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PORTAL VITRUVIUS. Concurso Urbanístico - Santiago de Compostela. Ciudad Europea de la Cultura del Año 2000. Projetos, São Paulo, ano 01, n. 005.01, Vitruvius, maio 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/01.005/2120>.


Equipe

Washington Menezes Fajardo (diretor da equipe)
Adriana Gomes do Nascimento (associada - arquiteto e urbanista)
Flavio Andre Arancibia Coddou (associado - arquiteto e urbanista)
Elizabeth Carneiro Monteiro Porto (colaboradora - turismóloga)
Stella de Barros Spagolla Hermida (colaboradora - estudante de arquitetura e urbanismo)
Raul Bueno Andrade Silva (colaborador e estudante de arquitetura e urbanismo)

Introdução

A área de estudo é um enxerto europeu num meio ambiente americano. Poderia um modelo americano ser aplicado em cidades européias? São válidas estas categorias? Existe um modelo de cidade europeu?

Algumas respostas são óbvias.

Não propomos um modelo. A proposta visa a criação de um raciocínio, uma lógica, um modus operandi que viabiliza conexões viárias, programáticas, e de serviços na cidade. Se considerarmos que a situação afirma a congregação, congestão e condensação como elementos positivos e derradeiros em áreas metropolitanas, a garantia de uma qualidade de vida baliza os parâmetros de definição de programa, gabarito, uso e radiação otimizada, tanto no sentido político-social, quanto no âmbito do ócio e lazer e inclusive na infra-estrutura e fluxos coletivos de produtos e informações.

Assim, considerando o sítio específico do terreno da CEG, o processo de reestruturação conta com duas estratégias: a primeira é de afirmação, e conta com edifícios existentes, traçados viários interrompidos a serem reconstituídos e características da escala industrial. Essa estratégia conta com infra-estrutura potencial e com o desuso programado, resultando num desenho que revela a complexidade dos programas, de afirmação de urbanidade, abrangência e sobreposição de fluxos. A segunda estratégia é de negação, de renovação, e visa a elaboração de um desenho que funcione como enxerto de um fragmento de projeto urbano dentro de uma escala que admite a reflexão e questionamento de novos usos. O novo corpo estranho funciona como transplante de um órgão sadio sobre um órgão dinâmico. Morfologia e tipologia não são instâncias de verificação de diagnóstico, porém de análise de contraste e potencialidades de contaminação bidirecional. O contraste entre as duas operações dentro da macro escala direciona o projeto à elaboração de uma estratégia fragmentada (localização de programas de acordo com instâncias infra-estruturais) e totalizante (ação incisiva e reativa de uma "ilha" ou "oásis" com objetivo contaminador).

Tanto o enxerto quanto a renovação de carcaças industriais revelam a vontade de redirecionar investimentos e densidade, devolver uma centralidade a uma área portuária e industrial que caracteriza muitas das metrópoles atuais. A mudança nos ciclos produtivos e locais de produção e consumo, deixaram obsoletas as áreas que eram usadas para galpões industriais e armazenagem. O desejo de mudança e readaptação acontece de formas distintas e em tempos diferentes em metrópoles industriais desde os anos 60. No caso brasileiro, até os anos 70 os portos foram usados de forma intensa. A eliminação de etapas de armazenagem , controle de produção e escoamento esvaziaram rapidamente galpões industriais localizados em áreas-chave de algumas cidades brasileiras. No caso do Rio de Janeiro, a área aterrada no início do século para abrigar a zona portuária e áreas produtivas industriais entra em colapso derradeiro nos fim dos anos 70, e com ele põe-se em xeque o futuro do bairro de São Cristóvão como congregador de áreas industriais e quadras residenciais de baixa densidade. Esse esvaziamento deixa rastros radiais que dividem e segregam fragmentos cada vez menores de situações díspares que gozam da mesma infra-estrutura e proximidade com o centro.

Ao invés de lamentar a "descaracterização" do que resta dos bairros residenciais, tratamos a área como o limite entre o bairro de São Cristóvão e a zona portuária, e implantamos um projeto urbano que reafirma a importância do Estado como provedor de investimentos capazes de alterar fragmentos de cidade com garantia de qualidade projetual, espacial e afirmativamente democrática. A instância macro torna-se o meio para repensar o fragmento.

O desmantelamento do lote tradicional nos dá uma rara oportunidade de reavaliar o papel do investimento público como catalisador de reconversão de áreas em "desuso". É importante marcar a diferença entre degradação e "desuso", já que no caso do terreno em questão, o projeto de desocupação permite que se pense no terreno em toda sua "integridade", disponibilizando-o a um uso coletivo e público. Aceitando a condição contemporânea da distribuição aleatória e "espontânea" de edifícios comerciais e de serviços na cidade, nosso projeto baseia-se numa linha de tempo que distribui uniformemente a ocupação do terreno e aceita o investimento privado em certos trechos, absorvendo o "tempo" do capital especulativo e direcionando-o a um segmento dentro da macro escala.

