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português
Este artigo analisa o bairro de Jaguaribe, localizado nos espaços contíguos ao centro da cidade de João Pessoa e propor soluções sobre seu espaço urbano e edificado, tratando eixos de intervenção referentes à memória, mobilidade e meio ambiente.
english
This article analyzes the Jaguaribe neighborhood, located in spaces adjacent to the city center of João Pessoa and to propose solutions for its urban and built space, dealing with axes of intervention referring to memory, mobility and the environment.
español
Este artículo analiza el barrio Jaguaribe, en espacios adyacentes al centro de la ciudad de João Pessoa y proponer soluciones para su espacio urbano y construido, tratando ejes de intervención referentes a la memoria, la movilidad y el medio ambiente.
SARMENTO, Bruna Ramalho; NUNES, Alysson Teófilo do Nascimento; FERNANDES, Larissa Pereira; SILVEIRA, José Augusto Ribeiro da. Olhar o passado e pensar o futuro. Uma abordagem sobre o espaço urbano e edificado do bairro de Jaguaribe, em João Pessoa PB. Minha Cidade, São Paulo, ano 24, n. 280.02, Vitruvius, nov. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/24.280/8941>.
Este texto apresenta uma experiência de estudantes da graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba — UFPB, realizada no primeiro semestre de 2022, sobre o bairro de Jaguaribe, localizado nos espaços contíguos ao Centro da cidade de João Pessoa, na sua direção sul. Jaguaribe constitui um bairro histórico, estando entre os mais tradicionais da cidade. Contudo, tem passado por transformações ao longo dos anos, sendo observados problemas relacionados à preservação do patrimônio histórico, mobilidade, meio ambiente, dentre outros.
Nessa direção, procurou-se estudar a situação atual desse bairro e propor soluções sobre o espaço urbano e edificado, tratando eixos de intervenção referentes à memória, mobilidade e meio ambiente.
O bairro de Jaguaribe
Jaguaribe é margeado pelos bairros do Centro, Trincheiras, Cruz das Armas, Varjão e Torre, e está próximo a uma extensa área do Jardim Botânico da capital, conhecido como Mata do Buraquinho e ao Rio Jaguaribe. Tem área de 236,49 ha, na qual se distribuem uma população de 14.738 pessoas (1).
A ocupação do seu território teve início em 1889 nos espaços contíguos à nucleação central histórica da cidade, ainda de forma pontual (com um trecho da atual rua das Trincheiras), apresentando maior adensamento até 1923 em sua porção Noroeste. Até 1930, já havia uma expansão no sentido Sul, sendo a porção Leste ocupada apenas por volta do ano de 1954. A avenida Paulo Afonso é a mais recente do bairro, datada de 2004.
Entender o bairro de Jaguaribe requer situá-lo no contexto das mudanças ocorridas na cidade da Parahyba, no início do século 20, que vivia um processo de modernização urbana, onde era preciso “depurar a cidade, sanear o meio ambiente e eliminar os fatores de feiura e sujeira” (2). O ponto chave utilizado para a cidade foi o combate à habitação dos pobres que, depois de expulsos, iniciaram a construção de suas casas em terras doadas pelas instituições religiosas e/ou por famílias abastadas nos arrabaldes da urbe.
Foi nesse contexto que surgiu o bairro de Jaguaribe, que apesar de haver passado por transformações ao longo dos anos, mantém conservados traçados e algumas edificações que ainda possibilitam revelar o modo de vida do início do século 20, na Parahyba (3).
Uma considerável porção do espaço territorial a Noroeste e Oeste do bairro está inserida na área de tombamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba — Iphaep, com destaque para a rua das Trincheiras e João da Mata, estando nesta última inseridas edificações residenciais, muitas em estado de abandono.
Metodologia
A sequência de abordagem traz inicialmente um diagnóstico dinâmico do bairro de Jaguaribe dividido em duas fases: apreensão e análise do lugar territorial. Em seguida, apresenta-se uma proposta projetual, a partir da geração de cenários, que abrange a definição de eixos, a definição de diretrizes projetuais e um anteprojeto, conforme apresentado a seguir.
Realidades
Diagnóstico
Conforme Mattijs van't Hoff (4), cidades são lugares de interação, e como tal precisam de dois atributos: infraestrutura e lugares para encontros. Encontrar-se frente-a-frente é um aspecto importante no desenvolvimento comercial, da inovação e do contato social. No entanto, a exigência crescente por mobilidade transformou a cidade em nós de infraestrutura rodoviária e fluxos motorizados, esquecendo a escala humana e os lugares de encontro. Essa situação se evidencia no bairro de Jaguaribe, onde foram identificados fatos que não favorecem o encontro e até mesmo a mobilidade, especialmente dos pedestres, pela presença de fachadas cegas, mobiliário urbano degradado, calçadas desniveladas, ocupação irregular do espaço livre público, ruas sem pavimentação e drenagem urbana, dentre outras questões.
