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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Este trabalho faz uma revisão de literatura acerca da caminhabilidade, apontando suas definições, fatores que o qualifica e diferentes indicadores.

english
This paper reviews the literature on walkability, pointing out its definitions, factors that qualify it and different indicators.

español
Este trabajo revisa la literatura sobre caminabilidad, señalando sus definiciones, factores que la califican y diferentes indicadores.

how to quote

SANTOS, João Marcelo Lima; CASTRO, Alexandre Augusto Bezerra da Cunha; STEPHANIE, Luana. Caminhabilidade. Uma breve revisão. Minha Cidade, São Paulo, ano 24, n. 280.01, Vitruvius, nov. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/24.280/8938>.



O ato de caminhar é um dos meios mais democráticos de deslocamento (1). De acordo com a Associação Brasileira de Pedestres — Abraspe (2), o conceito da palavra “pedestre” está ligado a todos os que andam a pé em espaços públicos, incluindo também pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e que fazem uso de equipamentos auxiliadores (a exemplo de bengalas, andadores etc.). O pedestre é, portanto, “qualquer pessoa andando a pé em pelo menos parte de sua jornada” (3), que se permite afirmar que independente do deslocamento ter sido feito em sua maior parte por outro meio de transporte, caso em algum momento tal indivíduo passe a se deslocar a pé, se torna pedestre.

No entanto, ao longo das décadas, as cidades foram se adaptando de maneira que houvesse (na maioria dos casos) uma priorização dos meios de locomoção motorizados, a exemplo dos carros, motocicletas, ônibus, caminhões, dentre outros, enquanto os meios de locomoção a pé ou de bicicleta foram colocados em segundo plano. Os espaços de velocidade, de fragmentação e de segregação urbana se tornaram cada vez mais consolidados, e o pedestre, neste contexto, seguiu perdendo prioridade e importância, em uma díspar necessidade de fluxos mais rápidos e parcas relações sociais.

O planejamento urbano orientado ao automóvel tornou as cidades pouco convidativas para os modos ativos de deslocamento (caminhar e pedalar), e isso, obviamente, trouxe consequências: em nível global, o uso exacerbado de veículos compactuou com impactos no clima, na poluição ambiental, além de sobrepujar questões de saúde pública, tanto em consequência do aumento do número de acidentes de trânsito quanto pelo próprio sedentarismo; em aspecto local, as cidades vivenciaram, e ainda vivenciam, um grande espraiamento, com aumento da segregação urbana e perda significativa da vitalidade dos espaços públicos, o que termina por reduzir também a sensação de segurança nas ruas (4).

Em parte, isso se deveu ao status econômico atribuído ao carro, resultante de uma cultura rodoviarista que orientou o sucesso econômico dos países segundo as taxas de propriedade veicular, o que terminou por ratificar a infraestrutura rodoviária, ao passo que as calçadas perderam visibilidade e importância (5). Paradoxalmente, embora haja tal inclinação e priorização para o uso dos veículos motorizados, estima-se que, no Brasil, 39% das viagens realizadas em cidades com mais de 60 mil habitantes são feitas a pé (6), mesmo que parcialmente. Percebe-se, assim, que o planejamento dos transportes pouco contempla a principal forma de deslocamento intraurbano, cujos projetos e intervenções viários, em sua maioria, reduzem o potencial de caminhabilidade do ambiente urbano.

A respeito da caminhabilidade, o termo é derivado do inglês, walkability, e está associado, em geral, à qualidade da caminhada ou do espaço físico destinado à caminhada. Embora o termo seja um neologismo, ele é definido como um indicador que mensura a qualidade dos espaços citadinos na perspectiva de quem se desloca a pé (7). Portanto, entende-se que a walkability é um verificador de qualidade, que incentiva o ato de caminhar como modo prioritário de deslocamento, de sustentabili(ci)dade (8).

Diversas pesquisas, sob diferentes enfoques, têm relacionado a caminhabilidade às condições que levam um indivíduo a realizar determinados trajetos, considerando-se tanto aspectos objetivos do espaço, como a qualidade do ambiente construído, por exemplo, como aspectos subjetivos dos indivíduos, atrelados a própria experiência do pedestre; ou uma ponderação/mescla desses dois fatores/percepções; porém diferentes autores e metodologias compilam diferentes fatores (9), o que torna difícil o consenso sobre o que é e como delimitar, quantificar e qualificar a caminhabilidade.

