O objeto-artefato do século das transformações da produção da vida material tem demarcado, num processo de mutação, os lugares urbanos.
À margem de qualquer raciocínio compositivo ou programático , esse objeto tem corrido o risco de enfraquecimento, pela sedutora – e tantas vezes supérflua - imagem a que pode estar reduzido. (alusão à idéia de personagem de Wenders in La verité des images, L´Arche, 1992).
As tentativas de resgate da idéia de um lugar urbano, mais que uma formulação regressiva, podem significar a possibilidade e o valor dados não à imagem, mas à vivência: conforma-se a narrativa, o texto, a condição de se construir uma estória pela experiência das pessoas com o lugar.
Essa vivência, tão associada – no caso da cidade - ao tempo da existência coletiva, tem sido colocada como aquilo que vem depois dos processos – já praticamente hegemônicos - de materialização de uma urbanidade: da realização da monumentalidade abstrata à condição competitiva das cidades mundiais.
A forma – arquitetônica e urbana - atribuída a cada uma dessas idéias pode dissolver-se se outras possibilidades ligadas ao heterogêneo, múltiplo, diverso e público forem decalcadas a partir da condição dada pela vivência: uma espécie de deriva revisada frente ao acontecimento social e urbano contemporâneo, anti-nostálgica, vertiginosa.
No projeto proposto abrigam-se programas e espaços públicos em parcela do território da cidade além da “rígida leitura” e estrutura dadas pelo “traçado urbano, eixo de simetria e edifícios” do lugar em questão, a Praça Francia (confirmar): ao invés de preencher esse território com o insubstancial dado pela imagem, preencher com volumetrias invertidas que o escavam e, mais que distração, desencadeiam vivências.
É para esse território – um vale artificial estratificado - abrigado dos fluxos e da competitividade da forma, que estão sendo propostos outros fluxos e outras dinâmicas espaciais.
Sem hierarquia, de apropriação livre, continuidade das calçadas e das atividades sugeridas pelos programas, praças e edifícios, implantados nesse vale artificial, conformam outra identidade, diversa: aquela dada pelos blocos fragmentados que articulam continuidades entre os espaços construídos e que margeiam, com seus perímetros dinâmicos de ofertas de atividades, os espaços livres.
Mais que blocos com dimensões monumentais auto-referentes, propõe-se a fragmentação das áreas construídas e livres como estratégia, potencializando possibilidades urbanas e arquitetônicas pelas relações: muitos são os acessos, várias são as composições de uso do espaço construído e livre, diversos são os planos verticais e horizontais dispostos à luz e à ventilação, muitas são as articulações com as estruturas existentes, com a praça anexa, com as vias e calçadas laterais, com o acesso ao metrô.
O consumo minimizado de recursos, o uso eficiente da água e da energia elétrica, o aproveitamento e reutilização das águas pluviais, a reciclagem dos resíduos e a utilização de recursos da arquitetura à iluminação e ventilação naturais são pontos da proposta, considerando as dimensões arquitetônica e urbana desse tema, o grande plano da cobertura vegetal, apoia um filtro de radiação direta, faz um plano horizontal de referência que destaca a nova proposta de topografia. Sob a luz filtrada, é gerada a subtração do espaço ganho com nitidez e alternativas.
O subsolo é cota de valor público – uma área urbana inferior - e comporta acessos, percursos e conexões, além de uma espacialidade que agrega essas passagens e chegadas, articulando-as em uma grande praça.
A trama aberta é matriz à organização horizontal e vertical dos espaços: dadas as possibilidades de transformação, ampliação e mudanças no uso, na regulamentação municipal ou nas necessidades programáticas, já previstas pelo concurso, o acréscimo de áreas construídas e livres foi proposto considerando-se a fragmentação das volumetrias no eixo vertical. Volumes construídos em ocasiões diferentes complementam necessidades e assentam-se a partir da trama aberta, preenchendo parcialmente os vãos entre os blocos e liberando deliberadamente terraços, praças e pátios sombreados.
E é essa trama aberta, idéia estruturadora do projeto, que sugere a narrativa: vêem-se e vivenciam-se as brechas, olha-se através, entre um acontecimento e outro e, às frases iniciadas, às estórias contadas e ao registro da experiência, associam-se os trechos de silêncio. Menos pictórico e mais textual (Huyssen: 2000), o projeto agrega as condições urbanas dadas e a elas atribui algumas outras possibilidades, como bem cabe a uma boa estória que se conta junto.
ficha técnica
Autores
Héctor Vigliecca
Luciene Quel
Ruben Otero
Ronald Fiedler
Lizete Rubano
Colaboradores
Neli Shimizu
Thaisa Froes
Adda Ungaretti
Ignacio Errandonea
Camilla Dibaco
Fabio Pittas
Pedro Guglielmi
Gabriella Callejas
Michelle Castro
Fernando Píriz
Acondicionamento Natural
Anésia Barros Frota
Alexandra Rodrigues Prata
Leonardo Marques Monteiro
Perspectivas
Emilio Magnone
Paco Hernández
Lucas Mateo
Maquete
Art maquetes
Administração
Paulo SerraLuci Maie