No que se refere às fachadas, Tine van Langelaar e Stefan van der Spek (5) citam que ruas com alta qualidade contêm: fachadas atraentes; acessibilidade a partir dos pontos de acesso e conectividade com as ruas em volta; escala humana e espaços livres servidos de mobiliário urbano, arte e verde. No bairro, há muitas fachadas muradas. Contudo, ainda há uma expressiva quantidade de lotes apropriados não murados, o que pode possibilitar a conectividade visual com a rua.
Sobre as quadras, de modo geral, o traçado urbano é regular e permeável, porém, o dimensionamento não traz essa regularidade, o que pode comprometer a permeabilidade em trechos do bairro. Verificam-se ainda ruas sem saída na periferia do bairro, característica que pode vir a prejudicar a mobilidade de pedestres e veículos.
Já em relação aos usos, observa-se predominância do uso residencial, contudo, há uma pulverização, em especial, dos usos de serviços, comercial e institucional por toda a área, que apontam para uma transformação da paisagem urbana e das relações sociais do bairro. Juliana Barros de Oliveira traz relatos de moradores nessa direção: “como abrir a porta e não perceber que os vizinhos de anos atrás se foram? Em lugar das residências, alguns moradores passam a ter, como vizinhos, lojas ou repartições públicas, locais cuja rotatividade é muito maior do que a de uma casa. Como se relacionar com desconhecidos? A sensação de acolhimento encontrada na figura do vizinho passa a não existir”; “o trânsito aumentou […]. As pessoas vivem com suas portas fechadas, o movimento também, as pessoas não querem se expor” (6).
Quanto às vias, ao norte o bairro é servido por uma via arterial, a avenida João Machado e pela avenida Dom Pedro II. O bairro não é cruzado por nenhuma via expressa, mas é bem servido de vias arteriais bastante expressivas, especialmente no sentido Norte-Sul. Os deslocamentos Leste-Oeste no bairro acontecem por vias coletoras.
Sobre os pontos de embarque e desembarque do transporte coletivo, percebe-se um bom atendimento, à exceção de duas pequenas áreas reconhecidas, uma ao norte e outra no extremo sul do bairro. Quando feita a análise espacial sobre as linhas que servem o bairro, observou-se que há vazio de serviço na região nordeste do bairro e uma concentração de linhas no corredor de ônibus na avenida Vasco da Gama, o que representa melhores níveis de acessibilidade urbana.
Tendo em conta o traçado básico de quadras e a distribuição do tráfego de veículos e dos usos do solo a ele associados, o bairro, segundo conceito proposto por Campos Filho (7), se transformou em central na estrutura urbana, devido à expansão do território consolidado da cidade, apresentando vias de ligação inter-bairros com trânsito acentuado; mesclagem de comércio e serviços; centralidades de bairro; sistemas de serviços, em especial, o administrativo e hospitalar; sistema de núcleos que podem ser considerados de uso misto do solo. Além de um tecido urbano denso com acessibilidade relativamente homogênea, a partir da dispersão igualmente homogênea de moradias e das vias de ligação intra-bairro.
Nessa direção, acrescenta-se que o bairro apresenta uma relação de atributos, a partir de fatores relacionados aos aspectos humano, edificado e cultural, que conferem uma carga histórica, marcando o sentido do lugar (8). Nesse âmbito, pode-se indicar a escala swot do bairro, que auxiliou na etapa apresentada adiante.
Uma proposta
A etapa inicial de diagnóstico apontou três eixos principais de atuação no bairro, sendo para cada um deles identificado pontos a se intervir: 1. memória: requalificação dos edifícios históricos, com criação de corredor histórico-cultural e de novos espaços livres públicos para resgatar a vivência local; 2. mobilidade: ruas compartilhadas; melhoria de calçadas; ciclofaixas, e linhas de ônibus; 3. ambiental: estações ambientais; preservação do rio, e parque linear.
Cenário memória
A escolha do local para intervenção priorizou a importância histórica dos edifícios, o uso atual e a localização. O edifício escolhido situa-se próximo a duas vias de ligação, a rua Rodrigues de Aquino e a avenida João da Mata, com os bairros Centro e Cruz das Armas. Além disso, o aspecto topográfico é favorável para o edifício analisado. A ampla área livre do lote poderá ser aproveitada para implantação de uma praça que valorize o futuro museu do bairro.
A proposta é que o edifício passe a ser sede do Museu da Memória de Jaguaribe, pensado no resgate e preservação da história do bairro e sua importância para a cidade de João Pessoa.
