Apresentação
Esta requalificação da Rua do Porto, em Piracicaba, SP, inscreve-se no âmbito das ações do denominado "Projeto Beira-Rio", de responsabilidade do poder público municipal daquela cidade.
O Projeto Beira-Rio vem sendo desenvolvido desde 2001 e se constitui como um processo matricial de ações focadas na legitimação, recuperação e potencialização da relação identitária entre a cidade e o famoso corpo d' água.
O Projeto parte do pressuposto de que rio e cidade em Piracicaba conformam um único e amplo sistema bio-cultural e aponta para um escopo de ações integradas que busca escapar da consecução de melhorias pontuais à beira-rio, tônica, até então, da ação municipal neste waterfront.
As relações operantes entre o rio e a cidade se manifestam sob diversos matizes: sociais, folclóricos, urbanísticos, ambientais, econômicos, turísticos - culturais, enfim. Desta constatação iniciou-se o trabalho por um diagnóstico antropológico/participativo, que interpretou as potencialidades e problemas do binômio rio/cidade (2001-2002). Seu resultado foi incorporado à etapa subseqüente, a elaboração de um Plano de Ação que sintetiza e estrutura as diretrizes para a ação pública em toda a orla do rio dentro do município, com reflexos, inclusive, na região (2002-2003).
O eixo desta gestação teórica do Projeto Beira-Rio foi a questão da sustentabilidade, que perpassa o diagnóstico (intitulado "A cara de Piracicaba"), o Plano de Ação Estruturador (com foco no Planejamento Ambiental e Desenho Ambiental) e também a Agenda 21 Local ("Piracicaba 2010", da qual o Projeto Beira-Rio é premissa).
O Projeto Beira-Rio espelha as múltiplas interfaces da relação entre rio e cidade por meio de diretrizes integradas de prevalência do pedestre no espaço urbano, a cultura como definidora de projeto, inserção social e preservação dos recursos naturais e construídos por meio do fomento ao turismo como fonte de renda "limpa" e inclusiva, visando uma reaproximação com o rio.
Uma modalidade de ação apontada é a da intervenção urbana e desta forma se deu a concretização do Projeto Beira-Rio (2004), o projeto aqui mostrado.
A Rua do Porto é parte de um dos mais antigos tecidos da cidade, concentradora da memória da pesca, do porto fluvial, das olarias e do cururu, em desordenada expansão turística ao longo das últimas décadas; sua requalificação traz um caráter emblemático ao início efetivo do Projeto Beira-Rio, suas obras aplicando conceitos do Projeto como um todo - a prevalência do pedestre, a recuperação do patrimônio público natural e construído, o dado cultural como elemento definidor, a manutenção dos usos consolidados, a reaproximação do cidadão com o rio.
Memorial
A área de abrangência deste projeto de requalificação compreende uma região na orla urbana do rio Piracicaba com extensão de 800 metros, marcada por um contínuo processo de ocupações distintas e sobrepostas: de área periférica e alagável a sítio de extração de argila e sede de olarias; de área residencial e berço de moradias de pescadores (cujo conjunto é tombado em nível municipal) à uma zona de uso misto, onde a função habitacional resiste ao crescente comércio de bares e restaurantes.
A localização de dois grandes parques públicos faz da região um importante pólo de lazer. Somam-se, ainda, festividades municipais, como a tradicional Festa do Divino e os passeios de barcos e de bóias, que transformam ciclicamente as margens do rio em praia do piracicabano; palco de feiras de artesanato e apresentações de música de raiz, o local seduz turistas e patrícios. E não obstante a baixa qualidade e volume d'água do rio nos tempos mais recentes, a fama de sua piscosidade permanece, trazendo grandes levas de pescadores anônimos nas temporadas de pesca.
Ainda que o título deste trabalho seja o de requalificação, mais correto seria defini-lo por reorganização, ou ainda melhor, valorização. Local de história e estórias, a região há tempos merecia uma intervenção ampla e profunda.
O projeto nada mais fez que identificar as potencialidades, corrigir excessos e incentivar as próprias virtudes da Rua do Porto, num processo de muitos atores e pouca autoria cuja simplicidade contrasta com o reinante desejo de utilização de arquiteturas de equipamentos públicos ou privados como fixação ostensiva de uma imagem, sedução de multidões e "transformação" de cidades.
Foi proposta uma série de pequenas intervenções de caráter público e interesse coletivo: alteração dos acessos e conseqüente melhor definição das relações entre o Calçadão da Rua do Porto e o parque lindeiro; melhorias da acessibilidade dos pedestres e pessoas com necessidades especiais; reforma, criação ou ampliação de estruturas de apoio (sanitários, vestiários, área de lazer, equipamentos urbanos etc); incremento de vagas de estacionamento; substituição e melhora dos sistemas de drenagem e iluminação pública; elaboração e implementação de extenso projeto de paisagismo das áreas verdes e de recuperação da margem com vegetação nativa (antes dominada por espécies invasoras).
Das possibilidades pela paisagem oferecidas e do componente simbólico da aproximação ao rio, foram construídas defronte a um remanescente de olaria (hoje sede do poder público no local) uma passarela de pedestres ao longo de arrimo existente, associada a uma estrutura de concreto que se comporta como banco, palco e mirante.
Este conjunto oferece vários níveis de observação do rio, qualidade multiplicada à razão das centenas de pessoas que comparecem anualmente naquele ponto para acompanhar o encontro dos barcos, clímax da Festa do Divino.