Negamos o lote e composição volumétrica isolada, assim como um projeto unitário, de reconformação de vias e gabaritos do contexto residencial tradicional. A noção de unidade visual ou planimétrica é inviável nas cidades atuais, especialmente em condições de contínuas mudanças e reestruturações. O desejo é de marcar e aceitar o refluxo de crescimento da cidade em direção ao centro. A nova centralidade é a resposta à impotência do crescimento desenfreado periférico. Se aceitarmos a condição centrífuga das cidades brasileiras que se desenvolvem radialmente, podemos considerar que o refluxo é tão importante quanto a expansão, pois, num prazo que pode variar entre 30 e 50 anos, reavalia-se a posição e mutabilidade de zonas potencialmente importantes. O rearranjo interno das cidades permite a "limpeza" das áreas anteriormente destinadas aos setores secundários de produção, e assim a afirmação da condição terciária e de consumo deve deslocar os investimentos, para o estabelecimento de um novo raciocínio sobre a relação do homem com seu meio e suas necessidades. Se a produção de informação e o consumo de serviços torna-se prioridade, o projeto urbano deve fazer a conexão entre necessidades permanentes da condição urbana (habitação, condensação, densidade) e os novos questionamentos sobre as conexões, modos de convivência, fluxos e mobilidades. Nesse sentido, o projeto aborda três temas relevantes que coordenam a implantação do desenho urbano:

– a rara chance de trabalhar com a escala "média" de intervenção levando em conta a necessidade da retomada do investimento público como garantia de factibilidade da realização;

– repensar a tendência ingênua contemporânea de pensar no programa "cultural" como base de requalificação de áreas degradadas;

– a habitação social como programa permanente de estabelecimento humano qualificador de urbanidade.

Projeto urbano como investimento público

A falência de macro escala de intervenção e a impotência da pequena escala em resolver questões ligadas a instância urbanas relevantes, faz com que a partir dos anos 70, seja instaurada uma tendência em pensar na escala de "projetos urbanos". Fragmentos urbanos são adaptados a novos fluxos locais e a uma nova relação tempo-custo, mais condizente com a atual crise de investimentos públicos em soluções consecutivas e/ou resolutivas nas metrópoles.

Tal raciocínio tem como conseqüência a defesa desse procedimento por economia em relação à infra-estrutura reutilizada. As vias, os acessos, energia elétrica, gás, água e asfalto são subutilizados no caso de áreas degradadas. Paradoxalmente, se pensarmos que a produção de gás pela CEG encontra-se no âmbito do consumo urbano, o próprio deslocamento da produção para outro local deixa uma lacuna inclusive sob o aspecto arquitetônico: os gasômetros fazem parte da conformação urbana na escala visual e formal da área. O legado dessa área extrapola a instância puramente territorial e infra-estrutural, e alcança a escala arquitetônica, como elemento relevante da paisagem independentemente de seu uso.

Dentro da lógica de utilização de uma estratégia de alternativas de investimentos públicos e privados, pensamos no uso residencial integrado a serviços compatíveis e complementares. A simbiose entre as duas instâncias permite a garantia da "integridade" da lógica do projeto residencial com os serviços e comércios que servem diferentes níveis de público. Dependendo de sua localização, os edifícios comerciais podem atender os veículos que transitam pela área (Drive-Thru) como os habitantes das áreas contíguas e os freqüentadores das atividades de lazer e aglomeração dos projetos mais cívicos.

Se atualmente o acesso à área central da cidade pela Linha Vermelha ou Avenida Brasil está muito próximo à área estudada, levamos em conta a característica de passagem de veículos e de pessoas (no caso da Estação Rodoviária), e admitimos que a relação entre a área limítrofe e os viadutos tem característica especifica e conecta-se com essa lógica de fluxo rápido. A separação entre a área das torres comerciais + serviços de drive thru e a área residencial (afastada dos viadutos por razões de conforto ambiental e acústico) acontece com um parque linear urbano. O parque caracteriza-se por uma área livre com pequenas construções de caráter local. Sabemos da escassez de parques urbanos na área metropolitana do Rio de Janeiro e de sua exclusividade em relação aos habitantes da Zona Sul da cidade. Assim, formalizando a relevância de instâncias distintas em "faixas" de uso (com programas mistos) o parque urbano torna-se fundamental como elemento estruturador do fluxo linear paralelo à Av. Francisco Bicalho e como respiro entre as diferentes situações de gabaritos propostos para os terrenos estudados.