Cenário mobilidade
Para o cenário mobilidade foram consideradas as principais dificuldades identificadas no bairro: calçadas descontínuas ou não existentes, resultando na deficiência de acessibilidade para os pedestres; rampas de entrada de veículos, as inclinações da via, os postes de iluminação e outros serviços criam obstruções frequentes; falta de sombreamento e a iluminação irregular tornam a rua pouco atraente, durante períodos mais quentes e à noite; falta de árvores e drenagem ou infraestrutura verde resultam em calçadas sem sombreamento e formação de poças d’água durante as chuvas mais acentuadas.
Nesse contexto, foram pensadas ruas compartilhadas para as ruas sem saída, que possibilitem: oferecer espaço para as crianças brincarem e os moradores se encontrarem; favorecer a segurança e as atividades dos pedestres; promover a interação entre a vizinhança e as atividades ao ar livre, como a jardinagem, e incentivar os meios de transporte não motorizados.
Cenário ambiental
O terceiro cenário foi estruturado considerando a vasta extensão da Mata do Buraquinho, próxima ao bairro, como também a presença do Rio Jaguaribe. Nesse sentido, foram propostas intervenções que visam à valorização e as conexões da mata e do rio e a apropriação destes espaços pelos moradores do bairro e pela população como um todo. Foram previstas estações ambientais e a criação de parque linear próximo ao rio e à mata, com vistas a tornar esses espaços utilizáveis e incentivar a sua preservação.
Como forma de receber as pessoas no parque linear, se propõe uma praça de acesso, funcionando como uma forma de controle, orientação e organização do parque. O parque linear tem 715m e a proposta é que funcione como um espaço de passeio, esportes e educação ambiental, com dois bosques para aproximação com a natureza.
Considerações finais
A proposta pode se mostrar benéfica à comunidade e ao bairro, na medida em que pretende dar espaço a história de uma área que se mistura à história da cidade de João Pessoa, sendo fundamental que essa memória permaneça viva para as próximas gerações, como referências territoriais.
A partir dos cenários propostos indica-se uma atuação, em especial, na área de formação inicial do bairro, a Noroeste, criando um circuito cultural, promovendo um resgate da sua memória e valorizando todo o potencial histórico ainda presente; e, na área mais recente, a Sudeste, impulsionando toda a natureza existente, desde o Rio Jaguaribe até a Mata do Buraquinho, com a criação do parque linear. Além da qualificação de espaços livres públicos, com o tratamento de diversas ruas sem saída, aproximando as pessoas e trazendo condições para que estas se apropriem e vivenciem o bairro.
Portanto, o projeto promove um Jaguaribe conectado ao futuro, sem esquecer o seu passado, concatenado com as questões de mobilidade urbana, sustentabilidade ambiental, e com a qualidade de vida da comunidade.
notas
1
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro, IBGE, 2012.
2
PECHMAN, Robert Moses. Um olhar sobre a cidade: estudo da imagem e imaginário do Rio de Janeiro. Cadernos IPPUR/UFRJ, ano 6, n. 1, Rio de Janeiro, 1992.
3
ARAÚJO, A. L. de. A residência dos bairros populares: morar em Jaguaribe. In MOURA FILHA, Maria Berthilde, CAVALCANTI FILHO, Ivan, COTRIM, Márcio (org.). Entre o rio e o mar: arquitetura residencial na cidade de João Pessoa. João Pessoa, Editora da UFPB, 2016, p. 256–277.
4
HOFF, Mattijs van't. Sob as ferrovias das ruas. In KARSSENBERG, Hans (org.). A cidade ao nível dos olhos: lições para os plints. Porto Alegre, Edipucrs, 2015, p. 231–235.
5
LANGELAAR, Tine van; SPEK, Stefan van der. Experiências na rua numa cidade dominada pelo carro. In KARSSENBERG, Hans (org.). Op. cit., p. 64–67.
6
OLIVEIRA, Juliana Barros de. O Bairro de Jaguaribe na memória dos seus moradores idosos. Dissertação de mestrado. João Pessoa, PPGH UFPB, 2012.
7
CAMPOS FILHO, Cândido Malta. Reinvente seu bairro: caminhos para você participar do planejamento de sua cidade. São Paulo, Editora 34, 2003.
8
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo, FFLCH, 2007; TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo, Difel, 1983.
sobre os autores
Bruna Ramalho Sarmento é arquiteta e urbanista e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFPB. Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFRN e técnica do Laboratório de Acessibilidade da UFPB.
Alysson Teófilo do Nascimento Nunes é arquiteto e urbanista pela UFPB.
Larissa Pereira Fernandes é arquiteta e urbanista pela UFPB.
José Augusto Ribeiro da Silveira é arquiteto e urbanista e professor doutor da UFPB.