Visto isso, o presente trabalho tem o intuito de realizar uma revisão de literatura sobre a caminhabilidade, apontando suas principais definições, fatores que qualificam e indicadores. Os fatores mais recorrentes são apresentados, a partir da comparação de alguns dos índices de caminhabilidade mais recorrentes nas pesquisas.

Caminhabilidade

Do ponto de vista conceitual, “a caminhabilidade é uma qualidade do lugar. O caminho que permite ao pedestre uma boa acessibilidade às diferentes partes da cidade, garantido às crianças, aos idosos, às pessoas com dificuldades de locomoção e a todos” (10). Ou seja, o termo caminhabilidade está relacionado ao ambiente de caminhada (não só apenas a prática de caminhar), além disso, pode-se observar que é um termo que comporta toda uma sociedade, não se limitando apenas uma parcela dela.

Fica evidenciado, portanto, que a caminhabilidade é uma medida que otimiza o acesso das pessoas à cidade: de todas as pessoas (homens, mulheres, idosos, crianças, pessoas com deficiências etc.), ampliando a rede de contato e de relações que beneficia a urbe: social, econômica, política e ambientalmente — em outras palavras, é uma condição que torna o ambiente citadino mais amigável ao pedestre, incorporando medidas que levam a padrões mais sustentáveis de cidade, tanto no espaço, quanto no deslocamento (11).

Pode-se destacar três principais características que compõem a caminhabilidade, sendo elas o acesso físico e a infraestrutura, locais para se frequentar e proximidades. Subentende-se acesso físico e infraestrutura como sendo todo o amparo infraestrutural que promove autonomia, segurança e qualidade de vida ao pedestre; locais para frequentar sendo pontos de permanência que geram uma atratividade maior ao espaço; e proximidades como pontos de interesse comum próximos e de rápido acesso. Segundo os autores, estas três características devem andar em harmonia e equilíbrio para se extrair o melhor resultado do ambiente de caminhada (12).

Outros autores delimitam um raio temporal para a caminhabilidade, determinando que para se obter a caminhabilidade, é necessário que determinado trajeto aconteça em trinta minutos ou menos (13), o que fomenta a ideia de “cidade de quinze minutos” desenvolvida pela prefeita de Paris Anne Hidalgo e o professor Carlos Moreno onde se teria um modelo de cidade que para qualquer serviço oferecido pela sociedade haveria a necessidade de caminhar por aproximadamente quinze minutos (14). Considerando esta recomendação, associada às distâncias e tempos percorridos pelos pedestres descritos por Dufaux, Labarthe e Laliberté (15), pode-se entender que a cidade de quinze minutos, orientada ao pedestre, deve priorizar uma distância de deslocamento de 1.200 metros, o equivalente à escala do bairro.

A acessibilidade também é uma das principais agentes responsáveis pelo incentivo da caminhada, pois, a partir de sua infraestrutura, o pedestre irá encontrar maior suporte e encorajamento para o deslocamento a pé (16). Além disso, um bom atrativo paras as pessoas é a própria presença de outras pessoas (17). Portanto boas calçadas irão gerar bons espaços de caminhada que por sua vez irão estimular mais e mais pessoas a prática do andar a pé. E não somente as calçadas (que são o foco principal do visual quando pensamos em caminhar) alguns outros espaços agregam um valor significativo para o pedestre, a exemplo das ruas, prédios, quadras, a paisagem urbana: todos esses fatores compõem o ambiente de caminhada e podem afetar positiva ou negativamente para aquele que caminha de acordo com a maneira ao qual está inserida e precisa-se prestar a devida atenção.

Inúmeras pesquisas têm se debruçado em criar índices (leia-se, índice de caminhabilidade — IC) que analisam a qualidade do espaço urbano a partir de uma gama de indicadores/atributos. Estas investigações utilizam métodos que vão desde a simples aferição do espaço, levando-se em consideração as características físicas do ambiente — como as auditorias técnicas, por exemplo —, à avaliação subjetiva do usuário, a partir da aplicação de questionários e entrevistas que avaliam a percepção do pedestre, ou uma combinação dessas duas abordagens, mediadas ou não por Sistemas de Informação Geográfica — SIG (18).

A caminhabilidade, portanto, é um indicador de qualidade, que avalia um conjunto de fatores, equipamentos, ambientes, serviços e espaços que tornam a prática de caminhar além de segura e autônoma, ainda mais prazerosa para quem a realiza, devido a isso, torna-se importante para o cotidiano da sociedade.