Dentro da proposta, a instância exclusivamente "privada" somente acontece nas torres de escritório e comércio lindeiras à Francisco Bicalho, já que os outros elementos construídos com investimento privado, são, majoritariamente, de uso coletivo.

Produção cultural coletiva como garantia de continuidade

Acreditamos que dentro das cidades brasileiras, atualmente há uma tendência em acreditar que "centros culturais" são um meio para recuperar edifícios de relevância histórica ou degradados. Essa tendência foi capaz de alterar parâmetros, e o resultado disso foi a criação de "centros culturais" em maior número do que realmente poderia se expor como "cultura". Ações pontuais de recuperação de edifícios se revelam fracassadas a partir do momento em que não são capazes de alterar as atividades do seu entorno, em muitos casos transformando-se em ilhas de eventos culturais em horários restritos, para uma camada restrita da população.

A produção artística e cultural deve estar totalmente integrada aos centros de exposição, museus e os chamados "centros culturais". Acreditamos que a coletividade e a instância pública e democrática acontecem na sua total integridade quando a atividade de exposição de produção cultural aconteça juntamente com a produção de espetáculos, atividades, intercâmbio, num espaço cívico, coletivo, integrado a áreas de lazer. O controle das atividades e programação que mantenha o caráter primário do Centro Cívico deve ser garantido por uma administração que dinamize as funções de cada local, integrando-os quando necessário para que contamine-se o uso durante distintas fases e horários. Sabemos da dificuldade e da fragilidade de pensar na área cultural num bairro afastado do público que normalmente freqüenta esse tipo de local, poré, a idéia também é de formar público, que pode ter uma grande parte nos moradores, freqüentadores e nas pessoas que diariamente passam pela Rodoviária. Além disso, não imaginamos o Centro Cívico como irradiador do projeto urbano, pois de nada vale implantar um centro similar em um local com acesso e infra-estruturas difíceis. Ele faz parte do conjunto, que se aproveita dos elementos que permanecem no local (os tambores e alguns pequenos edifícios de relevância construtiva) para organizar atividades que englobam uma macro escala de público potencial.

Nesse sentido, imaginamos que a área dos tambores de gás deva ser aberta ao público de forma a permitir o uso durante o maior período do dia possível. Integrado a oficinas, as áreas de exposição ocupam somente uma porção do conjunto de edifícios e espaços destinados à atividade cultural.

Propomos que um dos tanques de gás seja usado como espaço cênico, livre, com arquibancadas periféricas, que pode abrigar apresentações de teatro de palco central, circos, palestras, entre outras atividades. O edifício sem programa definido é o suporte de atividades que potencializem o espaço livre, contando sempre com os equipamentos necessários para as grandes aglomerações de público.

Um outro tambor de gás é usado com programas definidos e espaços calculados para distribuir as atividades cobertas de suporte ao espaço cívico. Biblioteca, pequenas oficinas, escola de dança, escola de teatro, e administração do Centro Cívico.

Reabitar o Centro

O processo de esvaziamento dos centros, observado no Brasil desde os anos 50, manteve seu ritmo até os dias de hoje, levando a uma setorização de alguns bairros-dormitório e zonas de trabalho. Enquanto em muitas cidades na Europa o processo se deu de forma inversa, com a expulsão das camadas mais pobres da área central, valorizando-a do ponto de vista especulativo, no Brasil a expansão de novos bairros periféricos fez com que o centro fosse ocupado estritamente por locais comerciais ou de escritórios. Pensar em realocar investimentos para criar o impulso de retrabalhar espaços potenciais próximos ao centro é uma tarefa que requer a abordagem sócio-política sobre os habitantes que ocupariam a área. Na verdade, pensamos numa mixagem de diferentes camadas da população, que podem ou não estar ligadas às atividades que ocorrem nas torres de negócios e no Centro Cívico. Diferentes gabaritos, ocupações e densidades garantem a variedade de habitantes na área habitacional. Porém isso não basta. É necessário garantir infra-estrutura de bairro residencial onde não há, para que haja interesse em deslocar-se até ali.

No caso do projeto, a implantação de uma área habitacional no limite entre a faixa paralela à Av. Fco Bicalho e o bairro de São Cristóvão, funciona como coesão, não somente do ponto de vista programático e de densidade, mas também como resposta abrangente de uma das possibilidades dentro de um terreno de grande dimensão que pertence ao Estado. Essa coesão acontece também por contraposição. A ocupação num terreno único, sem divisão de lotes, permite uma permeabilidade que se transformará no espaço público dos habitantes das ruas mais antigas do bairro. A coesão acontece por meio de espaços públicos, atividades, programas. Porque a coesão visual, tipológica e formal é menos importante do que a ênfase ao caráter social do empreendimento.

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Equipe colocada
Rio de Janeiro RJ Brasil

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Organização do concurso
Santiago de Compostela

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