Outra proposta, fundamental na intenção do projeto, é a reorganização dos elementos componentes da estreita faixa de 20 metros entre a testada do casario e a água, buscando convidar, abrigar e estimular um rico convívio entre moradores e comerciantes, transeuntes e comensais, contempladores, pescadores e turistas, áreas construídas e áreas verdes.
O antigo "calçadão" não incentivava sua apropriação pelos pedestres, tanto devido à calha de rua mantida intacta quando de sua criação, como pelo desrespeito à proibição de tráfego motorizado além, ainda, das guias, sarjetas e estreitos passeios remanescentes daquela condição; a margem do rio mantinha-se oculta e inacessível, tomada por avanços irregulares de deques, lajes e platôs artificiais dos restaurantes.
O novo Calçadão foi inteiramente refeito com base em mudanças do piso e geometria, com dimensões mais apropriadas ao passeio; a margem foi liberada ao acesso em seu trecho menos íngreme, a partir da definição de arrimos recuados das novas áreas em deques, britas e pisos vegetados. Foi, então, aberta uma trilha para pedestres na margem, em cuja estrutura foi incorporada a base existente de um antigo arrimo em pedras, construção interrompida há 40 anos e oculto sob o talude até o início das obras.
O recurso utilizado foi o de reorganizar a ocupação da margem pela alternância de planos e níveis. Desta forma, o projeto reaproximou as pessoas do rio, criou situações favoráveis ao passeio e ao estar, ao trabalho e à contemplação.
Do inicio do trabalho até sua concretização, as margens foram paulatinamente deixando para trás sua condição de barranco para ganhar uma nova dimensão de fronteira. Entre natureza e edificação, entre passado e futuro.
ficha técnica
Arquitetura e Urbanismo
Renata Toledo Leme
Eduardo Martini
Monica Salim
Thomas A. J. Burtscher
Melissa de Angelis
Colaboração
Ricardo Hofer
Vicente Ramalho
Edição/Organização
Fabio Guimarães Rolim
Coordenação Geral do Plano de Ação
Renata Leme
Coordenação de Arquitetura e Urbanismo
Eduardo Martini
Fotografias
Cristiano Diehl Neto
Eduardo Martini
Ricardo Hofer
Consultoria em Desenho Ambiental e Autoria do Plano de Ação Estruturador
Maria de Assunção R. Franco
Plano de Restauração Florestal
Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (LERF-ESALQ/USP)
Diagnóstico "A Cara de Piracicaba"
Arlindo Stefani
Projeto Luminotécnico
Infranight
Projeto Estrutural
SRTC
Projeto Drenagem
Master
Projeto Instalações
Energel
S. Pavani
nota
1
Implantação - 1. Portais: Demarcação visual dos acessos ao Calçadão da Rua do Porto com palmeiras de porte (referência urbana existente em outros pontos de significado histórico e arquitetônico da cidade - Palacete do Barão de Rezende, Palacete Boyes, Chácara Nazareth.). 2. "Atracadouro" de barcos: Acessos à margem em pontos tradicionais de ancoragem de pequenas embarcações. 3. Passarela, banco /plataforma: Construção de elementos de aproximação e contemplação do rio ao longo do grande muro de arrimo existente (tradicional ponto de observação da Festa do Divino e dos passeios de barcos e de bóias). 4. Marcos: Restauro e iluminação de destaque para as chaminés remanescentes das antigas olarias (composição com as chaminés do Engenho Central). Iluminação de destaque para árvores de porte (composição com outras do trecho ribeirinho - Largo dos Pescadores, Casa do Povoador, Engenho Central). 5. Trilha: Piso permeável para pedestres e pescadores ao longo da margem. (Nível definido a partir de estudo de 35 anos de vazão do rio). 6 Mureta: Ajuste do talude da margem com arrimo em pedra basalto característica da região, delimitando o percurso da trilha e servindo como banco contínuo. 7. "Atracadouro" de barcos: Acessos à margem em pontos tradicionais de ancoragem de pequenas embarcações. 8. Vegetação: Inventário da vegetação existente na área de projeto, definição das espécies a serem tratadas ou substituídas e replantio de vegetação nativa. Integração e ampliação do conjunto de vegetação aos maciços vizinhos (Chácara Nazareth, Engenho Central, Vila Rezende). 9. Margem como espaço público: Substituição de estruturas em avanço sobre a margem, irregularmente construídas pelos restaurantes, por superfícies alternadamente compostas por deques de madeira, britas e jardins; Liberação da margem para implantação de trilha para pedestres, caminhos de pescadores e para replantio de vegetação nativa. 10. Estacionamento: Criação de estacionamento com implantação modulada de vagas em piso permeável e plantio de espécies arbóreas recomendadas para adensamento da mata ciliar. 11. Parque da Rua do Porto: Integração da Praça dos Artistas à nova entrada do Parque da Rua do Porto Através de passagem de pedestres em nível. 12. Praça dos Artistas: Reorganização espacial, substituição dos caminhos, canteiros, pavimento e calha da rua existente. Deslocamento do eixo focal para o Casarão do Turismo (edificação remanescente das antigas olarias). 13. Sanitários: Construção de conjunto de sanitários de uso público. Integração espacial entre as duas praças existentes, antes divididas por terreno particular. 14. Calçadão: Extinção da calha da rua existente; Reorganização da geometria; Substituição do calçamento existente por pavimentação em intertravados de concreto. 15. Campo de Futebol: Reforma total e adequação do campo existente às medidas oficiais. 16. Vestiários: Estrutura pública de apoio às atividades esportivas e de lazer e turísticas (Casa do Artesão, edificação remanescente das antigas olarias, hoje um centro de artesanato)