Índices e indicadores

Acerca dos índices e indicadores, observa-se que são ferramentas que auxiliam e norteiam pesquisas e trabalhos em relação a coleta de dados, avaliação e diagnóstico, abrindo espaço para interpretações acerca dos resultados que foram obtidos através deles. Para o tema da caminhabilidade, cada índice aborda diferentes quantidades e tipos de indicadores, gerando assim ferramentas únicas, com suas próprias especificidades. Tal flexibilidade permite uma variável de indicadores que de acordo com cada um, obterá um resultado singular, embora todos visem um único objetivo, que é o de avaliar se o espaço destinado ao andar a pé se encontra adequado para determinada prática.

Para parâmetros comparativos, foram separados cinco índices: o ICam 2.0 (19); o Índice de Qualidade de Calçadas — IQC (20); o Índice de Serviço das Calçadas — ISC (21); o Indicador de Acessibilidade das Calçadas e Travessias (22); e um estudo acerca da caminhabilidade sob a ótica dos pedestres (23). O objetivo desta análise comparativa é identificar quais são os indicadores mais recorrentes e importantes, no que diz respeito à caminhabilidade. Visto isso, obteve-se os seguintes resultados, que pontua os indicadores presentes em cada um dos índices.

Comparação das variáveis entre os índices de caminhabilidade
Elaboração dos autores

Percebe-se que alguns indicadores se sobressaem, aparecendo com mais frequência diante dos índices analisados, são eles, a largura das calçadas, pavimentação, iluminação pública e sombra e abrigo, tendo todos estes aparecido pelo menos quatro vezes dentre os cinco índices que foram comparados entre si. A partir de tal informação, dá-se a entender que tais indicadores possuem uma relevância maior em relação aos demais, no que diz respeito a análise de caminhabilidade, pois, cada um destes indicadores está diretamente ligado a infraestrutura, sendo elas as características mais sensíveis e visíveis ao pedestre, cruciais para qualificar o andar a pé.

Alguns outros indicadores encontram-se no meio termo, aparecendo pelo menos três vezes. Estes, por sua vez são: a conservação das calçadas, atratividade do local e a topografia longitudinal das calçadas. Tais características podem ser interpretadas, como atributos estimulantes para a caminhada, levando em consideração o fator social e físico para determinada prática, ou seja, a qualidade de vida não está atrelada somente à infraestrutura.

Os demais indicadores que aparecem uma ou duas vezes são muitos, sendo a largura da rua, o estado e conservação da rua, diversidades de atratividades, tipo de malha urbana, entre outros. É possível interpretá-las como sendo aspectos optativos, onde o pesquisador busca um resultado específico para ser analisado dentro do campo de atuação da caminhabilidade, não somente a caminhabilidade propriamente dita, mas como se relaciona em relação a fatores inerentes a ela, gerando assim uma variedade de indicadores que não são necessariamente indispensáveis para um bom ambiente de caminhada.

Com base na revisão de literatura realizada, observa-se que a caminhabilidade é um conceito que não se limita apenas ao ato em si de se deslocar a pé, mas abrange também variáveis físicas, sociais e ambientais que potencializam o movimento a pé. Os indicadores citados são importantes instrumentos de planejamento e gestão pública, que podem contribuir para a criação de espaços livres públicos viários mais amigáveis ao pedestre, trazendo benefícios para a população como um todo. Faz-se necessário mais estudos empíricos e metodológicos para aprimorar o entendimento da influência do ambiente sobre o andar a pé.

notas

1
LUISA, Ingrid. Caminhar é precioso — entenda o poder da caminhada. Veja Saúde, São Paulo, 19 nov. 2021 <https://bit.ly/47lgDNa>.

2
DAROS, Eduardo José. O pedestre: treze condições para torná-lo feliz. São Paulo, Abraspe, 2000.

3
ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE. Segurança de Pedestres: Manual de Segurança viária para gestores e profissionais da área. Brasília, Opas, 2013.

4
Vasconcellos, Eduardo Alcântara de. Andar nas cidades do Brasil. In ANDRADE, Victor; LINKE, Clarisse Cunha (org.). Cidades de pedestres: a caminhabilidade no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro, Babilônia Cultura Editorial, 2017.

