmo cenário cultural da década de 1960, um outro grupo, que também operava dentro da questão perceptiva nas cidades, reivindicava a condição – do perder-se – como uma estratégia para se conhecer o território, estamos nos referindo aos intelectuais ligados ao Movimento da Internacional Situacionista (IS), fundado Guy Debord em 1957, e que acreditavam na arte como um instrumento de desalienação.
A proposta da IS era produzir “situações” – eventos disruptivos do cotidiano –, ou seja, utilizar essa técnica para desabituar o olhar. Acreditavam que o homem havia se tornado um insone, submetido a uma sociedade que tendia a transformar todas as relações em um sistema de objetos, para que pudesse exercer mais facilmente seu controle e manipulação. Com toda a realidade transformada em objeto, o homem teria perdido a capacidade de sentir e perceber a matéria concreta das coisas.
No livro intitulado A sociedade do espetáculo, Guy Debord aponta que “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação”. Em outra passagem, o autor define o conceito de espetáculo: “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagem” (11).
Diferente do conceito elaborado por Kevin Lynch, no qual as imagens são as entidades que encerram significados, para Guy Debord, elas representam o seu esvaziamento, isto é, são uma espécie de estratégia de submissão da carne do mundo ao sistema de valores do capital.
Para os intelectuais da IS o cotidiano tanto poderia ser a chave para a alienação como a oportunidade para a subversão. Como estratégias para se atingir esta subversão e se resgatar com isso a capacidade de sentir, práticas vivenciais foram sugeridas, dentre elas a deriva.
A deriva, método advindo da Psicogeografia, consiste em andar pela cidade sem um propósito ou direções pré-estabelecidas. O estado de confusão mental e a perda de controle sobre o território não é apenas provável como desejável. O método pretende levar seu espectador a entrar em contato com acontecimentos imprevistos – as chamadas situações.
A falta de parâmetros anteriores para as tais situações faz com o observador abandone sua condição de passividade e passe a encarnar o papel de ator urbano. Nesse momento os sentidos, amortizados pela alienação do cotidiano, são então despertos. Donos de novo de sua atenção, o sujeito pode voltar a testemunhar o presente e permanecer consciente do caráter fenomenológico dos acontecimentos.
Conclusão: um “não modelo”
Retoma-se a questão relativa à importância das três posturas teóricas, supra analisadas, ressaltando-se pontos de vista que buscam para além da exclusiva crítica ao urbanismo do pensamento único. Surgidas na década de 1960, essas teorias se mostram significativas ao serem constantemente lembradas em uma série de textos que discutem a cidade do século XXI. Uma das possíveis hipóteses para essa longevidade reside no fato que nenhum deles se propôs a definir uma matriz acabada de cidade. Em suas análises, os autores supracitados, se ocuparam de construir métodos e instrumentos para a abordagem do contexto urbano – recursos que ainda se mostram válidos.
Esse artigo não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas trazer reflexões sobre teorias e instrumentos formulados para a compreensão das cidades. Cabe, portanto, uma última pergunta: Por que esses autores não chegaram a formular uma cidade inteira se possuíam estratégias eficientes? Alguns apressados poderiam concluir que isso se deve a origem das atividades, pouco técnicas, desses intelectuais – dos três autores apenas Kevin Lynch tinha a formação de arquiteto; Jane Jacobs era jornalista e ativista; e, Guy Debord se autodefinia como “doutor em nada”. No entanto, arrisca-se dizer que não foi isso que os impediu de ilustrarem seus discursos com uma representação ideal de cidade. A ideia de um não modelo, que perpassa nas três posturas, é também um modelo.
Um modelo que rejeita a cidade do “aviador”, do desenho que responde a densidade de um papel em branco e que gera uma cidade lacunar cuja existência só é possível dentro da métrica do espaço euclidiano tão perfeito quanto abstrato. Ao contrário disso, esses autores – Jane Jacobs, Kevin Lynch e Guy Debord – trazem a viscosidade natural do ambiente, entidade espacial que envolve e mistura os elementos que o compõe. É a defesa de uma cidade que se dá pela proliferação das narrativas, no “jogo” entre o provável e o acidental. É a crença em uma humanidade definida pelo diverso, onde os afetos e as memórias respondem diretamente na construção dos significados do viver (na) cidade.
notas
1
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo, Martins Fontes,1992, p. 205.
2
GEHL, Jan. Cidades para pessoas. São Paulo, Perspectiva, 2013.
3
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1997.
4
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2014.
5
GEHL, Jan. Life Between Buildings: Using Public Space. Washington, Island Press, 2011.
6
CHOAY, Françoise. O urbanismo: utopias e realidades. São Paulo, Perspectiva, 1992.
7
LE CORBUSIER. Carta de Atenas. São Paulo, Edusp, 1993.
8
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades (op. cit.), p. 16.
9
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade (op. cit.), p. 19.
10
Idem, ibidem, p. 14.
11
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997, p. 13-14.
sobre as autoras
Denise Xavier de Mendonça é mestre e doutoranda em Arquitetura e Urbanismo, e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
Aline Nassaralla Regino é doutora em Arquitetura e Urbanismo e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.