5
Idem, ibidem.

6
ASSOCIAÇÃO NACIOAL DE TRANSPORTES PÚBLICOS (org.). Sistema de Informações da Mobilidade Urbana da Associação Nacional de Transportes Público: Relatório Geral 2018. São Paulo, Associação Nacional de Transporte Públicos, 2020.

7
PARK, Sungjin. Defining, measuring, and evaluating path walkability, and testing its impacts on transit users’ mode choice and walking distance to the station. Tese de doutorado. Berkeley, University of California, 2008.

8
CARDOSO, Leandro; CARVALHO, Izabela Ribas Vianna de; NUNES, Nilson Tadeu Ramos. Caminhabilidade como instrumento de mobilidade urbana: reflexões sobre a realidade de Belo Horizonte. Revista dos Transportes Públicos — ANTP, ano 41, s. l., 2. sem. 2019, p. 73–94.

9
CARVALHO, Izabela. Caminhabilidade como instrumento de mobilidade urbana: um estudo de caso em Belo Horizonte. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, EE UFMG, 2018.

10
GHIDINI, Roberto. A caminhabilidade: medida urbana sustentável. Revista dos Transportes Públicos — ANTP, n. 33, 2011, p. 22.

11
Idem, ibidem.

12
Caminhabilidade: entenda o que é e seus maiores desafios. Estadão Summit Mobilidade, São Paulo, 14 nov. 2019 <https://bit.ly/47I8XEC>.

13
What Is Walkability? Planetizen, Los Angeles, s.d. <https://bit.ly/3MS7UJZ>.

14
O'SULLIVAN, Feargus; BLISS, Laura. The 15-Minute City—No Cars Required—Is Urban Planning’s New Utopia. Bloomberg, Nova York, 12 nov. 2020 <https://bit.ly/3Rapz2o>.

15
DUFAUX, François; LABARTHE, Martial; LALIBERTÉ, Martin. The deadlock of technocratic planning: Quebec City’s urban form and transportation dilemmas. The Journal of Space Syntax, v. 4, n. 1, 2013, p. 38–73.

16
PITILIN, Taiany Richard; SANCHES, Suely da Penha. A caminhabilidade: uma análise bibliométrica. Revista de Morfologia Urbana, v. 8, n. 2, 2020, p. e00129.

17
GEHL, Jan. Cidades para pessoas. 3ª edição. São Paulo, Perspectiva, 2013.

18
CAMBRA, Paulo Jorge Monteiro de. Pedestrian Accessibility and Attractiveness Indicators for Walkability Assessment. Dissertação de mestrado. Lisboa, Major ULisboa, 2012.

19
INSTITUTO DE POLÍTICAS DE TRANSPORTE E DESENVOLVIMENTO. Índice de Caminhabilidade, Versão 2.0: Ferramenta. Rio de Janeiro, ITDP Brasil, 2018.

20
FERREIRA, Marcos Antonio Garcia; SANCHES, Suely da Penha. Índice de Qualidade das Calçadas — IQC. Revista dos Transportes Públicos, v. 1, n. 91, São Paulo, 2001, p. 47–60.

21
SILVA, Otavio Henrique da; DE ANGELIS NETO, Generoso. Índice de Serviço das Calçadas (ISC). Ambiente Construído, v. 19, n. 1, Porto Alegre, 2019, p. 221–236.

22
KEPPE JUNIOR, Celso Luiz Guimarães. Formulação de um indicador de acessibilidade das calçadas e travessias. Dissertação de mestrado. São Carlos, PPGEU Ufscar, 2007.

23
BARROS, Ana Paula Borba Gonçalves; MARTÍNEZ, Luis Miguel Garrido; VIEGAS, José Manuel. A caminhabilidade sob a ótica das pessoas: o que promove e o que inibe um deslocamento a pé? UR, n. 6, s.l., 2015, p. 94–103.

sobre os autores

João Marcelo Lima Santos é arquiteto e urbanista pelo Unifip Centro Universitário de Patos, Paraíba, Brasil.

Alexandre Augusto Bezerra da Cunha Castro arquiteto e urbanista, mestre em engenharia urbana e ambiental, doutorando em arquitetura e urbanismo e docente no Unifip Centro Universitário de Patos, Paraíba, Brasil.

Luana Stephanie é arquiteta e urbanista, designer de interiores, especialista em design e arquitetura de espaços efêmeros, mestranda em arquitetura e urbanismo e docente no Unifip Centro Universitário de Patos, Paraíba, Brasil.

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